Cearenses publicam quadrinhos sobre a Revolta da Chibata

Revolta da Chibata é tema de graphic novel da dupla cearense Hemetério e Olinto Gadelha. O álbum sai pela conceituada Conrad Editora.

Não é exagerado falar na existência de um descompasso entre a qualidade dos produtores de quadrinhos (roteiristas, desenhistas, arte-finalistas, etc) do Ceará e o que estes conseguem publicar e distribuir de forma não-artesanal. Zines, revistas de vida-curta ou de periodicidade irregular, uns pouquíssimos álbuns e alguma publicação perdida que ganha abrigo em páginas d’além dos limites do Estado representam os maiores canais de escoamento para esta produção.


 


Por conta desta situação, “Chibata! – João Cândido e a revolta que abalou o Brasil”, álbum da dupla Hemetério e Olinto Gadelha, já merece atenção especial. Trata-se de uma graphic novel (“romance em quadrinhos”) que funde episódios históricos e elementos ficcionais, para reconstituir o episódio histórico da Revolta Chibata (1910), no qual os marinheiros do navio Minas Gerais se rebelaram contra os castigos físicos, punição então regularizada na Marinha do Brasil. A HQ chega às livrarias e comic shops um ano após ser anunciada pela editora Conrad.


 


A casa paulistana deu abrigo ao projeto da dupla de cearenses, saindo com um robusto e bem acabado volume de 224 páginas. Além da garantia de boa distribuição (a editora disponibiliza seu material em lojas especializadas em HQs, livrarias e bancas de revista), “Chibata!” ganha com a marca da Conrad. À princípio uma pequena editora, a Conrad é dona de um dos melhores catálogos do segmentos de quadrinhos. Ficou famosa ao trazer pérolas estrangeiras, como clássicos e novidades do underground norte-americano, álbuns europeus e orientais, mangás e material nacional de boa qualidade.


 



Liberdade e entraves



“Ainda mais infeliz do que não termos mais artistas publicados nacionalmente, é o fato de que muitos artistas cearenses parecem estar satisfeitos com isso. Essa insularidade é mortal. É preciso expandir fronteiras. Não adianta ser ‘o bom’, sempre para um mesmo círculo de amigos. Deve-se publicar, expor, participar, sempre”, opina Olinto Gadelha, escritor e designer, responsável pelo roteiro da HQ.


 


“Chibata!”, contam seus autores, surgiu quase por acaso. O desenhista Hemetério havia encaminhado à editora um trabalho anterior – o livro de ilustrações “Garatujas”, cuja primeira edição ficou a cargo da dupla. A idéia de ver uma segunda edição do volume ser publicada pela editora não foi longe, mas, de lá, veio uma outra proposta. “Eles adoraram o trabalho, e ao invés de acatar a proposta de reedição, ofereceram a nós a publicação de um livro novo, em quadrinhos”, relembra Olinto Gadelha.


 


“Dos temas apresentados pela editora, a Revolta da Chibata foi o que mais nos interessou, pois a causa da liberdade sempre rende boas tramas”, conta o desenhista Hemetério. “Aliás, para nós, desenhistas e escritores, nada mais importante que a liberdade. Liberdade essa que usufruímos à vontade, pois a Conrad, uma vez acertado o tema, não interferiu de forma alguma”, completa.


 



A ficção faz a história



Pensar “Chibata!” apenas como uma conquista dos quadrinhos produzidos no Ceará seria cair no provincianismo. Pior ainda seria ter, por efeito colateral, a terrível ocultação das qualidades da obra.


 


O enredo arquitetada por Gadelha mistura eventos históricos com episódios fictícios. É a arte de romancista convocada para preencher lacunas que se perderam no tempo e conferir significado ao conjunto heterogêneo de fatos.


 


“Seria impossível realizar esse roteiro sem a Biblioteca Pública Menezes Pimentel”, comenta o roteirista, fazendo referência a pesquisa exigida, que incluiu uma viagem para conhecer a geografia carioca. Boa parte do trabalho, percebe-se, serviu para construir uma psicologia e uma ética para o personagem central, o líder dos marujos, o negro João Cândido. “Um personagem assim épico não surge repentinamente como herói. É preciso entendê-lo, dar sentido a sua vida e sua luta, saber de onde vêm suas motivações e como surgiu seu instinto para a liderança”, explica Olinto.


 


O desenho de Hemetério chama a atenção por cruzar uma série de referências, na condição de um híbrido da tradição do cartum, dos mangás e das HQs independentes.