Chávez com todo direito
O jornalista Walter Rodrigues, de São Luis/MA, chama a atenção para a vitória de Hugo Chavez no plebiscito de domingo e desmascara o tratamento dado pela que chama de “mídia corporativa transnacional”.
Publicado 18/02/2009 16:46 | Editado 04/03/2020 16:48
Chávez derrotou a oposição por 55 a 45 por cento dos votos válidos no plebiscito de domingo (15), sobre a emenda constitucional que autoriza a reeleição dos governantes políticos na Venezuela, sem limite de mandatos.
Em 2007, quando Chávez perdeu de 50,7% a 49,3% , no plebiscito com que pretendia aprovar um amplo pacote de reformas, incluindo a da reeleição, a mídia corporativa transnacional e seus satélites caiu-lhe em cima com manchetes arrasadoras: “Venezuela diz Não a Chávez” etc.
Duvido que digam agora: “Venezuela diz Sim a Chávez”. Apesar dos 10 pontos percentuais com que os socialistas bolivarianos bateram a oposição apoiada e, em parte, açulada pelos EUA.
Não vem ao caso se o melhor é não ter reeleição, ter uma só ou não ter limite. Não é uma questão de princípio.
Cada um com sua lei
O princípio democrático da “alternância no poder” nunca impediu que o mesmo partido governasse até por mais de 40 anos seguidos, como aconteceu, digamos, na Suécia, com o Partido Social-Democrático. Ou com o longo reinado do Partido Democrata Cristão na Itália do pós-guerra.
O princípio democrático da “alternância no poder” nunca impediu que o mesmo partido governasse até por mais de 40 anos seguidos, como aconteceu, digamos, na Suécia, com o Partido Social-Democrático. Ou com o longo reinado do Partido Democrata Cristão na Itália do pós-guerra.
Alterância no poder significa que os mandatos são limitados no tempo e que as oposições se organizam e atuam livremente para disputá-los a intervalos regulares. Obviamente não significa que um partido “deva” suceder a outro, salvo no Líbano, onde um velho acordo estabeleceu que cristãos e muçulmanos se revezavam na presidência e no cargo de 1o ministério.
Quanto a saber se o partido no governo pode concorrer com o mesmo candidato, ou se a reeleição é proibida, cada país põe a regra que quiser. Não tem nada a ver com o “princípio da alternância”.
Presidente Blair
Tony Blair governou a Grã-Bretanha por 10 anos e poderiam ter sido 20 se voto tivesse para tanto. “Mas aí é parlamentarismo”, reagem os comentaristas. “Ele é apenas chefe de Governo, não de Estado”. Grande diferença. Significa antes de tudo que Blair não foi eleito diretamente pelo povo, mas sim pelos deputados, ou antes, pela coalisão majoritária no parlamento, na base do voto impositivo.
Tony Blair governou a Grã-Bretanha por 10 anos e poderiam ter sido 20 se voto tivesse para tanto. “Mas aí é parlamentarismo”, reagem os comentaristas. “Ele é apenas chefe de Governo, não de Estado”. Grande diferença. Significa antes de tudo que Blair não foi eleito diretamente pelo povo, mas sim pelos deputados, ou antes, pela coalisão majoritária no parlamento, na base do voto impositivo.
Quanto a não ser chefe de Estado, trata-se de uma ficção perceptível a olho nu. Foi a rainha ou foi o próprio Blair quem decidiu aliar-se a Bush na invasão do Iraque?
Fosse ao contrário, os sul-americanos seriam descritos como atrasados (eles ainda têm rei!) e democratas de meia pacata, em comparação com a democracia “verdadeira” dos EUA e da França.
Modelo dos ricos
Os EUA não punham limite à reeleição até que Roosevelt morreu no quarto mandato, depois de governar mais de 12 anos consecutivos. Na França, Mitterrand (1981-95) e Jacques Chirac (1995-2009) governaram cada qual 14 anos, dois mandatos de sete, e só não foram para um terceiro porque Mitterrand adoeceu à morte, e Chirac, mirando a derrota mais que provável, não se rerrecandidatou.
Os EUA não punham limite à reeleição até que Roosevelt morreu no quarto mandato, depois de governar mais de 12 anos consecutivos. Na França, Mitterrand (1981-95) e Jacques Chirac (1995-2009) governaram cada qual 14 anos, dois mandatos de sete, e só não foram para um terceiro porque Mitterrand adoeceu à morte, e Chirac, mirando a derrota mais que provável, não se rerrecandidatou.
Ao noticiar a desistência de Chirac, O Estado de S.Paulo de 12/3/07 disse apenas que o terceiro mandato (de sete anos) era “autorizado pela lei”. Nenhuma crítica, nenhuma insinuação de que a França fosse uma ditadura ou “marchasse para a ditadura”, como dizem da Venezuela o Estadão, a Folha, a Veja, O Globo e o diabo a quatro.
