Comunistas gregos fazem propostas para solucionar crise
O Partido Comunista da Grécia (KKE, na sigla em grego) sempre denunciou, particularmente depois de 1991, as ilusões existentes em torno do desenvolvimento indefinido do sistema capitalista, da competitividade e da produtividade supostamente nos interesses comuns dos trabalhadores e dos capitalistas.
Por Aleka Papariga [*]
Publicado 17/05/2010 18:51
O partido falava de inevitabilidade da crise econômica em todas as economias capitalistas. Ele previu a crise, o inevitável agravamento e o aguçar súbito de todas as contradições sociais assim como das contradições inter-imperialistas.
Os apologistas do sistema capitalista, dentre os quais os partidários auto-proclamados do velho PASOK ou os revisionistas, ao reduzirem as causas da crise econômica a uma questão de gestão do sistema, negam ou dissimulam a verdadeira base sobre a qual ela emerge, o próprio capitalismo.
As condições atuais exigem que o processo de tomada de consciência social e política se acelere e, sobretudo, que se exprima pela organização e a luta planificada que abram perspectivas de futuro. É o nível de vida do povo, da classe operária e das famílias com rendimentos modestos que nos preocupam, não os lucros dos capitalistas.
Nossa estratégia é impedir que estas medidas bárbaras sejam impostas na medida em que possamos fazê-lo nas condições atuais, impedir que elas tenham legitimidade na consciência popular, afastar os trabalhadores do PASOK e do ND, bem como das suas políticas, mobilizar e fazer avançar o movimento na via do contra-ataque a fim de reverter a relação de força atual, rumo ao poder popular. Não somos nem indiferentes nem observadores neutros, mas uma vez que a relação de força política não permite uma intervenção eficaz em favor do povo, colocamos a prioridade no movimento social, fora do Parlamento.
Chegou o tempo para uma frente popular e social, para que uma ação política e de massa ganhe forma, ganhe uma forma distinta, desenvolvida a partir das forças militantes existentes que devem ser desmultiplicadas; ou seja, as forças militantes dos operários e dos empregados do privado e do público, dos independentes pobres – artesãos e pequenos comerciantes –, dos camponeses pobres, com um reforço da participação dos jovens, dos filhos da classe operária e das famílias populares, em particular aqueles que estudam e trabalham e estão em programas de aprendizagem, as mulheres e os imigrantes, aqueles que se batem nos domínios da ciência, da arte e da cultura.
Para esta causa, é necessário mobilizar forças com o KKE, pouco importa se os trabalhadores estão de acordo com o KKE sobre tudo, ou se têm interrogações ou pontos de vista diferentes sobre o socialismo.
As premissas de uma tal frente existem hoje como o demonstram a Frente Militante dos Trabalhadores (PAME), a Mobilização grega anti-monopolista dos trabalhadores independentes e dos pequenos comerciantes (PASEVE), a Mobilização militante dos camponeses (PASY), a Frente militante dos estudantes (MAS) e outras formações do movimento. Outras formações emergirão no decorrer do caminho, e inclusive formações do mesmo tipo nos movimentos de massa contra a guerra imperialista, para os direitos individuais e coletivos, democráticos, sindicais e das formações parceiras que agem localmente.
O cerne das lutas permanece nos lugares de trabalho, nas ruas com os pequenos comércios, no campo, nas escolas, nas universidades, nos bairros de imigrados, em todos os bairros operários e populares. A colocação em cheque das novas medidas anti-operárias e inclusive a supressão das convenções coletivas e a promoção dos contratos individuais, a redução imposta do tempo de trabalho, as relações de trabalho flexível, etc, deve ser avançada com força em cada lugar de trabalho.
Os trabalhadores devem modificar a relação de força a partir de baixo e isto deve ser expresso enquanto a luta se desenvolvimento igualmente ao nível político. O povo não deve aceitar pagar todo o tempo, submeter-se a sacrifícios indescritíveis para os lucros dos industriais, dos armadores, dos grandes comerciantes, dos monopólios em geral.
Esta frente popular e social deve ter duas finalidades ligadas entre si:
A primeira é a luta, o que supõe resistir, travar uma guerra de desgaste e solapar estas medidas bárbaras que o governo e seus aliados tentam fazer passar; luta contra um aparelho de que uma parte é o sistema político burguês do país e a plutocracia.
