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Marina Silva não reconhece avanços de seu sucessor

Quase um ano após deixar o Ministério do Meio Ambiente, a senadora Marina Silva (PT) afirma em entrevista ao Jornal do Terra que não considera a política uma profissão, fala da pauta trancada no Congresso Nacional, elogia o apoio da opinião pública à p

Senadora, quando a senhora deixou o Ministério do Meio Ambiente pediu para que não houvesse retrocesso no setor ambiental. Passado quase um ano, qual é o balanço que a senhora faz?



Marina Silva – Sempre digo que ainda fica difícil fazer um balanço porque boa parte das coisas que estão em curso são aquelas que, ou já estavam anunciadas ou já acontecendo ou planejadas para acontecer. Pode parecer prepotência, mas o Plano de Mudanças Climáticas era algo que estava praticamente finalizado; o Plano de Combate ao Desmatamento já estava em curso; o Fundo Amazônia, os recursos, a arquitetura do Fundo Amazônia já estava pronta; o Plano Amazônia sustentável também, de recursos hídricos, a criação das unidades de conservação; já havia sido criado o Instituto Chico Mendes, o Serviço Florestal Brasileiro, os concursos já estavam aprovados. Boa parte das coisas que ainda está sendo anunciada faz parte ainda do legado. Sempre brinco que ficou uma marmita bem recheada (risos) quando saí do Ministério. É claro que novas coisas vão sendo agregadas, mas este próximo ano é o ano do Delta Mais aparecer para além das coisas que tinham.



A senhora costuma brincar que aprendeu o “bê-a-bá” da ecologia com o atual ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Como é que ele está se saindo no cargo?


MS – (Risos) Tive muitos professores: o deputado federal Fernando Gabeira, o ex-secretário de meio-ambiente do governo Cesar Maia Alfredo Sirkis, o ex-sindicalista Chico Mendes foi meu professor, meu mestre, porque fazíamos coisas das quais não tínhamos ainda os conceitos. No final da década de 70, início dos anos 80, defendíamos a floresta, as populações locais, a biodiversidade, mas não tínhamos os conceitos. Os conceitos começaram a surgir, tanto para mim quanto para o Chico Mendes, quando ele começou a ter contato com o Partido Verde, no Rio de Janeiro. Nesse contexto, tínhamos figuras como a Lucélia Santos, Carlos Minc, Alfredo Sirkis, depois Fábio Feldman, um conjunto de pessoas que foram importantes neste processo.



E o Carlos Minc está se saindo bem como Ministro?


MS – É uma pasta muito difícil. Estive ali, sei o quanto é difícil. Claro que o Minc tem um estilo diferente do meu, talvez pela natureza das coisas que precisavam ser feitas. Havia um tensionamento muito grande o tempo todo. Imagina o que é você ter que colocar de pé um plano de combate ao desmatamento, ter que prender mais de 700 pessoas, desconstituir 1,5 mil empresas, inibir junto ao Incra 37 mil propriedades de grilagem, aplicar R$ 4 bilhões em multas, criar 20 milhões de hectares de unidades de conservação em áreas que estavam sendo ocupadas de forma predatória. Isso gerou um tensionamento muito grande, mas o tempo todo dizia pra minha equipe que iríamos fazer as coisas estruturantes ainda que elas não rendessem, digamos assim, nenhum retorno imediato em termos de simpatia. Sabíamos que aquilo era o que precisava ser feito e agora os frutos estão aparecendo. Acredito que aquele início foi muito mais difícil do que o que temos agora. O desafio é muito grande porque não é só repressão, é colocar em curso a agenda do desenvolvimento sustentável.



Quando a senhora fala em desenvolvimento sustentável, sabemos que há uma briga entre os desenvolvimentistas do PT e aqueles que brigam pela questão do desenvolvimento sustentável. Dá pra conseguir domar este lado que quer o progresso a qualquer custo com trabalho, emprego no campo?


