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Corporações tomaram conta dos hospitais públicos, diz Temporão

Há três anos no cargo, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, aponta avanços no setor, mas não alimenta mais a expectativa de impor atendimento de Primeiro Mundo nos hospitais públicos do Brasil. “Nosso atual modelo da Saúde, baseado na administração direta, não funciona para prestar serviço de qualidade para o povo”, afirma o ministro, em entrevista à revista IstoÉ. “Muitos hospitais públicos estão privatizados por interesses corporativos.”

Temporão até hoje não assimilou o que considera um dos maiores golpes na Saúde: a extinção da CPMF, o imposto do cheque. “A perda dos R$ 40 bilhões da CPMF foi dramática”, diz. “Sem dinheiro novo, não vamos resolver o problema da Saúde.” Ele aconselha o próximo presidente da República a planejar logo no início do mandato o financiamento da Saúde.

Entre as iniciativas positivas de sua administração, Temporão se mostra satisfeito por ter sugerido a criação de fundações estatais de direito privado para administrar os hospitais. Comemora também o índice de vacinação contra a gripe suína que supera o de países europeus. “A sociedade brasileira está protegida da gripe”, garante. Confira abaixo trechos da entrevista.

IstoÉ: O Ministério da Saúde sempre foi criticado pela má gestão. O problema persiste?
José Gomes Temporão: Economizamos nos últimos três anos R$ 800 milhões comprando melhor, fazendo pregão, negociando com os fornecedores. Nessa área a gente avançou muito. O Ministério não fazia concurso público desde 1981, era tudo terceirizado. Contratamos 15,5 mil pessoas por concurso.

IstoÉ: Muitas vezes o atendimento depende de hospitais administrados por estados e municípios. E não funciona. Como o sr. vê isso?
Temporão: A Saúde no Brasil é construída cotidianamente a seis mãos. As ações de serviço, a gestão dos hospitais, isso é executado pelos municípios, principalmente. Acredito que nosso atual modelo, baseado na administração direta, rígido, que pode funcionar muito bem para o nível central de um ministério, para a Receita Federal, para a Polícia Federal, não funciona para prestar serviço de qualidade. Eu não posso demorar um ano e meio para contratar um neurocirurgião. O povo não pode esperar por atendimento. Por isso lancei a proposta das fundações públicas de direito privado.

IstoÉ: Mas a proposta não passou pelo Congresso.
Temporão: É verdade. Mas o que me consola e me anima é que muitos estados assumiram essa proposta. Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, Pernambuco, Distrito Federal, Espírito Santo, entre outros, adotaram essas e outras estratégias semelhantes. Você tem muitas iniciativas de organização social e de fundação estatal. E isso, com certeza, leva a uma gestão mais profissionalizada, mais imune a pressões políticas.

IstoÉ: Muita gente dizia que isso seria privatização da saúde pública.
Temporão: É um engano total. O problema é que hoje muitos hospitais públicos estão privatizados por interesses corporativos. Prevalecem interesses de corporações em vez do interesse da população. Este é o jogo. Quando a gente lança uma ideia de fundação estatal de direito privado, é um ente público. Ela é obrigada a atender ao SUS 100%, gratuitamente. Você trabalha em cima de metas e indicadores. E há um contrato de gestão, essa organização passa a ser avaliada o tempo todo. Hoje, nos hospitais públicos que ainda operam na maneira antiga, a avaliação é zero.

IstoÉ: Em Brasília, o Ministério Público desconfia que o sistema público foi sucateado para repassar clientela para os hospitais privados. Há essa política nos estados?
Temporão: Eventualmente, pode existir. Às vezes, interesses políticos, interesses específicos na ponta, podem levar a distorções desse tipo. Mas a Constituição brasileira é muito clara: você só pode contratar serviços privados depois de esgotada a capacidade de atendimento do setor público.