Uma luta de desgaste não é suficiente; algumas pequenas ou maiores vitórias devem também ser obtidas.
Entretanto, a tarefa mais importante da nossa frente deve ser criativa, a de libertar um ponto de vista militante e popular, o optimismo e a dignidade militantes, um patriotismo de classe e o internacionalismo, a ação popular e as iniciativas que podem transformar a frente numa vasta corrente de modificação e de inversão da relação de força.
Esta frente tem uma opção, criativa e realista. Reforçar a proposta alternativa por um poder popular e uma economia popular tendo como palavra de ordem central: socialização dos monopólios, formação de cooperativas populares nos sectores onde a cooperação é possível, planificação nacional sob o controle do povo e dos trabalhadores a partir da base. Provar e demonstrar que as possibilidades de desenvolvimento do nosso país existem sempre, mas que não deve ser perdido um tempo precioso minando-as e destruindo-as ainda mais.
O KKE intensifica seus esforços para difundir as suas propostas políticas, ao mesmo tempo que aumenta a sua presença nas lutas quotidianas.
Sem ilusões
O fato de aceitar o sistema não impedirá a retomada de ser fraca nem uma nova crise cíclica, ainda mais intensa que aquela que experimentamos neste momento. Doravante, o povo deve estar pronto para criar uma ruptura com o sistema e não se tornar uma "Efigênia" [NT] . Não partilhamos a opinião segundo a qual os sacrifícios do povo serão vãos; eles serão bem utilizados para os lucros do capital, irão diretamente para os bolsos dos capitalistas.
A retomada da economia capitalista grega torna-se cada vez mais difícil, mesmo se ela se estabilizar na zona Euro. O recuo na produção manufatureira e na indústria no seu conjunto não poderá ser combatido senão com grande dificuldade.
A gestão da crise seja pela UE seja pelo FMI não pode ultrapassar as contradições da produção capitalista cuja finalidade e o motor é o lucro. Tudo o que surge como um meio de resolver um problema, como por exemplo a dívida da Grécia, pode exacerbar fortemente outros problemas. O afastamento da UE e a desobediência são uma condição prévia para a melhoria da vida do povo. Todo ato de resistência tem valor na medida em que se insira na perspectiva de uma alternativa política. Além disso, reações ou negociações desordenadas não podem servir senão para reforçar o processo de extorsão.
O governo, depois de ter criado as condições que comprometeram os reembolsos e levaram à falência, prosseguiu adiante com o seu plano premeditado para apoiar uma operação que a UE e o FMI executaram na sequência de uma série de incoerências, que permitiram ao FMI penetrar ainda mais profundamente na Europa como o auto-denominado "salvador dos povos".
As estimativas que se referem a uma ruína iminente exageram muito a situação e são utilizadas como uma forma de extorsão.
Nos primeiros momentos, reconhecemos e enfatizamos o fato de que a adesão a esta operação seria uma realidade, o governo encontraria os capitais para tomar emprestado porque nenhum governo burguês ou anti-popular deixaria a sua classe burguesa, o patronato do país, privado de ajuda. O governo grego queria criar um quadro ideal para a extorsão de fundos, o clima perfeito no qual um povo grego tomado de pânico aceitaria facilmente o que já fora decidido há 20 anos.
Naturalmente, as inquietações do governo sobre as condições do empréstimo confrontaram-se com contradições e conflitos reais que nada têm a ver com o povo. A Grécia encontrou-se no centro do ciclone porque a sua enorme dívida foi utilizada pelos países capitalistas em concorrência no seio da UE e também entre os Estados Unidos, a Rússia e a China. A Grécia atraiu a atenção por causa da sua posição e das suas relações com a parte oriental da UE, a Eurásia e mesmo o Extremo Oriente. A Grécia tornou-se o elo fraco para a zona Euro e os interesses do capital europeu, e mesmo além, pois através da Grécia os países concorrentes conduzidos pelo grande capital podem estabelecer ligações com a Europa ocidental peninsular.
Não se trata de uma questão de interesses divergentes entre os povos respectivos. Estes conflitos deveriam conduzir ao avanço da unidade e da ação comum dos povos pois independentemente do país ou da moeda que virá primeiro, o povo perderá e continuará a perder, ao invés de ganhar conquistando novos benefícios.
