Demitidos da era Collor ainda aguardam anistia

Carla Lima (Da equipe de O Imparcial)


Após quase 18 anos, funcionários demitidos durante os dois anos do governo Fernando Collor de Melo estão retornando aos cargos das empresas estatais. No Maranhão esse proce

Após quase 18 anos, funcionários demitidos durante os dois anos do governo Fernando Collor de Melo estão retornando aos cargos das empresas estatais. No Maranhão esse processo deverá demorar, pois após a Lei nº. 8878/94 – que garantia que todos os demitidos dessa época retornariam aos empregos – mais dois decretos foram publicados e entre esses havia a necessidade dos demitidos se recadastrarem, o que não aconteceu no estado. São mais de 2 mil servidores.
Em 1990, o então presidente eleito Collor de Melo lançou o Plano Collor, que entre as mais variadas medidas, previa a demissão em empresas estatais com o objetivo de enxugar a máquina pública e cassar todos os marajás do serviço público. Essa decisão rendeu desemprego para 105 mil servidores federais dos Correios, Companhia Vale do Rio Doce, Reffsa, Eletrobrás, Abin, Conab e Caixa Econômica Federal. Dos demitidos a maioria estava ligada a movimentos grevistas ou sindicais.
Em 1994, o presidente Itamar Franco aprovou no Congresso Nacional a Lei Nº. 8878/94, que anistiou todos os trabalhadores demitidos durante o Plano Collor. Segundo esta lei, os servidores devem ser reintegrados aos cargos desempenhados antes da demissão com todos os direitos institucionais sem, entretanto, direito a remuneração dos anos que ficaram desempregados.
A lei aprovada em 1994 previu a composição de comissões e subcomissões para que fossem iniciadas as discussões que resultariam em decisões e processos que garantiriam a reintegração dos anistiados. No entanto, as comissões especiais para os anistiados assim como as setoriais não funcionaram como o previsto e a lei nunca foi aplicada. Durante os oito anos do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso houve a promessa de que a lei seria promulgada, mas não foi.


Durante o governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva dois decretos foram estabelecidos. O primeiro, nº. 5.115/04, assinado pelo vice-presidente José Alencar, instituiu a Comissão Especial Interministerial (CEI), cuja função é fazer a revisão dos atos administrativos praticados pelas comissões especiais de anistiados. Em abril de 2007, o presidente Lula estabeleceu o decreto Nº. 6077/07, que previa que todos os demitidos e anistiados se recadastrassem através da CEI para que os processos previstos na Lei nº. 8878 fossem iniciados.
Na última semana de janeiro, duas portarias convocaram 204 servidores da Conab demitidos no governo Collor e anistiados pela Lei 8.878/94. Segundo o Decreto 6.077/07 com a publicação a Conab passa a ter 30 dias para notificar os anistiados que deverão se apresentar ao órgão. Após a notificação os servidores terão 30 dias para se apresentar para o retorno. O anistiado reintegrado deverá ocupar o mesmo cargo que ocupava na época de sua demissão, e o mesmo regime jurídico em que estava submetido deverá ser mantido.


MARANHÃO


No Maranhão mais de 2 mil servidores federais foram demitidos no governo Collor. Assim como os demais funcionários em todo o Brasil, tiveram que esperar os quase 18 anos. Entretanto, um fato deixa a situação dos anistiados do Maranhão mais delicada. Com o Decreto 6077/07, que convocava os anistiados para se recadastrarem, os anistiados maranhenses não foram informados desse fato pelo sindicato dos ferroviários, que acompanha o caso dos anistiados. Isso significa que, em tese, os servidores demitidos no Maranhão não poderiam mais ser reintegrados aos seus antigos cargos.
Devido a falta dessa informação sobre esse decreto de 2007, uma comissão foi formada e enviada para Brasília, no Ministério de Planejamento, para saber quais seriam as medidas possíveis a serem tomadas. No Ministério foi informado que todos os anistiados do Maranhão poderiam entrar com recurso administrativo na CEI justificando os motivos que levaram os ex-servidores não se recadastrarem.
“A coordenação estadual está convocando os anistiados para que eles apresentem os documentos (carteira de identidade, CPF, carteira de trabalho e a recisão de contrato da época da demissão) para darmos entrada ao processo administrativo na CEI”, afirmou Jorge Antônio Carvalho, um dos coordenadores.
Apesar de ter sido informado da possibilidade desse processo administrativo, Jorge Carvalho ressalta que não há garantias de que os nomes dos anistiados do Maranhão sejam recadastrados pelo Ministério do Planejamento. Caso o processo administrativo seja indeferido, a coordenação dos anistiados no Maranhão entrará com ação na justiça contra a União por danos morais.
 
