José Cícero – 100 anos de Rachel de Queiroz: Esqueçamos o BBB!

Este ano o Ceará comemora um século de nascimento da sua romancista maior: Rachel de Queiroz. Nascida em Fortaleza em 17 de novembro de 1910, a menina Rachel ainda em tenra idade viajara com os pais por vários lugares, qual um verdadeiro Dom Quixote de saia.

Rachel de Queiroz

Mas apenas um município marcara profundamente o coração da escritora: Quixadá, lugar que ela mesma escolhera como sendo a sua terra natal. Porque a ninguém é dado o poder de escolher o torrão em que se nasce. Sua Quixadá que ela fez questão de dizer que a amava até mesmo no nome que escolhera para a sua fazenda de repouso e produção: “Não me deixes”.

Porém um dia foi Rachel que nos deixou em 04 de novembro de 2003 quando dormia em sua rede no Rio de Janeiro. Morreu como vivia, na placidez da sua calma producente. Assim foi que partira para a eternidade dos altiplanos espirituais. Aqui conosco, a sua saudade também será eterna, assim como os seus livros. Isso porque as ideias com sua capacidade narrativa e criadora nunca morrerão em nós. Por isso Rachel não morreu, como diria o poeta, apenas se encantou, talvez por um instante eterno… Quem sabe na mais fantástica das histórias contadas e decantadas num dos seus próprios livros.

Lá, nas paragens quixadaenses a escritora adolesceu conhecendo toda a exuberância do bucolismo do interior cearense. Magníficas tintas com as quais a jovem Rachel deu todo um colorido especial a sua produção literária. Desta mistura de cores e situações inerentes ao cotidiano social de um sertão marcado pelo sofrimento, tanto quanto pelo isolamento e o abandono foi que nasceu sua obra-prima – O Quinze. O livro que a projetou na seara da literatura brasileira.

Dona de um estilo literário muito particular, um dos mais fortes e elegantes, Rachel de Queiroz mostrou-se de vez para o país, até então, avesso à lavra feminina e a leitura; um mundo quase desconhecido também para o chamado povo do litoral; as elites, os donos do poder. Daí então, com sua visão perspicaz, surgiu uma leva de obras referenciais que ajudaram a enriquecer a cultura literária brasileira como um todo. E que, a um só tempo, consagraram-na com uma das mais notáveis contista-escritora de todos os tempos. Ao ponto de, depois do paraibano José Lins do Rego – supra sumo da literatura regionalista, a produção de Rachel foi a que mais se aproximou da realidade dos sertões nordestinos de uma época, posto que retratou com a mais absoluta fidelidade as verdadeiras nuances de um cotidiano marcado pelas agruras assim como pelo sofrimento de toda uma gente acostumada, quando possível, até mesmo a morrer calada. Como uma nação de esquecidos entregues a própria sorte, quase sempre 'ao Deus dará'. Assolados pelas secas intermitentes e a exploração dos coronéis…

Foi uma autêntica mulher do seu tempo, notadamente quando esteve inclusive além dele. Na sua juventude se tingiu de revolucionária comunista; ateia por convicção pela vida inteira e quase ufóloga, dada a expressiva curiosidade que tinha em relação ao cosmo, quando acreditava por exemplos nos extraterrestres e na pluralidade dos mundos habitáveis pela plagas siderais. A primeira mulher a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, vez que no coração do povo cearense ela já galgara o panteon da imortalidade.

Já no fim da vida, confidenciava a solidão psicológica pela sua condição de não ter fé. Morreu como viveu como a mais autêntica das figuras humanas que devotara à vida e aos amigos todo o amor e todo o afeto possível. Foi por tudo isso, uma mulher das mais extraordinárias, diferente e moderna na pura acepção da palavra. Numa época em que possuir estes atributos era quase um sacrilégio.

Como mulher foi igualmente revolucionária e transgressora não somente no que escreveu, mas principalmente na sua vida prática cotidiana.

Que os seus conterrâneos do Ceará, do Nordeste e do Brasil esqueçam sequer por um instante, os pseudo-valores dos Big Brothers da vida, das bandas de forró, das telenovelas, das bundas dançantes e das roedeiras apelidadas de música sertaneja… Para quem sabe, celebrarem junto esta data com um mínimo de cidadania do respeito, ética educativa e sabedoria cívica, como um legado histórico-cultural dos mais valiosos deixados como presente para toda uma geração do passado, do presente e do futuro.

O centenário de nascimento desta colossal escritora cearense, portanto, é uma dádiva que todos nós deveríamos comemorar com a mais alta das alegrias e dos entusiasmos.

Viva Rachel! A mais eterna imortal das cearenses de todos os tempos…

José Cícero é Professor, Poeta, escritor e Secretário de Cultura e Turismo de Aurora-CE

Opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as opiniões do Portal Vermelho