IstoÉ: Por sinal, o sr. reclamou do fim da CPMF, que reduziu o orçamento anual em R$ 40 bilhões.
Temporão: A perda dos R$ 40 bilhões foi dramática. Imagine se hoje o Ministério tivesse R$ 40 bilhões a mais no seu orçamento? O que significa isso? Significa que posso reduzir as desigualdades regionais, aumentar a oferta a determinados serviços, remunerar melhor os profissionais, capilarizar essa rede.

IstoÉ: Muita gente que paga plano de saúde diz que nem assim recebe atendimento na hora que precisa. O que se pode fazer?
Temporão: A ANS toma medidas para mudar esse quadro e acabou de determinar a incorporação de mais 70 procedimentos. Todos os planos são obrigados a prestar esses novos serviços. Não podemos correr o risco de acontecer o mesmo que nos Estados Unidos. Lá o Obama teve de intervir para fazer uma reforma porque o sistema americano é o mais caro do mundo, gasta mais e é o mais ineficiente.

IstoÉ: Os três candidatos à Presidência estão preocupados com o financiamento da Saúde.
Temporão: E isso é um problema que tem de ser atacado logo no início do próximo governo. A economia brasileira está crescendo muito, vamos ter recursos adicionais, que poderão ser alocados na área da saúde. Existe uma grande discussão sobre impostos adicionais para indústrias que causam danos à saúde, cigarro, bebida.

IstoÉ: O que o sr. recomenda ao cidadão brasileiro para manter a saúde em dia?
Temporão: Cigarro, nem pensar. Está envolvido com 200 doenças e causa 200 mil óbitos por ano no Brasil. A bebida abusiva também pode causar problemas de saúde graves, mentais, orgânicos, cardíacos, hepáticos e vasculares.

IstoÉ: O sr. também aconselhou os brasileiros a fazer mais sexo para evitar a hipertensão. Como foi a repercussão?
Temporão: A receptividade foi muito boa. É um tema que muita gente leva na brincadeira, mas eu levo para o lado positivo. Nunca se discutiu tanto a hipertensão arterial, que é uma doença silenciosa e mata muito. E é claro que quando eu falei para fazer sexo cinco vezes por semana eu não estava querendo fazer nada prescritivo. Cada casal tem o seu ritmo, mas eu quis chamar a atenção para a importância do sexo como um componente fundamental na felicidade e na manutenção de um corpo e uma mente saudáveis.

IstoÉ: O sr. disse que a Funasa é um órgão corrupto. É preciso mudar esse quadro?
Temporão: Tem que mudar tudo. Com a descentralização do sistema de saúde, em que os municípios assumiram esse papel que era da Sucam e da Fundação Sesp, a Funasa ficou sem um objeto claro. O que ela cumpre hoje é insuficiente para dar conta do seu tamanho, do gasto que o povo brasileiro tem com essa fundação. Ela tem que ser refeita. Temos 500 municípios no Brasil sem médicos, sem enfermeiros. Por que a Funasa não assume esse desafio de levar saúde pública de qualidade para as áreas remotas, de difícil acesso? A ideia da criação de uma força nacional de saúde para enfrentar epidemias, catástrofes naturais, enchentes, deslizamentos, composta por médicos, enfermeiros, sanitaristas, que pudesse se deslocar para qualquer ponto do Brasil, é uma boa alternativa para a Funasa.

IstoÉ: Há alguma ação que o sr. lamenta não ter conseguido implantar em sua gestão?
Temporão: A regulamentação da Emenda 29, que não depende do ministro, mas do Congresso Nacional. Ela discute o gasto total em Saúde, principalmente a participação do governo federal. Como a emenda não foi regulamentada, o meu orçamento é corrigido anualmente através da variação nominal do PIB.

IstoÉ: O frio começa agora. A população pode ficar tranquila quanto à gripe suína?
Temporão:A sociedade brasileira está protegida da gripe. Estamos erradicando. Em relação ao H1N1, a vacinação, este ano, vai fazer toda a diferença. Os Estados Unidos vacinaram 23% da população. A Suíça vacinou 17%. Aqui chegamos a 42% da população, muito mais do que nos países da Europa. A gente deu show.

Da Redação, com informações da IstoÉ