Referendo egípcio expõe polarização religiosa
A primeira eleição livre da história recente do Egito, realizada no dia 19 para referendar reformas de alguns artigos da Constituição, contou com esmagador apoio popular, além de funcionar como agente polarizador da opinião pública.
Por Adam Morrow e Khaled Moussal al-Omrani, na agência IPS
Publicado 26/03/2011 12:07
“O entusiasmo com que as pessoas participaram do referendo mostrou que o espírito da revolução de 25 de janeiro está vivo”, afirmou um comunicado divulgado no dia 21 pela Coalizão para a Revolução Juvenil. No dia 25 de janeiro começaram manifestações maciças pedindo democratização, que desembocaram, em 11 de fevereiro, na saída do presidente Hosni Mubarak (1981-2011). “Porém, as eleições foram marcadas por certo grau de polarização e divisão religiosa que ameaçam a unidade nacional, que foi marca característica da revolução”, também constava no comunicado.
As reformas constitucionais aprovadas – que incluem mudanças em oito artigos, adição de dois novos e eliminação de um – foram concebidas para liberalizar o processo eleitoral. Entre outros aspectos, são facilitados os requerimentos para candidaturas presidenciais, se estabelece que o presidente não poderá governar mais do que dois mandatos e o processo eleitoral é colocado sob supervisão judicial. As eleições parlamentares serão em junho e as presidenciais em agosto. O novo artigo constitucional determina ao próximo parlamento que sair das urnas a formação de um comitê de cem membros para redigir uma nova Constituição no prazo de seis meses.
Os resultados do referendo indicam que 14 milhões de cidadãos (77% dos que votaram) aprovaram as reformas, enquanto meio milhão de eleitores, ou 23% do total, as rejeitaram. O comparecimento às urnas também foi extraordinário para o Egito: 41% dos 45 milhões de eleitores. Nas eleições parlamentares de 2010, caracterizadas por fraude, votaram menos de 10% da população.
“Nos últimos 20 anos, fui votar, mas com a consciência intranquila”, disse à IPS Mohammad Salem, funcionário público de 55 anos que supervisionou a eleição em uma seção do Cairo. “Mas com este referendo senti, pela primeira vez, que fazia algo de bom para o país”, acrescentou. Segundo analistas políticos, a maioria dos que votaram contra o fizeram porque querem uma Constituição completamente nova, enquanto os que apoiaram as emendas querem preservar o artigo segundo da Carta Magna, que diz que “o Islã é a religião do Estado” e que a lei islâmica constitui “a principal fonte da legislação”.
“Votamos contra as reformas porque queremos uma nova Constituição”, disse à IPS o diretor do Instituto de Estudos em Direitos Humanos do Cairo, Bahy Eddin Hassan. “A atual Constituição dá ao presidente poderes absolutos e reduz o parlamento a uma mera vitrine, sem importar quem exerce a maioria”, afirmou. Bahy criticou também o comitê eleito para redigir as reformas, que “não permitiu um debate nacional sobre a natureza das mudanças nem deu tempo suficiente (menos de um mês) para discussão e entendimento dos assuntos complexos que envolviam”.
Como a maioria dos que votaram contra, Bahy preferiria que as eleições demorassem pelo menos um ano para permitir que os partidos se estabeleçam e promovam suas plataformas políticas. Tal como estão as coisas, a Irmandade Muçulmana representa, hoje, a única força política com capacidade de organização necessária para competir com sucesso nas eleições nacionais.
Hafez Abu Saeda, presidente da Organização Egípcia pelos Direitos Humanos, com sede no Cairo, acredita que a religião teve “um papel preponderante” na forma como as pessoas votaram no referendo. “Os que apoiaram as reformas representam principalmente a tendência islâmica, enquanto os que votaram contra são majoritariamente cristãos coptos e laicos”, disse Hafez à IPS.
A afirmação é corroborada ao se conversar com os eleitores. Hafez Lutfi, de 33 anos e membro da ala juvenil da Irmandade, votou, como seus amigos, “mais para preservar o artigo segundo”, disse à IPS. “Quando os cristãos se mobilizaram contra as mudanças propostas para ‘evitar que os muçulmanos tomem o país’, e as igrejas colocaram fieis em ônibus rumo aos locais de votação, muitos islâmicos reticentes em participar foram em massa apoiar as reformas”, afirmou.
Fonte: Envolverde