Fidel Castro recorda heroísmo de angolanos e cubanos

O líder da Revolução, Fidel Castro, recordou o heroísmo de combatentes angolanos e cubanos na batalha de Cangamba, em 1983, onde lutaram sem descanso privados de água e alimentos com um saldo de 78 mortos e 204 feridos.

Na primeira parte de um artigo titulado ''A verdade em batalha e o livro de Martín Blandino'', especial para a publicação digital Cubadebate, Fidel Castro destaca que ''Os que caíram em Cangamba não morreram em vão!''.



''Era o mesmo propósito que inspirava minha mensagem, em 12 de agosto de 1983, ao Chefe da Missão Militar cubana em Angola'', assinala.



''Ao amanhecer, o inimigo havia se retirado do campo de batalha, onde o número de seus efetivos ascendia a mais de 3 mil homens armados e assessorados pelos racistas sul-africanos, que desde 2 de agosto vinham atacando dia e noite as trincheiras, ocupadas por ao redor de 600 angolanos da 32.ª brigada FAPLA e 84 internacionalistas cubanos, mais um reforço de 102 homens enviados da região militar de Luena'', aponta.



''Lutavam ali sem descanso angolanos e cubanos privados de água e alimentos, tendo sofrido 78 baixas mortais e 204 feridos, deles 18 mortos e 27 feridos eram cubanos. Ao iniciar a retirada, os atacantes perderam quase todas suas armas e munições e sofreram grandes baixas. As duas melhores brigadas da UNITA foram colocadas fora de combate'', indica o líder cubano.



Leia a seguir a íntegra do texto, reproduzido do site da Agência Prensa Latina




Reflexões do companheiro Fidel:



A VERDADE EM BATALHA E O LIVRO DE MARTÍN BLANDINO (Primeira Parte)



Especial para Cubadebate



Toda a imprensa internacional fala do furacão econômico que atinge ao mundo. Muitos o apresentam como um fenômeno novo. Para nós não é novo, estava previsto. Prefiro abordar hoje outro tema atual de grande interesse também para nosso povo.



Quando escrevi a reflexão sobre Cangamba, não conhecia o magnífico livro do jornalista e investigador cujos sobrenomes coloco no título desta que agora publico; havia somente visto o filme Cangamba, que tão emotivas lembranças despertou em mim. Uma e outra vez recordava a frase: Os que caíram em Cangamba não morreram em vão!



Era o mesmo propósito que inspirava a minha mensagem, em 12 de agosto de 1983, ao Chefe da Missão Militar cubana em Angola.



Ao amanhecer, o inimigo havia se retirado do campo de batalha, onde o número de seus efetivos ascendia a mais de 3 mil homens armados e assessorados pelos racistas sul-africanos, que desde 2 de agosto vinham atacando dia e noite as trincheiras, ocupadas por ao redor de 600 angolanos da 32 brigada FAPLA e 84 internacionalistas cubanos, mais um reforço de 102 homens enviados da região militar de Luena. Lutavam ali sem descanso angolanos e cubanos privados de água e alimentos, tendo sofrido 78 baixas mortais e 204 feridos, deles 18 mortos e 27 feridos eram cubanos. Ao iniciar a retirada, os atacantes perderam quase todas suas armas e munições e sofreram grandes baixas. As duas melhores brigadas da UNITA foram colocadas fora de combate.



O livro de Jorge Martín Blandino foi publicado em 2007, quando por razões de saúde eu não estava já na linha de frente. Foi fruto de uma longa pesquisa e de conversas com muitos dos que foram protagonistas dos fatos, bem como da consulta de 34 livros que abordam o tema, alguns deles escritos por ''oficiais sul-africanos da época do apartheid'' ou pessoas que, enganadas, foram colaboradoras da UNITA.



