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Yeda ameaça TV pública que resistiu até a incêndio

Trinta e cinco anos no ar, a TVE do Rio Grande do Sul já sobreviveu a muitas dificuldades, entre elas o incêndio que devorou grande parte de seu acervo de imagens em 1983, mas pode não resistir ao Governo Yeda Crusius (PSDB). A mesma ameaça, de extinção, pesa sobre a rádio FM Cultura, afirma o movimento SOS TVE/FM Cultura, lançado pelos funcionários das duas emissoras e os sindicatos dos jornalistas e radialistas.

A TVE/RS e a FM Cultura são públicas e integram a Fundação Cultural Piratini, gerida pelo governo estadual. O penúltimo passo para o suspiro final seria a saída, já confirmada, da grande área que ocupam nos altos do morro Santa Teresa, em Porto Alegre, para lugar ainda incerto e não sabido, o que alimenta ainda mais apreensões.

O temor de que, depois da mudança, virá o fim, só cresceu com os antecedentes da administração tucana. Há dois anos, o Governo Yeda tentou transformar a TVE/RS em uma Oscip (organização da sociedade civil de interesse público). Na prática, uma privatização das duas emissoras, que passariam ao controle de ONGs ou associações, como ocorreu com a TVE do Rio no Governo Fernando Henrique Cardoso. A mobilização dos funcionários, suas associações e seus apoiadores conseguiu travar o processo.

Agora, embora desfrutando da preferência de compra, Yeda abriu mão do prédio que a TVE/RS aluga do INSS há 28 anos. Pertencente à antiga TV Piratini, da cadeia dos Diários Associados, o edifício é parte da história da televisão no Sul do país. A TV Piratini foi a emissora pioneira no estado e realizou sua primeira transmissão em 20 de dezembro de 1959. Quando os Diários Associados foram à bancarrota, a propriedade acabou sendo entregue ao INSS para liquidação de dívidas do conglomerado. Por ironia, o cinqüentenário será comemorado no momento em que a sorte de seu legado está em suspenso.

O imóvel foi oferecido ao locatário por R$ 4,7 milhões parcelados em 60 meses. O secretário estadual de Administração e Recursos Humanos, Elói Guimarães, respondeu à gerente-executiva do INSS no estado, Sinara Pastório, que “por orientação da senhora governadora” o Estado não possui interesse nem em adquirir o imóvel nem em nele permanecer.

Ao fim do terceiro ano da gestão tucana, o panorama é desolador na descrição dos funcionários. “Sucateamento” é uma das expressões mais insistentes, traduzida na redução de pessoal e na falta de reposição de equipamento.

“Denunciamos o sucateamento desde 2005”, critica Alexandre Laboutte, representante dos funcionários no Conselho Deliberativo da Fundação TVE/RS.

“Desde 2001 não há concursos. E, em oito anos, metade dos concursados, cerca de 40, abandonaram a fundação”, sustenta.

“Chegamos a ter 230 funcionários e hoje são pouco mais de 150”, compara. No caso do equipamento haveria canibalização em vez de reposição.

“Não se compra nada e só se repõem peças, às vezes retirando de uma máquina para por em outra”.

Além disso, por decisão de governo, a TVE/RS é a única emissora estadual e pública que não firmou parceria com a TV Brasil.

“Deixou – por isso – de receber conteúdo e recursos para produzir programas”, reclama Alexandre.

“Sucateamento” também é a palavra usada pelo presidente do Sindicato dos Jornalistas, José Nunes, para definir a situação, agregando outro problema.

“Desde o começo do Governo Yeda houve um processo não só de sucateamento da TVE/RS como de desrespeito ao conselho deliberativo”, enfatiza. O conselho, composto por diversas entidades da sociedade civil, nunca teria exercido papel tão irrelevante.

“Não temos acesso aos documentos da fundação embora o conselho seja co-gestor”, queixa-se Laboutte.

A percepção do presidente da TVE/RS, Ricardo Azeredo, é bastante diferente. Ele garante que “não existe isso de que a TVE vai acabar” e vê “conotações políticas” atrás dos rumores sobre a gestão e o futuro da fundação. Admite, porém que a TV pública do Rio Grande do Sul enfrenta alguns problemas. O investimento, por exemplo, é “quase nada”. O que se comprova na página do governo estadual na internet. Lá descobre-se que a TVE/RS dispendeu na rubrica “investimentos” a módica soma de R$ 8.379,78 ao longo dos primeiros dez meses de 2009.

Azeredo sustenta que o quadro da emissora é “estável” com “mais ou menos” 200 pessoas. Indagado sobre o transtorno de uma mudança às pressas — até 31 de março do próximo ano –, disse que “não existe esse prazo”. Uma afirmativa que se choca com o ofício entregue no dia 19 de novembro de 2009 ao INSS pelo secretário Guimarães onde consta a data e o compromisso de que o prédio “será entregue” até 31 de março de 2010, “o que efetivamente será atendido”. A ambição de Azeredo é fazer “a TV mais competitiva possível” entendendo que, com a mudança – para um próprio do Estado, embora não saiba qual – a TVE/RS vai ficar “muito melhor”.

Melhor ou não, não se sabe. Mas, se o destino da TVE/RS é impreciso, um final feliz parece encaminhado para o espaço privilegiado no morro Santa Tereza, a salvo da especulação imobiliária. Depois que o INSS publicou um “aviso de notificação” nos jornais de Porto Alegre oferecendo o imóvel para venda a órgãos públicos, a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) oficializou seu interesse em adquirí-lo. E o topo do morro, que já abrigou a TV Piratini e a TVE/RS, pode se transformar na casa da TV Brasil no Sul.

Ayrton Centeno
Fonte: Brasília Confidencial