O Chade, a França, Darfur e o sangue que vem do petróleo
Ao longo do dia de ontem, o governo do Chade resistiu ao segundo ataque brutal dos rebeldes à capital, N’Djamena. O primeiro havia sido no sábado. Não é a primeira vez que a ditadura do general Idriss Déby sofre um ataque. Da última, em 2006, os rebeldes
Publicado 05/02/2008 15:29
Isto talvez seja um problema.
Foi também ontem que Bernard Kouchner, o ministro das relações exteriores francês, veterano fundador da ong Médicos sem Fronteiras, se preparava para comemorar duas vitórias. O governo do Sudão enfim concordou com o envio de 26.000 soldados das Forças de Paz da ONU, os ‘capacetes azuis’, para a região de Darfur. E seu retrato esteve, domingo, na capa da prestigiosa e influente revista dominical do New York Times: Kouchner, o estadista sem fronteiras. O homem certo no local certo.
A confusão no Chade não permitirá que ele abra um único champanhe no Quay d’Orsay, seu local de trabalho. Trabalho, aliás, que começou a ficar particularmente mais complicado.
Dá para explicar compreendendo o mapa: o Chade fica logo abaixo da Líbia, cravado no centro geográfico do continente africano. A leste, fica o Sudão. A região de fronteira entre os dois países é justamente Darfur, onde acontece há alguns anos um dos maiores desastres humanitários do planeta. Lá, grupos humanitários dizem que o genocídio vem porque o governo central quer expulsar a população que vive no terreno desértico rico em petróleo. E não é à toa que os rebeldes engajados em derrubar o general Déby são financiados pelo governo do Sudão.
Afinal, como no Sudão, há petróleo no Chade naquela exata região.
A produção é recente. Em 2000, foi construído um oleoduto operado pela Exxon Mobil e financiado pelo Banco Mundial que leva combustível do Chade até o Golfo da Guiné, na costa do Atlântico, atravessando os Camarões. Era um projeto experimental e a produção do país só teve início em 2003. A contrapartida é que o dinheiro do petróleo seria depositado numa conta corrente em Londres gerenciada por uma organização independente. O Bird financiava o projeto mas o dinheiro do petróleo deveria servir ao combate à pobreza no país. Segundo dados do governo norte-americano, 80% da população está abaixo da linha da pobreza.
Em 2005, a ong Transparência Internacional declarou que o Chade é o país mais corrupto do mundo.
Déby chegou ao poder em 1990, derrubando o ditador Hissène Habré e implantando um regime de reconciliação e transição democrática. Uma constituição foi aprovada e, em 1996, Déby foi reconfirmado no poder pelo voto em eleições multipartidárias. Reelegeu-se em 2001. E, com a justificativa de que a pressão dos rebeldes era grande demais, livrou-se da constituição que impunha um limite de dois mandatos para concorrer – desta vez sozinho – em 2006. No mesmo ano, mudou as regras do jogo do oleoduto e passou a usar o dinheiro do lucro petroleiro para comprar armas. Uma típica história africana.
Este, 2006, é um ano chave. O governo francês afastou os rebeldes com seus caças, Déby rompeu relações com o Banco Mundial e o Sudão, mudou a constituição e reconheceu oficialmente a República Popular da China com quem começou de presto a negociar. Quem, afinal, precisa do Banco Mundial com um parceiro desses – os chineses sempre aparecem nestas horas.
Agora em dezembro, os dois principais grupos rebeldes se uniram. São a Mudança, Unidade e Democracia, liderada por dois jovens sobrinhos de Déby (a questão também é familiar) e o Grupo pela Democracia e Liberdade, comandada por Mahamat Nouri, que até princípios de dezembro era o ministro da defesa do Chade. Quando não estão em guerra, os dois grupos montam acampamento em Darfur, enquanto as milícias sudanesas janjaweed cometem seu genocídio no entorno.
O acordo assinado ontem pela ONU e negociado com os franceses é para enviar os capacetes azuis para esta região. O território seguro no qual teriam sede era o Chade. Mal assinado o acordo, não há mais território seguro.
O problema de Kouchner é que ele escolheu a crise humanitária em Darfur como símbolo de sua política externa. E bate na tecla da não intervenção, um forte contraste perante a doutrina Bush, como aquilo que a França oferece ao mundo. Ele já ofereceu asilo a Déby – a oferta foi recusada. A Líbia, que costuma se apresentar como mediadora entre Sudão e Chade, permanece cautelosa. Kouchner não descarta por completo o envio de tropas francesas para evitar que de um banho de sangue localizado nasça o caos em grande escala no centro da África.
É mais complicado que uma briga de etnias – embora, no Chade, também rivalidades étnicas floresçam. Naquela região, os bandidos estão disputando o petróleo. E a França, que manteve o país como colônia até 1960, não sabe o que fazer.
Se pode piorar? A resposta está no arremedo de país que atende pelo nome República da África Central. Darfur, parte do Sudão, faz fronteira com o Chade a oeste e com a República da África Central, localizada ao sul. Na avaliação da ONU, este é um estado fantasma sem nem mesmo os arremedos institucionais que podem dar face a um Estado nacional. Os rebeldes do Sudão e do Chade, que estão sempre por lá aprontando alguma, ainda não apareceram.
E não custa lembrar as qualidades daquele terreno desértico e infértil.
Fonte: Blog do Pedro Doria