Num dos mais interessantes capítulos se afirma:



''Essa noite, quando o relógio marca as 14:00 horas em Havana e as 19:00 em Luanda, conversa-se uma vez mais com a Missão Militar de Cuba em Angola. Concluído o intercâmbio por via telefônica, de imediato envia-se a mensagem que dá forma legal às indicações dadas, que reafirmam a decisão tomada anteriormente: evacuar de maneira urgente a todos os cubanos de Cangamba; tratar de convencer aos angolanos de que fizessem o mesmo; manter a exploração nos acessos ao povoado e prestar atenção aos movimentos de tropas do inimigo na província de Moxico.



''…Em Luanda, às 9:00 horas, apresentam-se a uma reunião com o presidente José Eduardo dos Santos o embaixador cubano Puente Ferro e o chefe do Estado Maior da Missão Militar cubana em Angola, coronel Amels Escalante. Para surpresa dos dois cubanos, ali está também o chefe da Missão Militar soviética, general Konstantín. Imediatamente depois chegam o Ministro de Defesa de Angola e o coronel N’Dalu, chefe do Estado Maior General das FAPLA.



''Primeiro entra ao escritório presidencial o embaixador, e faz entrega oficial da mensagem enviada a Dos Santos pelo Comandante em Chefe. Posteriormente, entra o coronel Escalante e explica em detalhes a apreciação realizada pela máxima direção cubana com respeito a situação atual no plano militar, que fundamenta a decisão de evacuar aos internacionalistas de Cangamba, a proposta de fazer o mesmo de imediato com os combatentes das FAPLA e deter a operação em andamento na província de Moxico.



''O Presidente expressa seu acordo com Fidel, e indica que deixem entrar ao general Konstantín. O chefe da Missão Militar soviética solicita a palavra e emite uma opinião que causa surpresa e também desgosto entre os cubanos. Propõe que, como política, talvez pudesse aceitar a idéia, mas como militar não está de acordo com deter a operação, pois, na sua opinião, estão criadas as condições para chegar a vitória, por exemplo, com a introdução em combate de mais forças, incluída a brigada de desembarque e assalto que acaba de chegar de Cuba.''



''O coronel Amels Escalante lhe recorda as muitas dificuldades surgidas com os fornecimentos durante os difíceis dias do ataque inimigo à aldeia. O militar soviético apela a recente chegada de um avião IL 76, carregado de mísseis C 5, ao que o cubano responde recordando-lhe que antes teve que trazê-los de Cuba, pois no momento necessário não se pode contar com eles. Diante do tom que toma a reunião, Dos Santos opta por dá-la por encerrada e postergar a tomada de uma decisão definitiva.



''Poucas horas depois, ao meio dia, o general Konstantín apresenta-se na chefatura da Missão Militar cubana. Pede desculpas pela forma em que havia expressado suas opiniões na reunião com o Presidente e reconhece que antes de emitir uma opinião como essa, deveria estudar profundamente a situação criada.''



A explicação do historiador é claríssima. A embaraçosa situação estava criada e era realmente séria por seus envolvimentos em qualquer sentido. Tudo estava em risco, e se fez necessária uma forte dose de firmeza e sangue frio por parte do comando cubano.



No próprio livro, tomando diferentes momentos do mesmo, vai-se explicando a essência:



''Coronel N’Dalu:



''Não há unidade de pensamento e quando existe esse problema uns têm uma idéia e outros… Se dá grande importância ao falar de ‘soberania’, mas é difícil ter tanto território, não temos tropas suficientes. Não é somente Cangamba, há muitas posições em que na realidade estamos ali para dizer que estamos, mas estrategicamente não têm importância. Podemos esperar para mais tarde fazer outras ofensivas. Discutimos entre nós no Estado Maior, com o Ministro de Defesa, e não há unidade de critérios. Por isso, em determinado momento algumas decisões demoram porque há que convencer as pessoas, já que se uma unidade se retira e acontece algo, os outros dizem: ‘Ocorreu por culpa dos que pediram a retirada’; se fica e acontece algo: os culpados são os que disseram que as tropas deveriam ser mantidas’. Realmente nós devemos defender as áreas mais povoadas, de maior interesse econômico e social, e deixar para mais tarde os territórios que, estando ali a UNITA ou nós, a balança não muda. Eles dizem que controlam, mas na realidade não estão ali, o que sim sabem é que nós também não estamos.''



