Chávez e a eleição de 2008: “Não temos direito ao fracasso”
Caracas, domingo, 13 de abril de 2008, 6º aniversário da derrota da tentativa de golpe contra Hugo Chávez. Uma multidão incalculável se espalha pelas ruas do centro. Boa parte marchou até ali, em três grandes passeatas, desde as 10 da manhã. Outros usa
Publicado 14/04/2008 18:33
Até um minuto antes, silêncio era o que menos havia. Em cada uma das mesmas esquinas, havia um palco e um sistema de som – 70 no total –, abrigando uma banda. Predominava a música caribenha, salsas e rumbas, bailantes e envolventes. E o povo dançava nas ruas esses primos do samba brasileiro, mas com requebros que vêm menos dos pés e mais dos quadris.
A multidão chegou no topo quando Chávez iniciou seu discurso. Eram algumas centenas de milhares, talvez um milhão de pessoas, para festejar a vitória do “povo soberano” sobre os golpistas que 11 de abril, que prenderam o presidente, fecharam o Parlamento e suspenderam a Constituição nas 47 horas em que estiveram no comando do país.
Os heróis da Juventude Comunista
Era uma concentração daquilo que os brasileiros chamam povão: pais e filhos, avós e netos, sozinhos ou em pequenos ou grandes grupos, bonitos, feios, ou apenas gente. Há bonés e camisetas de incontáveis tipos, embora todos vermelhos. Um dos lemas mais populares é “Todo 11 tem o seu 13”. Outro defende as “200 fábricas socialistas” de setores recentemente estatizados, como os do cimento e da siderurgia.
Outros emblemas são de componentes da coalizão chavista. Há muitos do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), o novo partido do presidente, fundado este ano. Outros são do PCV (Partido Comunista). Uma coluna do Abrebrecha, o palpitante jornal mural da JCV (Juventude Comunista), corta a multidão e se distribui por locais estratégicos bem diante do palanque principal: leva bandeiras com coloridos retratos de seus heróis, Chávez, claro, Bolívar, Che Guevara, Emiliano Zapata e uma dúzia de outros, passados e presentes.
As 2 versões venezuelanas do “Lula lá”
Dois brasileiros que vieram a Caracas para a Conferência do Conselho Mundial da Paz – a carioca Márcia Silva e o paulista Denis Veiga – terminaram convidados a ocupar o microfone de um dos 70 palcos. Discursaram sobre as semelhanças e diferenças entre o Brasil de Lula e a Venezuela de Chávez, entre palmas entusiasmadas.
Mais tarde, quando estava indo embora, ouvi outra menção interessante sobre o Brasil. veio de uma senhora, loura, de óculos escuros e camisa vermelha, aparentemente uma dona-de-casa que escutou o comício sentada na escadaria de um prédio: “Gostamos do Brasil. Gostamos porque Lula mandou o petróleo para nós quando não tínhamos nem uma gota”, conta ela. … uma alusão a um episódio em que os golpistas sabotaram a produção petroleira venezuelana; o país que possui maiores reservas de óleo no mundo ficou à beira do colapso por falta de combustíveis e Lula enviou um petroleiro em seu auxílio. Isso aconteceu há cinco anos, mas a dona-de-casa da escada não esqueceu.
De repente, um grandalhão que passa por mim põe-se a assoviar, a plenos pulmões, uma melodia que para a minha surpresa é a do “Lula lá”, da campanha presidencial brasileira de 1989 e das que se seguiram desde então. Vou atrás do grandalhão e pergunto-lhe que música é aquela. “… o 'Voltou, voltou'”, responde ele, intrigado por ver que não sei uma coisa tão elementar. Uma senhora ao lado, percebendo que sou estrangeiro, explica que a melodia foi introduzida pela oposição golpista, com a letra “Se vá, se vá” (“Vai embora”), mas após o 13 de abril foi apropriada, com novo conteúdo, pelo povo pró-Chávez.
Recordações do golpe de abril
O discurso de Chávez tem como âncora os tumultuosos acontecimentos de abril, “aquelas horas de se escrever história”. Copioso como de costume, lança mão de exemplos da história venezuelana e mundial, conta casos, faz análises, canta, cita livros. Mas o resultado funciona. Basta ver os semblantes e a linguagem corporal das pessoas.
“Ainda não avaliamos as conseqüências, o impacto do que aconteceu aqui, em um dia como este, há seis anos”, comenta o orador. E lê uma frase de uma carta de Fidel Castro, do ano seguinte ao golpe: “Se a Venezuela se perdesse os EUA teriam tomado conta do resto da América Latina”.
Em seguida, relata o momento em que ele esteve preso pelos golpistas, numa ilha venezuelana do Mar do Caribe. Denuncia a visita do cardeal de Caracas, que lhe pediu que fizesse “um gesto pela pátria” e assinasse a sua renúncia. Prognostica que o cardeal pró-golpe ainda “estará ardendo no inferno”. Conta também como, no final, foi surpreendido pela chegada de um helicóptero militar encarregado de conduzi-lo: “Aonde me levam?”; “A Miraflores (o palácio presidencial)”; e completa: “Aí me deu uma vontade de chorar; e chorei”.
O imposto que Stiglitz sugeriu
Chávez defende um novo imposto, que tramita na Assembléia Nacional: o “imposto sobre o lucro súbito”, já que o preço do petróleo subiu muito e esses benefícios ficam concentrados nas companhias petroleiras. Pressiona para que a aprovação não tarde, pois “a cada semana isso custa US$ 200 milhões”. Conta que o primeiro a sugerir o imposto foi o norte-americano de Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de economia e “amigo nosso”.
Anuncia uma nova missão da Revolução Bolivariana, a “Missão 13 de Abril”, com duas partes. A primeira é atacar problemas urgentes do povo, como o saneamento básico. A segunda, mais difícil, é a “afirmação da consciência socialista”, é “ir semeando o socialismo”, “a plena existência humana de que falava Carlos Marx”, com “a criação das comunas socialistas”.
A próxima eleição e o “direito de fracassar”
Hugo Chávez usa termos duros quando fala dos “erros do governo na hora de atender aos interesses do povo, a ineficiência do governo, as montanhas de lixo que se acumulam em Caracas”. Também expõe, como uma advertência, as lições da “derrota de 2 de dezembro”, referindo-se ao referendo do fim do ano passado, onde uma reforma constitucional socializante deixou de ser aprovada por uma diferença de 0,7% dos votos. “Não podemos fracassar. Não temos direito ao fracasso”, afirma.
A advertência se refere ao próximo teste da Revolução Bolivariana nas urnas, em novembro próximo, quando haverá eleições para governador e prefeito (é impressionante quantas eleições acontecem na Venezuela do presidente que alguns chamam de ditatorial ou autoritário). Chávez sublinha que as candidaturas do PSUV e do seu campo só devem ser lançadas mais tarde, depois de aprovadas, e chega a pedir que se expulse do partidos aqueles que avançarem o sinal.