Umberto Eco faz elogio a feiúra em compêndio
Em um compêndio sobre 3 mil anos de pesadelos, terrores e inquietações, o escritor Umberto Eco mostra como o feio serviu para estabelecer novos parâmetros para o belo ao longo da história
Por Edward Pimenta, para a revista B
Publicado 11/01/2008 22:44
Os pensadores nunca despenderam muita energia para falar do feio em seus tratados estéticos. Em geral, a feiúra sempre foi vista como mero oposto da beleza e, ao longo da história da fi losofi a, fi cou mais ou menos entendido que as muitas defi nições do belo, de Platão a Nietzsche, também dariam conta de seu contrário, o feio.
Daí que, por absoluta falta de teoria para consultar, alguém que pretenda contar a história universal do feio deve recorrer às ''fontes primárias'' – ou seja, a arte produzida ao longo dos séculos, um território comumente entendido como pertencente aos domínios do belo.
Foi o que fez o crítico e escritor italiano Umberto Eco em História da Feiúra, livro que dá seqüência à sua História da Beleza, publicada no Brasil há quatro anos. Entre um título e outro, há mais semelhanças que diferenças.
A edição é composta por uma rica coleção de imagens e excertos de textos literários, da Grécia antiga ao movimento punk, numa edição que, como o volume anterior, impressiona pela abrangência.
Há textos do primeiro pensador que levou a feiúra a sério, o filósofo neoplatônico Plotino (séc. 3 d.C.), passando pelo dramaturgo inglês William Shakespeare (séc. 16), chegando a escritores clássicos, como o inglês Oscar Wilde e o tcheco Franz Kafka, e populares, como o americano Stephen King.
As imagens seguem a mesma linha, incluindo relevos da antiga civilização greco- romana, gravuras medievais, pinturas do catalão Salvador Dalí e obras do francês Marcel Duchamp. São quase 500 páginas que conduzem por um caminho de 3 mil anos de sonhos intranqüilos, terrores e inquietações.
O primeiro ponto a destacar nessa história é que o conceito de feio, naturalmente, mudou ao longo dos séculos. Isso tem muito a dizer das culturas em que as diferentes idéias de beleza e feiúra dominaram. No Ocidente, o maior exemplo talvez seja a passagem do paganismo para o cristianismo.
''O mundo grego é o mundo do belo. Os deuses gregos são deuses felizes e belos, possuem atributos sensíveis. Já o Deus cristão não se determina pela beleza, pela sensibilidade, mas pela espiritualidade. E a espiritualidade não necessariamente tem de ser bela'', diz Marco Aurélio Werle, professor de filosofia da Universidade de São Paulo. Para ele, existe outro ponto de inflexão no século 19, com a abertura do conceito de razão.
Passamos a ser mais tolerantes, a aceitar mais o ''outro'', outros povos e mentalidades, relativizando mais ainda a noção de beleza, algo que se estende até os dias hoje entre os teóricos do multiculturalismo.
Fonte: revista Bravo!