A dialética da crise financeira
A importância da dialética para a compreensão dos acontecimentos econômicos deriva exatamente da possibilidade de proporcionar uma visão de conjunto da realidade e a enxergar as inter-relações dos fenômenos, superando a visão estanque e desconexa dos f
Publicado 25/05/2009 10:31
Segundo Celso Furtado, “a essência do pensamento dialético está na idéia simples de que o todo não pode ser explicado pela análise isolada de suas distintas partes”. Ou ainda, como explica Gilberto Cotrim, “a dialética defende que nenhum fenômeno, seja natural ou social, pode ser explicado isoladamente, sem que se busque sua gênese e causa do processo mais amplo de fatos que o compõe”.
Desse modo, o que se pretende, primordialmente, aqui, é examinar, à luz do pensamento dialético, os fatores que deram origem à crise financeira internacional e o seu impacto sobre a economia brasileira, mas sem nunca esquecer de verificar as conexões dessa crise com os seus precedentes históricos.
Assim, seria extremamente imprudente examinar a crise apenas sob seus aspectos aparentes, muitos dos quais foram atribuídos tão-somente à inadimplência do setor imobiliário americano que culminou na desvalorização das ações hipotecárias nas bolsas de valores dos Estados Unidos e em quase todos os continentes do Planeta.
Enfim, a crise realmente chegou e instalou-se de forma peremptória no seio do mundo globalizado, e, embora todos os esforços realizados, com vultosas injeções de dinheiro público por parte dos países desenvolvidos em suas economias nacionais, com o propósito de reverter o quadro degradante de falências, desemprego e precarização das condições sociais de sobrevivência, ainda assim o PIB americano teve uma retração de 6,1% no primeiro trimestre deste ano.
No Brasil, não obstante o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), tenha feito projeções menos pessimistas para o PIB nacional, prevendo um crescimento de 0,2% para o primeiro trimestre deste ano, o fato é que o próprio Ministro da Fazenda, Guido Mantega, já admite que esse crescimento, na verdade, será negativo nesse mesmo período, conforme dados a serem divulgados pelo IBGE no mês de junho.
Com efeito, há que se indagar: quais outros fatos ou fatores estão subjacentes à catástrofe financeira que teve início no final de 2008? A inadimplência dos mutuários americanos, como já foi fartamente divulgada em toda a imprensa mundial, seria suficiente para explicar, sozinha, a crise como um todo? Não estaria por trás dessa catástrofe o próprio funcionamento do mercado livre e da não regulamentação da economia tão obstinadamente defendida pelos defensores do “neoliberalismo” econômico? E o que se pode dizer sobre o atual modo de produção internacional do capitalismo e da própria “globalização”?
No que diz respeito ao neoliberalismo econômico, não há dúvida de que o Estado, agora minimizado, tornou-se frágil, distanciando-se dos compromissos sociais. Nesse sentido, virou anacronismo falar em políticas públicas protecionistas e sobretudo em soberania nacional. O novo Estado dependente conseguiu com que muitos trabalhadores preferissem ser explorados a ser excluídos, o que levou Fernando Henrique Cardoso a dizer que o fenômeno que deve ser temido já não é a exploração, mas a exclusão.
Por outro lado, não teria a globalização econômico-financeira nenhuma correlação com a crise também, já que ela foi capaz de agregar os mercados financeiros internacionais, facilitando, através dos extraordinários avanços da tecnologia da informática e das telecomunicações desde os últimos trinta anos do século passado?
Sem embargo, o economista John Kenneth Galbraith sempre condenou o atual estágio em que se encontra o capitalismo, afirmando que a globalização se resume na manutenção dos atuais níveis de exploração através de relações comerciais altamente desfavoráveis impostas pelos países centrais aos países periféricos. Galbraith assegura ainda que “a globalização não é um conceito sério”, dizendo que: “nós, os americanos, o inventamos para dissimular a nossa política de entrada econômica nos outros países”.
Na esteira desse raciocínio, o prêmio Nobel de economia em 2001, Josepp Stiglitz, em sua obra intitulada “Globalização: como dar certo”, publicada em 2008, adverte que: “O atual processo de globalização está gerando resultados desequilibrados, tanto entre países como dentro deles.
Vista através dos olhos da vasta maioria das mulheres e dos homens, a globalização não atendeu a suas aspirações simples e legítimas de empregos decentes e um futuro melhor para seus filhos. Muitos deles vivem no limbo da economia informal, sem direitos formais e numa faixa de países pobres que subsistem precariamente às margens da economia global. Até mesmo nos países economicamente bem-sucedidos, alguns trabalhadores e algumas comunidades foram afetados de forma negativa pela globalização. Enquanto a revolução nas comunicações globais aumenta a consciência dessas disparidades, esses desequilíbrios globais são moralmente inaceitáveis e politicamente insustentáveis.
Vê-se, portanto, que a globalização não foi capaz de promover o desenvolvimento anunciado ao planeta e, a esse respeito, Sérgio Boisier esclarece que “o desenvolvimento global é só uma abstração construída sobre promessas”.
Percebe-se, pois, que ao analisar a crise atribuindo-lhe como causa única a impossibilidade de a população de baixa renda dos Estados Unidos deixarem de pagar seus empréstimos habitacionais, é inteiramente contraproducente, haja vista que os verdadeiros panos de fundos da crise (neoliberalismo e globalização) continuam sendo escondidos, protegidos e perpetuados sob a égide do império capitalista, como se a crise não tivesse nenhuma relação com o mau funcionamento da globalização e do neoliberalismo, ou como se esses três elementos não formassem um sistema interdependente.
À guisa de conclusão, poder-se-ia perguntar: mas como mudar tudo isso? Primeiramente é preciso lembrar que para a dialética marxista nada existe de eterno. Pelo contrário, o mundo está constantemente em movimentação onde tudo se transforma a todo instante. Para Lenin, nada subsiste de definitivo, de absoluto, de sagrado perante a filosofia da dialética; ela mostra a caducidade de todas as coisas e em todas as coisas, e nada subsiste frente a ela a não ser o processo ininterrupto do devir e do perecer, da ascensão sem fim do inferior ou superior, de que ela própria é apenas o reflexo no cérebro pensante. Portanto, para Marx, a dialética é a ciência das leis gerais do movimento, tanto do mundo exterior como do pensamento humano.
Em segundo lugar, é preciso ter em mente que para Marx as relações sociais estão intimamente ligadas às forças produtivas. Adquirindo novas forças produtivas, os homens mudam o seu modo de produção, e mudando o modo de produção, a maneira de ganhar a vida, eles mudam todas as suas relações sociais. E, assim, Maria Adrey reforça: é no processo de busca da satisfação de suas necessidades materiais que o homem trabalha, transformando a natureza, produzindo conhecimento e criando-se a si mesmo.
O importante, em todo caso, é não perder de vista que através da dialética “Tudo se Relaciona”, ou como assevera Cotrim: “a dialética é concebida como um sistema extraordinariamente complexo e interligado, onde tudo o que existe está relacionado com o todo”. Daí a razão de Marx ter afirmado que “as relações sociais estão intimamente ligadas às forças produtivas.” Por isso é que não se pode dissociar os impactos da globalização e do neoliberalismo sobre a atual crise financeira internacional.
*Economista e professor universitário, especialista em Planejamento e Desenvolvimento Econômico pela UFC, mestre em Economia Empresarial pela UFC e doutorando em Desenvolvimento Regional pela UNISC/RS. E-mail: helio-hissa@hotmail.com.