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Presidente do Masp é desconhecido no meio e réu na Justiça

Depois de uma assembléia geral que durou uma hora, os associados do Masp (Museu de Arte de São Paulo) aclamaram o nome do advogado e colecionador João da Cruz Vicente de Azevedo. Aos 83 anos, o novo presidente do museu vai suceder o arquiteto Julio Neves,

Associados e conselheiros do museu ouvidos pela Folha de S.Paulo, sob a condição de que seus nomes não fossem citados, garantem: o novo dirigente é ligado a Neves. Portanto, não deve haver ruptura alguma em relação à nefasta presidência anterior. Só que há muito mais ressalvas contra a eleição de João da Cruz Vicente de Azevedo.


 


O Ministério Público do Estado acusa a diretoria do museu por má gestão e pede o afastamento de seus integrantes. Nesse processo, o novo presidente do Masp é réu porque foi secretário-geral na gestão em que Neves era presidente — Neves também é réu no processo que corre em segredo de Justiça. Azevedo não quis comentar a acusação de má gestão do Ministério Público nem o fato de ser réu numa ação judicial.


 


Sobre sua relação com a arte, a primeira ponderação é automática: Azevedo é dono de uma coleção modesta de arte, cujo destaque é uma tela de Benedito Calixto. De família tradicional, seu interesse é a iconografia de São Paulo no século 19. Mesmo com esses parcos atributos, ele vai presidir o mais importante acervo da América Latina, com obras-primas de Rafael, Van Gogh, Cézanne, Matisse e Picasso.


 


Desconhecido


 


Azevedo encabeçou uma chapa única, “Masp na Ativa”, inscrita no processo eleitoral. Com mandato de dois anos — até 3 de novembro de 2010 —, a nova diretoria tem como vice-presidente a também colecionadora Beatriz Pimenta Camargo.


 


A maioria dos curadores e artistas ouvidos pela Folha dizia desconhecer o novo presidente do Masp. Muitos criticam o processo de escolha dos dirigentes e os métodos de gestão de instituições como o museu e a Fundação Bienal, que entraram em crise e perderam a primazia em seu meio em anos recentes.


 


O artista plástico Nuno Ramos, crítico da administração de Neves, diz desconhecer Azevedo. “Mas não posso julgá-lo. O fato de ter sido secretário de Neves indica continuidade.” Para Nuno, os problemas do Masp fazem parte de uma crise maior de instituições de arte e museus no país, que se agravou, paradoxalmente, ao mesmo tempo em que se expandia o mercado de arte no Brasil e sua produção ganhava importância maior no circuito internacional.


 


“O que noto é que desde que comecei, nos anos 80, as instituições caíram muito, e o mercado de arte melhorou. O caso do Masp talvez seja onde esse processo chegou mais longe, que se nota na irrelevância de suas exposições recentes”, afirma o artista plástico. “O problema é que essas instituições são absolutamente necessárias — são o que é mais necessário. O mercado serve para levantar a poeira, mas o assentamento dessa poeira depende de mil mediações institucionais feitas sobretudo pelos museus.”


 


“Farsa”


 


A diretora da galeria Fortes Vilaça, Márcia Fortes, também critica a gestão de Julio Neves e se diz “triste” com o destino das grandes instituições de arte em São Paulo. “Houve escolha?”, pergunta, questionando a eleição. “Parece mais uma farsa. Continuamos nas mãos de pessoas que não têm interesse genuíno em arte.”


 


Para o crítico de arte e curador Cauê Alves, “pior do que o Julio Neves e essa eleição é o sistema que permite que essas coisas aconteçam”. Segundo ele, “é um sistema de escolha que não permite que haja transparência e participação do sistema da arte. Eles têm compromissos políticos e pouco compromisso com o que seria a função principal dos museus.”


 


Alves acredita que “uma alternativa possível seria alguma intervenção do Estado nessas instituições. É preciso pensar alguma forma de controle social e público para elas”. O Masp — que abriga um dos principais acervos do país — é uma instituição de caráter privado. “A situação do Masp, da Bienal reflete o modo como as elites tratam o nosso patrimônio cultural”, ele diz.


 


Daniela Bousso, diretora do Museu da Imagem e do Som, afirma “não ter nada contra” Azevedo. “Não conheço a atuação dele na área, não conheço sua visão, mas o princípio está errado”, comenta. “Eu me indago sobre a transparência do processo, como no caso da Bienal. Sou a favor de escolhas democráticas e profissionais. Minha reação é um ponto de interrogação.”


 


O curador da 28ª Bienal, Ivo Mesquita, também não sabe quem é Azevedo. “Não conheço essa pessoa.” Já a artista Maria Bonomi disse conhecê-lo e afirmou que a gestão de qualquer presidente do museu pode ser boa “na medida em que dê força para o curador, Teixeira Coelho, e aumente o seu raio de ação”.


 


A palavra do Masp


 


Após as eleições, Neves divulgou um comunicado oficial do Masp: “Em nome dos componentes da diretoria, cujo mandato se encerrou no final de outubro, agradeceu o irrestrito apoio e confiança recebidos dos associados, dirigentes, funcionários e colaboradores do Masp, durante todo o período de 14 anos no qual exerceu o honroso cargo de presidente de sua diretoria.”


 


Sobre a dívida de R$ 13 milhões com a operadora Vivo — que está sendo cobrada na Justiça —, Neves declarou á Folha: “Estamos em conversações com a Vivo e com a prefeitura para em breve iniciarmos as obras do novo edifício que abrigará a escola e as atividades administrativas do Masp”.


 


O edifício na avenida Paulista projetado por Lina Bo Bardi, que abriga o museu, pertence à Prefeitura de São Paulo. Foi cedido em comodato à associação privada que dirige o Masp, com prazo que expirou em outubro.


 


Azevedo, o novo presidente, não vê riscos de o museu perder o prédio, ainda que a prefeitura já tenha feito, veladamente, essa ameaça: “A relação com a Prefeitura é excelente — contamos inclusive com seu apoio financeiro. Acreditamos na continuidade dessa relação. O prédio do Masp está nas mais adequadas condições de funcionamento”.


 


Da Redação, com informações da Folha de S.Paulo