Quanto à questão da dívida pública, que será tratada por empréstimos directos, articulados com o Pacto de Estabilidade e de Desenvolvimento ou supostamente renegociados internamente, trata-se de uma grande farsa, uma mascarada, uma utopia.
Para começar, a dívida não é apenas uma questão grega. Numerosos países capitalistas, inclusive os desenvolvidos, apresentam uma dívida pública em aumento crescente. Isto não é uma questão de capacidades de gestão como convém aos partidos burgueses e oportunistas apresentá-la.
É o resultado de um declínio progressivo de longo prazo da produção industrial e agrícola com intensificação dos antagonismos ao nível da UE e ao nível internacional.
Por causa da sua dimensão limitada, os ramos industriais que se desenvolveram na Grécia na energia, telecomunicações outros particulares da indústria, não foram capazes de compensar o recuso da indústria no seu conjunto.
A dívida resulta das imensas isenções fiscais concedidas às grandes empresas, do financiamento público do grande capital, das despesas colossais nos programas de armamento da Otan, da concorrência capitalista nas condições da UE, das despesas contra-produtivas para os Jogos Olímpicos.
Da competitividade e das contradições inter-imperialistas, cujas consequências levaram a um agravamento da crise.
O dólar deseja recuperar a posição que desfrutava como moeda de reserva mundial. A desvalorização do Euro beneficia a Alemanha, que é a maior potência exportadora da Europa, num período em que ela perde a sua posição de líder mundial em proveito da China.
Isto tem a ver com os movimentos de capitais que implicam aumentos de lucros aleatórios através dos chamados produtos financeiros de alto risco, ou seja, os prémios de seguros sobre títulos do Estado. Estes movimentos são importantes, contudo não são especulativos no sentido estrito do termo uma vez que estão na lógica do sistema.
Há também a pressão dos capitalista que querem realizar investimentos diretos na Grécia mas pretendem primeiro fazer aprovar medidas contra o mundo do trabalho que foram aplicadas no resto da Europa mas que, na Grécia, foram atrasadas principalmente graças às lutas populares que o KKE impulsionou e apoiou. Estes capitalistas querem acabar com a prática das profissões fechadas, criar as condições necessárias para tomar posse de novos domínios de atividades em detrimento das classes médias, nos setores em que os poderosos monopólios ainda não foram capazes de assentar a sua dominação: a construção, os transportes, as atividades farmacêuticas, etc.
Contradições que exprimiram também entre o capital americano, árabe, chinês e russo que adquiriram posições na economia grega, enquanto país intermediário e trampolim para a sua entrada no mercado internacional.
As propostas do KKE
- Frente anti-imperialista, anti-monopolista e democrática – Poder e economia popular
- O povo grego deve optar entre duas vias de desenvolvimento para a sua sociedade: a que é seguida atualmente e aquela pela qual deve lutar.
- Sustentamos, com fatos e provas a apoiar, que a Grécia, apesar dos desgastes sérios e arrasadores que atingiram certos setores e que são devidos à dominação do capital e à concorrência entre monopólios, tem as condições prévias para constituir e desenvolver uma economia popular autónoma.
- Os acontecimentos negativos dos últimos 20 anos em certos ramos da produção industrial e na economia agrícola podem ser revertidos sob condições políticas, econômicas e sociais diferentes. Não é demasiado tarde.
- A Grécia tem um nível satisfatório de concentração da produção, meios de produção, uma rede comercial densa e um nível bastante elevado de desenvolvimento nas tecnologias modernas. Tem uma mão-de-obra consequente, experimentada, com um nível de educação e uma especialização avançadas em relação às gerações anteriores, e uma mão-de-obra importante no domínio científico.
- Ela tem recursos naturais valiosos produtores de riquezas, importantes reservas de riquezas minerais, que são um trunfo na produção industrial e na produção de bens de consumo.
- Ela tem a grande vantagem de poder assegurar uma produção alimentar suficiente tanto para responder às necessidades do povo como para exportar. Tem capacidades para produzir produtos modernos, máquinas, ferramentas e aparelhos.
- A fim de que uma economia popular possa existir para todos, devemos encontrar uma solução para o problema da propriedade, para satisfazer as necessidades do povo e não as necessidades do lucro.