O Brasil replubicano nunca admitiu a reeleição do presidente, até Fernando Henrique Cardoso fazê-la aprovar nos anos 90 do século passado. A Assembleia Nacional Constituinte (ANC) de 1987-87 mantivera a tradição, fixando o mandato em cinco anos. Mas, em 1993, quando parecia que Lula ia ganhar a eleição do ano seguinte, o Congresso aproveitou uma “revisão” prevista nas Disposições Transitórias da Constituição para diminui-lo para quatro anos.
Casuísmo
Lula não ganhou em 1994, ganhou Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que chegou ao fim do primeiro mandato com alta popularidade. Consequentemente, votou-se a emenda da reeleição e FHC ficou oito anos no poder. Agora a conversa é voltar ao mandato único de cinco anos.
Lula não ganhou em 1994, ganhou Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que chegou ao fim do primeiro mandato com alta popularidade. Consequentemente, votou-se a emenda da reeleição e FHC ficou oito anos no poder. Agora a conversa é voltar ao mandato único de cinco anos.
Apenas umas poucas vozes protestaram em 1993, sugerindo que, ao emendar a Constituição em causa própria, FHC deveria pelo menos convocar um referendo popular para legitimar a mudança.
Chávez, ao contrário, não dá um passo sem consultar o eleitorado, e ainda se submeteu a um “plebiscito revocatório” em 2004, com base em dispositivo que os próprios bolivarianos introduziram na Constituição.
Chávez, ao contrário, não dá um passo sem consultar o eleitorado, e ainda se submeteu a um “plebiscito revocatório” em 2004, com base em dispositivo que os próprios bolivarianos introduziram na Constituição.
Mas até isso é motivo de chacota politiqueira antichavista. Domingo mesmo um homorista do UOL/Folha zombou da Venezuela dizendo que nunca viu país para ter tanta eleição, e sem nenhum resultado prático, pois sempre ganha o mesmo. Além de que isso é uma inverdade — a oposição venceu o plebiscito de 2007 —, a conclusão lógica e paradoxal do raciocínio do crítico paulista é que Chávez teria que perder para provar que tem razão.
Cuba com eleição
Os grandes da mídia nacional e estrangeira, assim como seus satélites em toda parte, também acusam Chávez de querer transformar a Venezuela em “outra Cuba”. Cuba essa que seria horrível porque tem pouca ou nenhuma eleição verdadeira, pouco importando, dizem, os seus méritos sociais.
Os grandes da mídia nacional e estrangeira, assim como seus satélites em toda parte, também acusam Chávez de querer transformar a Venezuela em “outra Cuba”. Cuba essa que seria horrível porque tem pouca ou nenhuma eleição verdadeira, pouco importando, dizem, os seus méritos sociais.
Salta aos olhos que, se uma não presta por falta de eleição e outra por excesso, não é a questão eleitoral-democrática que incomoda esses críticos. É o desafio explícito ao imperialismo dos EUA.
Colômbia de Uribe
A Folha de domingo publicou matéria estarrecedora sobre a Colômbia de Álvaro Uribetransnacional.
Em resumo, Uribe criou uma recompensa por guerrilheiro morto por “civis”, isto é, pelas milícias paramilitares associadas à polícia e ao exército regular. A matança vai de vento em popa, mas, como guerrilheiros não são tão numerosos, estão até escasseando, nem tão fáceis de matar, os paramilicos começaram a abater camponeses pobres e vendê-los à carniçaria oficial como membros das FARC.
Já são mais de 1.500 os que a imprensa colombiana chama de “falsos” — falsos guerrilheiros. Dois generais e outros 25 militares foram destituídos de suas funções por causa disso.
A Folha de domingo publicou matéria estarrecedora sobre a Colômbia de Álvaro Uribetransnacional.
Em resumo, Uribe criou uma recompensa por guerrilheiro morto por “civis”, isto é, pelas milícias paramilitares associadas à polícia e ao exército regular. A matança vai de vento em popa, mas, como guerrilheiros não são tão numerosos, estão até escasseando, nem tão fáceis de matar, os paramilicos começaram a abater camponeses pobres e vendê-los à carniçaria oficial como membros das FARC.
Já são mais de 1.500 os que a imprensa colombiana chama de “falsos” — falsos guerrilheiros. Dois generais e outros 25 militares foram destituídos de suas funções por causa disso.
A Colômbia, sim, e não a Vanezuela, é quase um estado policial disfarçado de democracia. Quase, não inteiramente, graças ao Ministério Público, ao Judiciário e aos bons jornalistas colombianos que não deixam a peteca cair.