MS – No PT, infelizmente, essa discussão nunca aconteceu desta forma de polarizar. A tensão aconteceu dentro do governo e, daí, dentro do governo não dá para dizer que é o PT porque. O governo é o Estado brasileiro, é muito maior, deve ser sempre maior, que o partido. Essa disputa está na sociedade. Como está na sociedade, vai estar dentro dos partidos, dentro dos governos, dentro das instituições públicas de um modo geral, dos formadores de opinião e das empresas. É uma disputa por uma visão de mundo, por modelos de desenvolvimento. Infelizmente existem aqueles que ainda estão advogando o desenvolvimento do século passado. Temos que viver o desafio do século XXI. Existiram algumas pessoas de setores como academia, sociedade, empresarial e até mesmo da política que foram capazes de antecipar o século XXI. Talvez, no Brasil, um dos melhores representantes desta antecipação tenha sido o Chico Mendes. Infelizmente, pra alguns ainda não “caiu a ficha” de que estamos vivendo uma crise ambiental sem precedentes, correndo o risco de inviabilizar a vida no planeta. Eles achama que é possível continuar no mesmo diapazão do desenvolvimento pelo desenvolvimento sem qualificá-lo, compreendendo que teremos que nos desenvolver preservando nossos ativos ambientais ao mesmo tempo que preservá-los nos desenvolvendo. Para isso, há que se mudar paradigmas. Não se está dizendo que não se pode ter agricultura, que não pode ter exploração florestal, que não pode ter energia. Não é isso. Temos respostas para essas questões. É possível uma agricultura sustentável, um manejo sustentável, a produção de energia renovável com segurança e com sustentabilidade. O que precisamos é dar conseqüência e curso a um compromisso ético que seja capaz de atender as reais necessidades do presente sem comprometer os direitos daqueles que ainda não nasceram.



Praticamente não se vota nada desde que o senador José Sarney assumiu a presidência da Casa pela terceira vez. Quais os projetos na área ambiental que são importantes e precisam ser discutidos neste momento?


MS – No Congresso Nacional temos vários. Por exemplo: a lei de resíduos sólidos está tramitando há 24 anos no Congresso. Se pararmos para pensar no que está acontecendo no nosso País em relação à deposição dos resíduos, é algo catastrófico. Corremos o risco o tempo todo em relação à dengue, à febre amarela, porque não temos uma deposição adequada dos resíduos. A lei de acesso à biodiversidade está tramitando há mais de 12 anos, inclusive é um projeto da minha autoria. A lei que cria uma reserva do fundo de participação dos Estados para investir nos Estados que criaram a maior quantidade de unidades de conservação em terra indígena está há mais de sete anos no Senado. E agora temos projetos mais recentes que são motivo de preocupação, como é o caso da lei de regularização fundiária. É uma lei que corre o risco de regularizar a grilagem.



O mandato da senhora termina em 2010. Vai ser candidata de novo a senadora pelo Acre?


MS – Esta é uma avaliação que ainda estou fazendo. Claro que nunca fico me planejando antecipadamente, nunca foi assim. Quando eu era vereadora não ficava pensando em ser deputada estadual, depois não fiquei planejando ser senadora, eu já estou no segundo mandato. É uma avaliação que estou fazendo com meus parceiros no Acre porque, para mim, a política não é uma profissão. É um espaço de realização, de contribuição, encaro mesmo como um serviço. Minha profissão é ser professora. Não tenho nunca o desejo de me repetir por me repetir. É dar uma contribuição efetiva do nosso País e da Amazônia. É uma mudança de desenvolvimento que deve ser acompanhada ou antecipada por uma mudança de mentalidade. Isto não é uma pessoa que faz, é um processo. É uma militância quase que civilizatória.


 


Para a gente encerrar, qual o grande sonho da senhora, para a Amazônia e para o Brasil?


MS – A dita mudança do modelo de desenvolvimento. O Brasil é um País priviliegiado que tem imensos ativos ambientais. O Brasil pode fazer a diferença, não só na América Latina mas no mundo. Temos uma vantagem diferencial em relação a energia renovável, que é 45% limpa. Estamos perdendo esse diferencial porque o plano decenal faz uma aposta na energia fóssil de diesel, de carvão. Temos ainda 60% de cobertura florestal, temos mais de 50 milhões de hectares de terras agricultáveis em repouso e, só na Amazônia, temos 165 mil km² de área abandonada ou semi-abandonada que possibilita dobrar nossa produção sem precisar derrubar mais uma árvore. O Brasil pode fazer a diferença assumindo um modelo de desenvolvimento sustentável nas suas diferentes dimensões, na dimensão econômica, social, na dimensão ambiental, cultural. Para isso é preciso apostar, com muita força, na dimensão da sustentabilidade política e ética. A sustentação política a sociedade vem dando. Toda vez em que eu estava no Ministério e se tentou alguma coisa contra o desmatamento, o que não faltou foi o apoio da opinião pública. Tanto é que, quando saí, a opinião pública respaldou as medidas que haviam sido tomadas e deu condições para que o presidente as mantivesse. O grande desafio e meu sonho é que a gente faça juz à potência ambiental que somos, antecipando o século XXI. Temos condições de fazer isso.



Fonte: Terra