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O que dá lucro ao cinema? O milho da pipoca ou o filme?

Tem um quê de enredo de ficção científica, com a dominação do mundo por meia dúzia de seres não identificados, a história contada pelo norte-americano Edward Jay Epstein no livro O Grande Filme — Dinheiro e Poder em Hollywood (Editora Summus).

Epstein nos revela, de cara, duas coisas:


 


1- Num tempo em que quase todos os filmes dão prejuízo nos cinemas, o que realmente interessa para os donos das salas de exibição é vender pipoca.


 


2- Cabe a apenas seis conglomerados mundiais a definição daquilo que você vê, ouve e lê.


 


Hollywood sitiada


 


Numa entrevista concedida por telefone, de Nova York, Epstein diz que a época de ouro dos estúdios ficou pra trás há muito tempo. Ao redor do cinema, navegam uma série de negócios destinados a compensar uma atividade que, isoladamente, dá prejuízo. “Todas as companhias perdem dinheiro com os lançamentos nos cinemas. Você pensa que só no Brasil o público dos cinemas não paga os lançamentos?”


 


Epstein divide o livro em dois tempos: 1947 e 2004. Primeiro, eram os estúdios. Depois, vieram os impérios corporativos “com ações negociadas nas bolsas e dívidas administradas por grupos bancários globais”. Para se ter uma idéia, os filmes respondem por apenas 7% da receita total da Viacom, dona da Paramount, e por menos de 2% da General Electric, detentora da Universal, a casa de Steven Spielberg.


 


Em 1947, foram vendidos, nos Estados Unidos, 4,7 bilhões de ingressos. Em 2004, a população praticamente duplicada, o número de ingressos caiu para 1,57 bilhão. Havia, na década de 1940, mais salas de cinema que agências bancárias no país.


 


Só o marketing salva


 


Com a evolução do entretenimento doméstico — tevê, DVD e internet —, os estúdios têm de criar não apenas os filmes, mas também o público. Cientes da crise do hábito de ir ao cinema, os executivos oferecem dois produtos ao circuito exibidor: o filme e a campanha de marketing.


 


“Os custos de um e de outro também são semelhantes. Como a campanha mais eficaz é a da tevê, o marketing está cada vez mais caro”, diz Epstein. De acordo com o autor, os estúdios gastaram, em 2003, US$ 34,8 milhões por título em publicidade.


 


“Quando o filme não consegue atrair o público esperado na estréia, os executivos culpam não o filme, mas a maneira como foi anunciado.”


 


Tapete vermelho x caixa-preta


 


Ao lado do marketing, o custo das produções foi inflado pelo delirante cachê dos astros e pela computação gráfica, que abocanha orçamentos até maiores que os da filmagem. Mas, ao tentar destrinchar tais números, o pesquisador deparou com uma matemática pra lá de misteriosa.


 


O culto à caixa-preta pretende, segundo um alto executivo, “esconder de Wall Street como é volátil a indústria do cinema e como as margens de lucro são ardilosas”.


 


Para se ter uma idéia, nos Estados Unidos, a renda com o entretenimento doméstico foi quase cinco vezes maior que a obtida nos cinemas. A maior entrada de dinheiro provém das vendas de DVD – por isso, a pirataria é tão combatida nos países do Terceiro Mundo. A seguir, está a exibição para tevê. Há ainda as trilhas sonoras e os licenciamentos que, sobretudo nas animações e filmes-franquia, como Batman e Homem-Aranha, são um pote de ouro.


 


Estratégia teen


 


É esse amplo universo além-sala escura que interessa aos seis conglomerados globais. Eles controlam grande parte da mídia de entretenimento, de filmes a entrevistas na tevê e revistas de variedades. Seu principal alvo, assegura Epstein, são as crianças e adolescentes.


 


“Eles publicam a maioria dos livros que as crianças lêem, gravam a maioria das músicas que ouvem, possuem a maioria dos parques temáticos que visitam nas férias e licenciam a maioria dos personagens que figuram nos brinquedos, roupas e jogos”, descreve.


 


Onde está o dinheiro?


 


A despeito da força de uma figura como Murdoch, da News Corporation, Epstein observa que, hoje não há mais “o dono”. Nem “o negócio”. “Eles têm muitos escudos corporativos e, às vezes, os próprios participantes são domiciliados em países com diferentes leis tributárias, regras contábeis e qualificações para a obtenção de subsídios governamentais”, explica.


 


É esse complicado enredo que está por trás daquilo que podemos chamar de “economia da pipoca”. Para os donos das salas, que não vêm os cifrões do entretenimento doméstico e tampouco os royalties que garantem o pão de cada dia dos autores, o que interessa, mesmo, é vender pipoca, que rende mais 90% sobre cada dólar recebido. E, quanto mais salgada, melhor. Afinal, aumenta a sede e a venda de refrigerantes.


 


“Quanto mais gente conseguimos fazer passar pela pipoca, mais dinheiro ganhamos”, resume o dono de um multiplex. Esse senhor, não identificado no livro, descreve o porta-copos das cadeiras, que permite ao cliente deixar lá o refrigerante enquanto vai buscar mais pipoca, como a “inovação tecnológica mais importante desde a sonorização”.


 


Como se vê, na era das corporações, é de milho, DVD e tevê que se faz o cinema.