A vida transtornada de quem ficou desempregado
 
São 18 anos de espera para cerca de 2 mil pessoas que pensavam poder gozar da estabilidade no emprego público. Faziam greve, após anos vividos sob a sombra da repressão da ditadura militar, contestavam os superiores e queriam sempre negociar melhores salários e condições de vida para os funcionários públicos. Com a eleição de Fernando Collor de Melo, o servidor público federal encontrou motivos para se preocupar com a estabilidade. Com o Plano Collor, mais de 100 mil pessoas foram demitidas das empresas estatais em todo o país. No Maranhão, os demitidos chegaram a casa de 2 mil pessoas. Essas demissões mudaram o rítmo de vida de várias famílias.
O IMPARCIAL encontrou duas famílias que sofreram com as demissões da era Collor. Carlos Dionísio Levy e Pedro de Oliveira Lima foram demitidos no primeiro ano do governo Collor. O primeiro entrou em depressão, o segundo preferiu continuar na luta.
CARLOS LEVY


Carlos Levy entrou na Companhia Vale do Rio Doce em 1996. Lá desenvolvia o trabalho de inspetor de segurança patrimonial. Em 1991, após uma auditoria feita na empresa, Carlos Levy recebeu o comunicado de que estava sendo demitido. “Eu não era sindicalizado e nem nada, não entendi porque me demitiram”, disse Levy.
Acostumado a uma vida confortável com finais de semana em restaurantes, filhos em escolas particulares, casa grande e confortável. Após a demissão, a casa foi vendida, os filhos tiveram que mudar de escola particular para uma pública e a vida social teve que acabar. “Entrei em desespero, não sabia o que fazer. Tentei outros empregos, mas não consegui. Acabei entrando em depressão, principalmente quando amigos me viraram as costas”, relembra Carlos Levy.
Hoje, Levy mora em uma casa modesta com a esposa, que é professora do ensino público do estado, e recebe ajuda financeira da filha, que é delegada da polícia civil. Apesar dos anos de depressão, Carlos Levy ainda tem esperança de voltar ao emprego. “Como estamos em um universo muito pequeno, acredito que o governo federal vai olhar por nós. Estou bastante otimista”, garantiu.


PEDRO CARECA


Pedro de Oliveira Lima, ex-funcionário dos Correios, não pode mais esperar pelo retorno ao emprego. Em 1999, Pedro Careca, como era conhecido faleceu de infarto. De acordo com a esposa, Marise Lima, quando foi demitido dos Correios, Pedro não se abateu e decidiu continuar a luta, que vinha travando a frente do sindicato dos Correios. Ao contrário de Carlos Levy, Pedro Careca era sindicalista e organizou uma grande greve após o início do governo de Collor.
Como era filiado ao PCdoB, Pedro prestava alguns serviços para o partido e assim conseguiu garantir a sobrevivência da família. “Tínhamos três filhos, sendo que o nosso caçula tinha acabado de nascer quando ele foi demitido. Foi um tempo muito difícil”, disse Marise Lima.
Em 1996, Pedro Lima conseguiu passar no concurso da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e também foi eleito vereador de Paço do Lumiar, onde residia. Em 1999, Pedro Careca sofreu um ataque cardíaco fulminante e faleceu. “Agora a lei não serve mais para Pedro, mas mesmo assim procurei o sindicato dos Correios para ver se, juridicamente, tenho algum direito”, afirmou Marise Lima. Ela aguarda a resposta da consulta ao sindicato.