Geraldo Amâncio, uma viola brasileira em Mallorca

Aos 62 anos, 45 dedicados à cantoria e ao cordel, Geraldo Amâncio embarca hoje para participar da X Mostra Internacional de Improvisadores de Mallorca, como único repentista convidado O repentista e cordelista destaca o interesse do público europeu pel

“Eu vou pedir a Jesus


Pra ver se ele me acompanha


Agora a nossa cultura


Vai ser vista em terra estranha


E eu espero não ser preso 


Ao chegar lá na Espanha.”


 


 


Os versos em sete sílabas, conforme a cartilha dos modos, vêm em tom de brincadeira, a pedido do repórter. Que, por favor, nenhuma autoridade de imigração, de lá ou de cá, ache de acrescentar mais esta estrofe ao cabedal de desacertos que vêm vitimando, de parte a parte, visitantes brasileiros e espanhóis nos últimos tempos. Afinal, quem está de malas prontas para aportar no país ibérico é um cantador de coisas tantas, que não cabem nas fronteiras esquadrinhadas nos mapas, mesmo lado a lado apartadas por oceanos de distância.


 


Assim é Geraldo Amâncio, 45 anos de arte entre a pena e a viola, o repente e a poesia, as pelejas nos festivais Brasil afora e o desafio de levar a poesia popular à televisão embebida de outras narrativas. E ao outro lado do mar, em sua terceira investida poética na Europa. Em 1995, o convite veio do Museu Nacional de Etimologia, em Lisboa, para um encontro de representantes de países de língua portuguesa. ´Fomos os primeiros repentistas a atravessar o Atlântico, o Pedro Bandeira e eu´, conta Geraldo, entusiasmado com a cantoria em Mallorca, a maior das Ilhas Baleares espanholas e a mais movimentada pelo turismo.


 


Em 2006, o bardo cearense ministrou um curso sobre cantoria e cordel, ao longo de 13 dias, na Universidade de Coimbra. ´Nessa palestra lá me surpreendeu o quanto eles conhecem a nossas cultura, mil vezes mais que muita gente aqui. Falei lá pra pessoas da Irlanda do Norte, da França, Inglaterra, Portugal, Alemanha, e eles me fizeram perguntas sobre cordel e cantoria que nenhum universitário aqui tem esse conhecimento´, recorda, sem concessões. ´Se você perguntar a qualquer universitário ou aluno do ensino médio de Fortaleza, não tem um que saiba o nome de pelo menos cinco poetas cearenses. Mas sabem 50 artistas de novela´, provoca. ´Fiz esse questionamento inclusive em encontros de professores, mas eles só ficam calados´.


 


Repente na ilha


Agora, a Espanha é o destino, na concretização de um convite pendente desde o ano passado. ´É a segunda vez que sou convidado pra ir. Ano passado não deu certo, por outros compromissos, mas agora vamos ter essa alegria de representar o Ceará e o Brasil, como único repentista convidado´, celebra Geraldo Amâncio, que se apresenta com sua viola nas quatro noites do festival, desta quinta-feira até domingo, levando sua métrica às cidades de Manacor, Capdepera, Campos e Alcudia.


 


´É um dos mais importantes festivais dessa área em todo o mundo, com participação de improvisadores, glosadores, regueifeiros, payadores. E nosso repente´, ressalta o produtor cultural, músico e um dos diretores do Festival de Trovadores e Repentistas no Ceará, Chico Sales, que acompanha Geraldo na viagem. ´Por ali já passaram os ´guzlari´ da Croácia, os ´improvisatori´ da Itália, de Malta e da Sicília, os ´pueti´ da Córsega, os improvisadores de Portugal, entre vários outros´.


 


A longa lista prova a diversidade do encontro que, além dos artistas, atrai pesquisadores reunidos em debates sobre essa comunhão de saberes, da qual Geraldo Amâncio partilha por aqui. ´A métrica da América Latina, por exemplo, é a mesma nossa. Se você ouvir um colombiano, venezuelano, peruano, a métrica é a nossa. É uma coisa universal, sem combinar´.


 


Festivais: cantoria lá e cá


O convite para que o repentista e cordelista nascido no Cedro levasse seus motes e modos à X Mostra Internacional de Improvisadores de Maiorca surgiu em decorrência do Festival Internacional de Trovadores e Repentistas, até o ano passado realizado nas cidades cearenses de Quixadá, Quixeramobim e Senador Pompeu. E que este ano deverá ser promovido no segundo semestre, em data ainda a confirmar, somente em Quixadá. A ponte entre o cearense e os organizadores do evento espanhol, realizado pela Asociación Canonge de Santa Cirga, foi o repentista argentino Gustavo Guichón, com quem Geraldo Amâncio deverá dividir o palco em algumas das apresentações desta semana. ´Ele mandou dizer que nós vamos abalar a Europa com a poesia da América Latina´, ri-se Geraldo.


 


´Vamos aproveitar também pra ter contato com artistas de outros países e ver a viabilidade da vinda desse pessoal para o festival aqui este ano´, adianta o repentista, dizendo-se ´muito honrado´ em ter dado continuidade à organização do evento no Sertão Central cearense, idealizado pelo cineasta e produtor cultural Rosemberg Cariry. Geraldo, que conta com apoio da TV Diário para a viagem, aproveitará para fazer matérias para seu programa ´Ao Som da Viola´, há cinco anos no ar todos os domingos, às 10h30 da manhã. ´Posso me orgulhar de ser pioneiro em botar a viola na televisão. Faço isso há 15 anos, e continuo fazendo sozinho – infelizmente, porque seria melhor que houvesse muito mais programas´, comenta o vencedor de mais de 150 festivais de repente Brasil afora e autor de duas antologias de cantadores, além de numerosos CDs e cordéis. Os mais recentes, ´A história de Antônio Conselheiro e a Chacina do Povo de Canudos´ (´Um trabalho polêmico, mas, segundo a crítica, o melhor que fiz até hoje´), e ´100 Dúvidas de Português, Cem Estrofes que Orientam, Sem Ser Dono da Verdade´.


 


´Esses festivais competitivos, que eu saiba, é só aqui no Brasil. Lá fora, são uma oportunidade de diálogo. Nesse agora na Espanha devem sair mais sextilhas, galope a beira-mar, verso solto em dez´, aposta. Motes não hão de faltar.


 


 


De Fortaleza,


Dalwton Moura