A face visível do movimento pacífico palestino
Ayed Morrar é um homem tranquilo, de baixa estatura, com olhos amáveis, mas intensos, que olham o mundo através de seus óculos de arame. Seu rosto se converteu na face da resistência palestina não violenta. Morrar é o personagem principal do documentário “Budrus”, de 2009, que narra a permanente resistência pacífica dessa aldeia da Cisjordânia ao muro de “segurança” construído por Israel em seu território histórico.
Por Ellen Massey, na agência IPS
Publicado 06/07/2010 17:13
No filme, produzido pela organização Just Vision, com sede em Jerusalém e Washington, podem ser vistas dezenas de bandeiras palestinas nas mãos de manifestantes que descem de morros rochosos em direção de onde havia soldados e tratores israelenses. Também podem ser vistas as raízes retorcidas de uma antiga oliveira, arrancadas por uma pá mecânica, e os rostos dos manifestantes, alguns infantis, outros curtidos ou bronzeados, mas todos orgulhosos, desafiantes e determinados a não serem expulsos de suas terras.
A força do documentário está no fato de não mostrar as típicas imagens da resistência palestina divulgadas pela mídia ocidental. Os meios de comunicação se alimentam com imagens de homens mascarados, combatentes do Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) com panos verdes e jovens magros jogando pedras contra tanques israelenses. Por outro lado, os relatos da “coragem sem armas”, como são chamados pela produtora-executiva de “Budrus”, Ronit Avni, não aparecem em primeiro plano.
O legislador estadunidense do governante Partido Democrata, Brian Baird, aplaudiu o chamado à não violência, incluída na declaração do presidente Barack Obama, em seu discurso feito no Cairo em junho de 2009 (“os palestinos devem abandonar a violência”). “É preciso um líder como o indiano Mahatma Ghandi (1869-1948) ou o estadunidense Martin Luther King (1929-1968)”, disse Baird. “Creio que se está diante de um”, acrescentou, referindo-se a Morrar.
Baird e o legislador democrata Keith Ellison participaram de uma das apresentações do filme a poucas quadras do Capitólio, sede do Congresso, sentados ao lado de Morrar, Avni e da diretora do documentário, Julia Bacha. Os dois legisladores distribuíram cópias do filme na Câmara de Representantes. “Não sei se convencemos alguém, mas não vamos parar”, disse Ellison.
Ele e Baird têm um papel ativo no conflito palestino-israelense. Ambos votaram contra uma resolução da Câmara de Representantes condenando o informe Goldstone e participaram da primeira delegação do Congresso que viajou a Gaza depois dos ataques israelenses entre 27 de dezembro de 2008 e 18 de janeiro de 2009.
O juiz Richard Goldstone dirigiu uma investigação sobre os crimes de guerra cometidos pelo exército de Israel durante a Operação Chumbo Derretido, que matou 1.400 pessoas e deixou mais de cinco mil feridos, a maioria civis. Os dois legisladores são elementos essenciais da estratégia de divulgação de “Budrus” e de sua mensagem. O filme fez sucesso no Festival Internacional de Berlim e no de Silverdocs, em Washington, na semana passada, mas os realizadores não conseguiram uma distribuição maciça nos Estados Unidos. É um assunto delicado, explicou Avni. “Vão nos atacar por todos os lados”, reconheceu.
A divulgação do documentário coincide com a atenção que atualmente o conflito palestino-israelense, que já dura 60 anos, concentra. A pressão pela situação nos territórios palestinos é cada vez maior. Pode-se ver no desacordo do presidente Barack Obama com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, quanto aos assentamentos judeus na Cisjordânia, até o ataque das forças israelenses contra os ativistas do barco Mavi Marmara, que em 31 de maio tentou romper o bloqueio imposto a Gaza.
Cada vez há mais expressões não violentas de protesto contra as políticas israelenses nos territórios palestinos. Algumas delas são as manifestações contra a expansão de assentamentos judeus no bairro de Xeque Jarrah, em Jerusalém oriental, e os contínuos protestos contra o muro na Cisjordânia nas localidades de Bil’in e Na’alin, até as cinco flotilhas humanitárias que precederam a de final de maio. Há protestos com certo êxito. As manifestações em Budrus conseguiram convencer os israelenses a desviar o muro e fazê-lo passar muito mais perto da Linha Verde, liberando 95% do território do povoado. Mas, outras não.
Os protestos semanais feitos em Xeque Jarrah, desde novembro, não conseguiram impedir o início, na semana passada, da construção de casas para judeus. Como demonstra o documentário, os movimentos pacíficos conseguem unir os manifestantes desarmados e a cobertura da mídia e oferecem uma visão multifacetada de todo o conflito. “Agora vemos outro tipo de israelenses”, disse Morrar, em referência aos ativistas que protestaram com eles em Budrus.
Também houve manifestação de cidadãos estadunidenses, em Budrus e outras localidades próximas ao muro. Morrar disse que estão “orgulhosos” dos estadunidenses que deram seu apoio. O aspecto mais importante do documentário é, sem dúvida, Morrar, com sua voz suave e clara, sentado diante de muitas pessoas, a milhares de quilômetros do povoado que tanto luta para salvar, e os realizadores do filme. Trata-se apenas de um povo, apenas um homem, mas dá cara e voz a um movimento frequentemente ignorado. “Budrus” estreará em Ramalá e Jerusalém nesta semana.
Fonte: IPS