Entrevista revela importante gaúcho da Guerrilha do Araguaia
Leia entrevista realizada pelo historiador Augusto Buonicore com Deusa Maria de Sousa. Ela é a autora do texto biográfico do guerrilheiro José Huberto Bronca. Na verdade, este faz parte de um trabalho mais alentado sobre a vida dos quatro guerrilheir
Publicado 23/10/2008 17:58
Este fato indica que podemos esperar para breve novas e edificantes histórias da trajetória de outros guerrilheiros gaúchos, como o médico João Haas Sobrinho, o economista Paulo Mendes Rodrigues e o líder estudantil Cilon Cunha Brun.
A dissertação de Deusa Maria foi publicada pela Editora Expressão Popular no novo pacote de biografias de sua coleção Viva o povo brasileiro. Esta foi uma das maiores sacadas editoriais dos últimos anos. O objetivo é oferecer, a preços módicos, a história de pessoas que, de alguma forma, contribuíram para emancipação de nosso povo. Entre os novos títulos se encontram João Cândido, Guimarães Rosa, Henfil, Manoel Bomfim, Patativa do Assaré e Huberto Bronca.
Como surgiu a idéia de escrever sobre os gaúchos que participaram da Guerrilha do Araguaia?
Deusa Maria: Ela surgiu logo após o início do meu curso de mestrado em História, em 2004. Eu havia pensado, inicialmente, em um projeto que vislumbrasse as concepções doutrinárias daqueles que dizimaram os combatentes do Araguaia. Porém senti o interesse existente acerca da trajetória dos quatro gaúchos desaparecidos no conflito do Araguaia. Foi um chamado para meu papel como historiadora, escrever a história de nosso tempo…
Quais foram as dificuldades encontradas para realizar um projeto como este? Sem poder contar com os documentos oficiais não liberados, quais fontes você utilizou para reconstituir a trajetória dos guerrilheiros mortos na guerrilha?
Deusa Maria: Essa foi a primeira e a maior dificuldade que se apresentou ainda no processo de seleção para o ingresso no mestrado. Recordo-me quando um membro da banca avaliadora afirmou-me que dificilmente eu conseguiria desenvolver meu trabalho dado às dificuldades de acesso à documentação oficial que versavam sobre o tema. Eu nunca me esquecerei desse dia! Eu vinha animada da graduação, e queria fazer um trabalho significativo sobre o Araguaia e nada me desviaria daquele objetivo.
Foi então que decidi buscar documentos que possuíam o mesmo valor histórico e que me possibilitasse recontar a trajetória daqueles guerrilheiros, ou seja, me utilizei dos relatos orais e escritos. Localizei seus amigos, colegas de trabalho e de infância. Pesquisei em fontes primárias (muitas vezes esquecidas pelos pesquisadores), como diários de classe, registros de locais de trabalho, cartas de amigos e, principalmente, acervos dos familiares que viabilizaram a composição do mosaico sobre eles, desde a infância até o seu ingresso na Guerrilha do Araguaia. Foi um trabalho árduo e difícil, porém gratificante!
Um das particularidades da vida de José Huberto Bronca é o fato de ele ter sido operário. Foram raros os guerrilheiros pertencentes a esta classe social. Fale um pouco da vida do operário Bronca em Porto Alegre.
Deusa Maria: Apesar de oriundo de uma família de classe média, Bronca demonstrava especial interesse pelas máquinas e, inclusive, estudou em uma escola técnica. Certamente, após o seu engajamento no Partido Comunista, ainda na década de 50, era na vida cotidiana de operário porto-alegrense que parecia estar mais à vontade. Alguns depoentes me relataram a facilidade que ele tinha em se entrosar com os demais colegas e de se tornar, rapidamente, num representante da categoria. Além de bom orador, ele era um articulador político. Astuto com os patrões e, ao mesmo tempo, um operário muito qualificado nas funções que exerceu.
Na sua pesquisa você deparou com uma tentativa de aproximação entre o PCdoB e Brizola logo após o golpe de 1964. Este é um fato pouco conhecido. Quais os resultados desse encontro?
Deusa Maria: Na realidade foi uma surpresa para mim também, pois não tinha conhecimento que tal encontro pudesse ter ocorrido. Sempre que ia entrevistar militantes antigos esse fato aparecia nas narrativas. Inclusive, a irmã do Bronca me mostrou uma lembrança que ele teria recebido de Brizola numa visita que fizera no exílio uruguaio. Esta relação é mais um daqueles mistérios que cabe ao historiador pesquisar…
Como foi o processo de ida de Bronca para a região do Araguaia?
Deusa Maria: O processo iniciou-se ainda no período de clandestinidade em Porto Alegre, em abril de 1966; ou seja, mais de dois anos antes dos registros de sua chegada à região do Araguaia. Depois ele foi viver na baixada fluminense em condições muito simples. Sabe-se pouco sobre sua vida neste período – e quem sabe não quer falar! Creio que chegar numa região onde pôde gozar da liberdade de transitar, falar e de se relacionar deve ter sido a redenção para ele. Ele deve ter encarado o Araguaia, naquele momento, com uma alegria imensa!
Fale-nos um pouco da atuação de Bronca na guerrilha e as condições de sua trágica morte?
Deusa Maria: A atuação dele foi muito importante, graças principalmente ao seu exímio conhecimento de montar e desmontar equipamentos. Era conhecido entre seus companheiros como armeiro. Foi responsável pela fabricação e adaptação de várias das armas utilizadas pelos guerrilheiros. Trabalhou também em uma pequena farmácia montada pelos guerrilheiros dentro da mata. Depois ocupou posto de comando até o final da Guerrilha. Sabe-se, segundo relato de moradores, que foi aprisionado com vida pelas forças armadas. Mas, nunca se soube de seu paradeiro nem se teve notícias de onde estariam os seus restos mortais.
Qual a importância de conhecer a saga dos guerrilheiros do Araguaia para as novas gerações de militantes das lutas sociais?
Deusa Maria: Penso que a importância de conhecer a história da Guerrilha do Araguaia seja semelhante a que temos em conhecer qualquer parte da história de nosso país. Acho que para as novas gerações deve ser garantido o direito de saber que homens e mulheres foram movidos por sonhos e que por eles deram a vida. Acredito que o conhecimento destes fatos fará com que as novas gerações tirem lições e reflitam sobre aqueles tempos sombrios, no qual protestar contra o poder oficial poderia significar uma sentença de morte. Que a liberdade que temos de poder fazer isso hoje, ou de nada fazer, passou pela ação corajosa daquelas pessoas e pelas vidas que foram ceifadas. Essas experiências devem ser pensadas à luz de seu tempo e não em função de seus possíveis erros ou acertos.