O autor resenha os documentos oficiais do MINFAR:



''O Comandante em Chefe, após meditar um breve tempo, indica transmitir ao chefe da Missão Militar cubana os seguintes argumentos. Pergunta-se que sentido tem agora permanecer em Cangamba. Ficou demonstrado que o número de helicópteros e aviões de combate e transporte existentes em Angola, assim como as garantias disponíveis para estes, são insuficientes para garantir o apoio a uma operação de grande envergadura a uma enorme distância das bases aéreas na que se encontra a pequena aldeia. Mais complexo ainda é, como se viu na prática, garantir o avanço por terra de tropas de reforço, também localizadas a centenas de quilômetros que devem ser percorridos por caminhos intransitáveis e infestados de inimigos. Se extraordinariamente difícil foi deslocar os destacamentos blindados na temporada de seca, não se pode nem sonhar com um movimento de tal magnitude na época de chuvas que já se aproxima.



''Obteve-se um grande sucesso, e não seria racional aspirar a mais neste momento… Medita sobre os dias amargos passados durante o cerco e perigo de aniquilamento do pequeno grupo de internacionalistas, e alerta sobre a necessidade de serem realistas e não se deixar arrastar pela euforia que sempre acompanha ao triunfo: ‘Não podemos deixar que a vitória se converta num revés’.



''O chefe da Missão Militar cubana mostra seu acordo, e decide pela rápida evacuação dos internacionalistas cubanos destacados em Cangamba. Imediatamente, o Comandante em Chefe redige uma mensagem pessoal dirigida ao presidente de Angola, José Eduardo dos Santos'' (o impugnado pelo general Konstantín), ''na que, a partir dos mesmos argumentos compartilhados com o general da divisão Cintra Frias, propõe a necessidade de que as FAPLA também evacuem as aldeias de Cangamba e Tempué, já que é urgente fortalecer a defesa de Luena, Lucusse e Kuito Bie. Diante da realidade existente, comunica-lhe a decisão de retirar todos os cubanos de Cangamba num breve prazo. Também lhe sugere postergar até a próxima temporada de seca qualquer ação ofensiva na região de Moxico, e concentrar pelo momento os esforços na luta contra o inimigo no imenso território que separa a cidade de Luanda da linha que defendem as tropas internacionalistas cubanas no sul do país, zona que a UNITA considera sua segunda frente estratégica.



''Ao mesmo tempo, o coronel Amels Escalante comunica ao chefe do Estado Maior Geral das FAPLA e ao chefe da Missão Militar soviética em Angola, a decisão do Comandante em Chefe de deter a operação que as tropas internacionalistas cubanas desenvolvem,diante das dificuldades com o deslocamento das colunas, os problemas de garantia, sobretudo para a aviação, e a proximidade da temporada de chuvas. Pouco depois o embaixador Puente Ferro e o coronel Escalante reúnem-se com o Ministro de Defesa para transmitir-lhe a mesma informação.''



O coronel Amels Escalante tinha esperança de que o coronel N’Dalu, chefe do Estado Maior das FAPLA, compreendesse a necessidade de se retirar de Cangamba.



O general do exército angolano Kundi Payhama, combatente angolano de excepcionais méritos, contou-lhe ao autor: ''Havia irmandade, havia fraternidade, e tudo o que se fazia aqui, fazia-se com um sentido diferente. A amizade, o carinho, o sacrifício, a entrega dos companheiros cubanos ao deixar aqui seu suor, seu sangue, não tem preço. Que se diga que somos irmãos de fato e eternamente. Não há nada, nada neste mundo que justifique que algo se meta no meio da amizade entre Angola e Cuba.''



Prossegue no Granma de segunda-feira.



Fidel Castro Ruz, Havana, 9 de outubro de 2008, 17h46