- Não há senão uma única escolha: uma mudança nas relações sociais de propriedade historicamente ultrapassadas que determinam igualmente o sistema político e referem-se aos meios de produção fundamentais e concentrados nos seguintes domínios: energia, telecomunicações, riquezas minerais, minas, indústria, distribuição da água, transportes.
- A socialização do sistema bancário, do sistema de mineração, de transporte e de gestão dos recursos naturais; o comércio exterior e uma rede centralizada para o comércio interno; habitações para o povo, a investigação assim como a difusão democrática da informação junto ao povo.
- Um sistema de educação, de saúde e de segurança social exclusivamente público, universal e gratuito.
- Consideramos que pode haver domínios que não serão incluídos numa socialização completa, nacional e universal. Em complemento do setor socializado, poderia ser formado um setor das cooperativas de produção pelas pequenas explorações agrícolas, os pequenos comércios nos ramos em que a concentração é fraca. A sua participação nas cooperativas deverá ser compreendida como uma escolha vantajosa, baseada na experiência vivida na arena dos monopólios.
- Os setores socializados assim como os cooperativos – de produção e de consumo – deverão ser incluídos num sistema econômico de planificação e de administração centralizada e nacional a fim de que todos os meios de produção e toda mão-de-obra possa ser mobilizados, a fim de que toda forma possível de cooperação econômica internacional possa ser utilizada na base de intercâmbios mutuamente vantajosos. A produção nacional e os interesses dos trabalhadores serão protegidos de toda repercussão possível que emergisse das necessidades do comércio exterior.
- A planificação central é necessária a fim de formular objetivos e opções estratégicas, determinar das prioridades entre ramos e setores, determinar onde os meios e as forças deverão ser concentrados. A execução desta planificação necessita uma distribuição por ramo e por setor e, antes de tudo, o controle da gestão pelos trabalhadores em cada unidade e serviço de produção, em cada órgão administrativo.
- O governo, enquanto órgão do poder popular, será obrigado a assegurar a participação do povo nesta tarefa completamente nova e totalmente desconhecida que é apoiar o movimento popular, apoiá-lo e ser por ele fiscalizado no seio das novas instituições de controle social dos trabalhadores.
- O desenvolvimento da sociedade por planificação centralizada é uma necessidade que emerge das exigências do nosso tempo, acima de tudo das exigências da humanidade que é a primeira força produtiva. A necessidade de satisfazer os consumos modernos diversificados dos trabalhadores, a necessidade de desenvolver os meios de produção, de desenvolver a ciência e a tecnologia nos interesses do povo fazem da planificação centralizada uma necessidade vital.
- O poder popular encoraja os acordos e intercâmbios comerciais inter-estatais, os acordos para a utilização do conhecimento e das tecnologias baseados nos interesses mútuos.
- A dívida pública será reexaminada, sob o poder popular, tendo como principal critério os interesses do povo.
- Logo no princípio, o poder popular deverá enfrentar uma reação organizada, interna e internacional. A UE e a NATO, os acordos com os Estados Unidos, não deixam muita margem de manobra aos Estados membros da UE.
- Resolver este problema retirando-se da UE é inevitável tendo como objetivo um desenvolvimento autônomo, popular e uma cooperação nos interesses do povo.
- É necessário intensificar a nossa atividade na base da luta contra estes problemas.
- Lutamos sem tréguas por avanços imediatos em favor dos trabalhadores e continuaremos a lutar para que medidas possam ser impostas pela potência do movimento, medidas que diminuiriam a gravidade destes problemas e aliviariam o povo.
- Temos desenvolvido posições e reivindicações para cada problema e questões isoladas que têm surgido. Contudo, doravante isto não é suficiente. Uma proposta alternativa de progresso é necessária a fim de que a luta tenha uma finalidade, um objetivo, um sentido e finalmente possa exercer pressões suplementares em todas a fases da mesma.
[*] Secretária-geral do Partido Comunista Grego (KKE)
[Nota do tradutor] Efigénia: Personagem da Ilíada. Filha de Clitemnestra e Agamenon, o líder da coligação grega antes e durante a guerra de Tróia. O pai decidiu sacrificar a filha a fim de apaziguar a deusa do vento (Artemis) e permitir que a sua frota, imobilizada numa calmaria, pudesse singrar.
O original encontra-se em http://fr.kke.gr/news/2010news/2010-05-14-proposalkke
Este comunicado encontra-se em http://resistir.info/.