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Aldo Rebelo: A arte de Boal

É sob todos os aspectos lamentável a morte do dramaturgo Augusto Boal, ocorrida no dia 2, aos 78 anos de idade, no Rio de Janeiro. Se o alemão Bertolt Brecht é a principal referência internacional do teatro político no século XX, Boal foi sem dúvida se

O teatrólogo e ensaísta americano Richard Schechner testemunhou que “Boal conseguiu fazer aquilo com que Brecht apenas sonhou e escreveu: um teatro alegre e instrutivo.” O jornal inglês The Guardian observou que o dramaturgo brasileiro “reinventou o teatro político e é uma figura internacional tão importante quanto Brecht ou Stanislawski”, referindo-se a outro monstro sagrado, o russo que revolucionou as artes cênicas já no final do século XIX. 



É curioso como a analogia da sucessão encontra lastro na cronologia da obra dos dois dramaturgos. Brecht morreu em 1956, exatamente o ano em que Boal, um engenheiro-químico sem vocação, encontrou-se com ela no Teatro de Arena de São Paulo.  



Conectado a seu tempo, intérprete transformador da sua realidade, Boal produziu uma obra marcada pela intemporalidade e a universalidade que distinguem a arte superior. A primeira peça que dirigiu no Arena, Ratos e Homens, de John Steinbeck, já indicava a escolha que fazia por um teatro que não só expressasse as desigualdades sociais, mas ajudasse a modificar a estrutura social em favor dos menos favorecidos. Seu repertório engajado seguiu este padrão político sem ceder a radicalismos, tanto que encenava do francês Molière (Tartufo)  e o americano Tennessee Williams (Um Bonde Chamado Desejo) ao brasileiro Martins Fontes (O Noviço).



Foram memoráveis suas parcerias com Oduvaldo Viana Filho, em 1959, assim como a iniciativa de produzir e dirigir o antológico show Opinião, com Zé Kéti, João do Vale e Nara Leão e a seguir Maria Betânia, em 1965, e a série de peças Arena Conta…, associado a Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo, que dramatizou a saga histórica de heróis nacionais como Zumbi e Tiradentes, depois estendida ao libertador sul-americano Simão Bolívar. No exílio, a partir de 1973, desenvolveu sua concepção e técnica do Teatro do Oprimido, com o qual obteve influência e reconhecimento internacional.



Artista pleno de historicidade, compreendeu a essencialidade da atuação partidária  – tal qual outros intérpretes do Brasil, como Gilberto Freire e Darci Ribeiro – elegendo-se vereador no Rio de Janeiro em 1992. Dois meses antes de sua morte, foi nomeado embaixador mundial do teatro pela Unesco. Sua obra lhe valeu uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz de 2008. Teria sido uma premiação justa e merecida.
 


* Aldo Rebelo é deputado federal pelo PCdoB–SP e ex-presidente da Câmara dos Deputados