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'Folha' desperdiça pauta para falar mal do sindicalismo

Ter uma boa pauta e fazer o dever de casa nem sempre produz uma boa matéria jornalística. Um exemplo é manchete da Folha de S.Paulo deste domingo (1º) – Crise revela despreparo de

Os dois acadêmicos entrevistados – Ricardo Antunes e Wilson Amorim – são estudiosos reconhecidos do movimento sindical brasileiro. E as repórteres ouviram diligentemente os presidentes de cada uma das centrais sindicais. Como então o resultado saiu tão pobre e distante dos dramas reais que acometem o sindicalismo?

Um tema visto com binóculos ao contrário

Possivelmente é a redação da Folha que está ''enferrujada'' em sua cobertura do movimento sindical. Décadas de menosprezo pelo tema agravaram uma falta de intimidade com o tema que sempre existiu.

O resultado é uma reportagem que não cumpre o que promete na manchete: ''Crise revela''. O tema parece estar sendo visto através de binóculos ao contrário, em que mal se consegue distinguir os personagens e muito menos o cenário. As declarações entre aspas parecem escolhidas a dedo para expressar, não a essência do que pensa o entrevistado, mas as teses preconcebidas pela pauta.

Temas candentes ignorados

Por exemplo: o tema ''crise do movimento sindical'' povoa há décadas o debate entre as organizações de trabalhadores. Provocado por uma síndrome que inclui mudanças no processo produtivo e em todo o mundo do trabalho, um novo perfil da classe trabalhadora, a derrota da experiência socialista soviética e a ofensiva neoliberal, ele tem dado o que falar tanto no Brasil como no mundo inteiro. Na matéria da Folha, porém, não merece uma palavra.

Tampouco há menção ao fato – historicamente provado por incontáveis crises do capitalismo aqui e alhures – de que a crise é um cenário desfavorável para as lutas e organizações dos trabalhadores, roubando suas energias através do mecanismo perverso dos desemprego. A matéria repassa uma visão ingênua de que, se o trabalhador está se dando mal, as lutas não pipocam por uma questão de ''despreparo''.

A matéria é honesta o bastante para registrar que ''as centrais, assim como as empresas, foram pegas de surpresa'' pela atual crise mundial capitalista – a idéia parece ser de Antunes. Mas a honestidade não chega a ponto de completar a lista dos surpreendidos, agregando, por exemplo, os economistas, a mídia em geral e a Folha de S.Paulo em particular.

Uma questão atualíssima é mencionada de passagem em outra frase de Antunes: quem deve ser ''penalizado pela crise''? É um tema de real interesse econômico, social e humano. O terrorismo patronal que se alastra pelas empresas em nome da crise permitiria denúncias contundentes. O caso da Embraer é apenas um entre muitos. Mas claro que também não é esse o foco da Folha, já que levaria os patrões e não os sindicatos para o banco dos réus.

O ''atrelamento'' ao governo Lula

Por fim, mas não por último, pois se trata de um ponto de evidente interesse para a Folha, é o ''atrelamento'' das centrais ao governo Lula. Na matéria, ele aparece como uma atitude venal: a explicação seria que as centrais receberam em 2008 uma fatia de R$ 56 milhões do imposto sindical.

Também aqui há uma boa pauta desperdiçada. Por que a Força Sindical, criada em 1991 dentro da base sindical de apoio a Fernando Collor, adepta da candidatura presidencial de José Serra em 2002 e de Geraldo Alckmin em 2006, passou para a base de Lula? E por que a Conlutas, situada na extrema esquerda do espectro político-sindical, diante do facão da Embraer saiu-se logo com um pouco usual pedido de audiência no Planalto? Haverá quem sabe alguma relação com o fato do presidente ser um torneiro-mecânico, um ex-líder sindical e grevista? O que isso muda na prática concreta e no imaginário da classe?

Não se espere muito do jornal da ''ditabranda'' em matéria de cobertura sindical. Mas até para quem adota a linha editorial do antissindicalismo era de se esperar menos superficialidade na abordagem de uma pauta que vale a pena e veio para ficar.