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"O bem amado" é novela na tela grande

O que é o que é? Tem Marco Nanini, Andréa Beltrão e Tonico Pereira no elenco, tem humor, mas não é A grande família? É um remake da obra de um renomado dramaturgo brasileiro, um espetáculo de direção de arte e estreia esta semana, mas não é Ti-ti-ti?

Por Marcos Toledo, no Jornal do Commercio

Se você pensou em novela, acertou. Em parte. Dirigida por Guel Arraes, a adaptação para o cinema da peça original de Dias Gomes O bem amado chega à tela grande sem muito mais a oferecer além do que o espectador já está acostumado a ver na telinha.

O bem amado, o filme é a mais recente adaptação da peça Odorico, o bem amado, os mistérios do amor e da morte, de Dias Gomes, que tinha Procópio Ferreira como protagonista e foi transformada em minissérie e novela da Rede Globo nas décadas de 70 e 80. Revisitada em pleno século 21, tornou-se uma faca de dois gumes.

A começar pela figura do protagonista, o prefeito Odorico Paraguaçu, imortalizado na TV pelo ator Paulo Gracindo, um tipo cínico coronelão de autofé em seu próprio estilo de fazer política e de administrar sua cidade, a pequena Sucupira. Na nova versão, entra em sua pele o não menos talentoso Marco Nanini, a quem parece haver sido encomendado não se desvencilhar dos maneirismo de seus recentes personagens histriônicos da telinha.

A trama, ambientada nos anos 60 – o que torna até certo ponto possível crer nos indisfarçáveis desmandos político-administrativos do viúvo Odorico e de seus asseclas –, foi montada de modo a servir como uma metáfora caricaturesca do Brasil atual, no tocante aos mandos e desmandos, o que se por um lado graceja, também recai na obviedade. No último meio século a realidade se aperfeiçoou e consegue ser mais tragicômica do que a ficção.

O tom farsesco ou de vaudeville, como pretendem os realizadores, domina o desenvolvimento da história. Os diálogos de Odorico, flipando o led dos decibéis, fazem coro com os das irmãs Cajazeiras – agora vividas por Andréa Beltrão (Dulcinéa), Drica Moraes (Judiceia) e Zezé Polessa (Dorotéa) – que se esforçam para dar o tom picante do enredo, embora esta função seja melhor desempenhada por Maria Flor. Engrossam o coro ruidoso Tonico Pereira, que interpreta Wladymir, o dono do único jornal da cidade e arquirrival de Odorico, e Matheus Nachtergaele no papel de Dirceu Borboleta, o fracote braço direito do prefeito.

As pausas na balbúrdia da corte ficam por conta das sequências românticas do narrador da história, o jovem idealista Neco Pedreira vivido por Caio Blat, que se apaixona pela desinibida filha do prefeito (a supracitada Maria Flor), Violeta, em evidente recurso shakespeariano, e das cenas de contraponto, que seriam as de maior tensão, encarregadas ao matador Zeca Diabo interpretado por José Wilker, calcado em um Antônio das Mortes meio atrapalhado.

Em meio a um emaranhado de esquetes que parecem se repetir ad infinitum, a trama, que versa sobre a intenção de Odorico de transformar a inauguração de um cemitério em sua principal plataforma política – o que não ocorre, a princípio, por falta de defunto –, acaba diluída em um resumo de uma novela, que a rigor parte de uma estrutura bem amarrada e se esfacela em uma sucessão de situações relacionadas à força.