Greve Negra pára Salvador

Há 150 anos, as ruas de Salvador (BA) amanheceram em estranha calmaria. Não se via o tradicional vai-e-vem de gente e mercadorias. A cidade parou porque os homens negros entraram em greve. Escravos e libertos protestavam contra uma lei municipal que ta

Entre eles não havia brancos nem mestiços, o trabalho era feito exclusivamente por negros – africanos e brasileiros. Eles ganhavam a vida transportando de tudo – gente, cartas, pacotes, caixas, tinas, tonéis etc -, e eram chamados de 'ganhadores'. A Câmara Municipal queria obrigá-los a tirar uma licença para fazer o serviço a um custo de dois mil réis. Também passaria a ser cobrado mais três mil réis para obtenção de uma chapa de metal que os trabalhadores deveriam usar no pescoço durante o serviço. O valor total era equivalente a 15 quilos de carne, quantia em nada desprezível até para os dias de hoje.


 


 


Segundo o professor de História da UFBa, João José Reis, a fachada tributária na verdade escondia a intenção de disciplinar o negro no espaço público urbano, já que também se passava a exigir um fiador idôneo que ficaria responsável pelo seu comportamento. O trabalho dos ganhadores tinha um caráter anticapitalista. O ganhador organizava o seu tempo e ritmo de trabalho. Muitos preferiam não trabalhar a ter que carregar peso maior ao que consideravam lhes ser conveniente e, sempre que podiam, trabalhavam coletivamente. Os escravos tinham certa independência e liberdade para se movimentar pela cidade a trabalho e, não raro, moravam em casas ou quartos alugados. Em condições favoráveis de mercado, alguns conseguiam comprar sua liberdade com o fruto do trabalho.


 


 


Os trabalhadores se organizavam nos cantos, espaços onde se reuniam para oferecer seus serviços. Os cantos podiam ser nas esquinas, praças, ladeiras, ancoradouros. Ali eles se reuniam para fazer negócios, conversar e descansar. Além deles, também religiosos(as) e negros de ofício ficavam pelos 'cantos', transformando-os num quilombo urbano – territorio que dava ao negro um sentido de pertencimento.


 


 


Os negros eram temidos. Tanto por sua presença na sociedade – representavam 40% da população – quanto por sua origem – ao menos metade deles havia nascido na África. Dentre esses, havia nobres que dominavam a arte da guerra, o que os fazia mais temidos.


 


 


Não foi difícil organizar o movimento a partir dos cantos. Foram dias de muita tensão, com os comerciantes exigindo uma solução para o problema e os ganhadores sumidos. E a Greve Negra foi vitoriosa. Os ganhadores conquistaram a isenção das cobranças e se livraram da chapa no pescoço.


 


 


De Campinas,
Agildo Nogueira Jr. – com informações do texto ''A greve negra de 1857 na Bahia'', de autoria do professor João José Reis, publicado na edição n° 18 da revista da USP