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Kassab e Chalita enfrentam guerra jurídica para mudar de partido

Epicentro da criação de um partido, o PSD, a política paulista se vê às voltas com uma espécie de estouro da boiada, na qual a mudança de sigla empolga descontentes. Dos seis vereadores da capital que anunciaram a debandada do PSDB, quatro não irão para o partido do prefeito Gilberto Kassab. Negociam com PMDB, PSB e PV. Outro vereador, do DEM, também não vai para o PSD.

Já o deputado federal Gabriel Chalita faz as malas e caminha para o PMDB, onde pretende ser candidato à Prefeitura paulistana. Todos alegarão que sofreram "grave discriminação pessoal", uma das quatro justificativas aceitas pelo TSE. Mas o que a Justiça Eleitoral tem caracterizado como discriminação? Quais as provas necessárias para escapar da cassação por infidelidade partidária?

Os vereadores, ligados a Kassab e ao ex-governador tucano José Serra, confiam na gravação de um vídeo — até agora não divulgado — da tumultuada convenção do PSDB na qual alegam ter sofrido ameaças de violência física do grupo ligado ao governador Geraldo Alckmin. Serristas e alckmistas travam uma guerra nos bastidores do PSDB paulista desde que, na eleição de 2008, Alckmin se candidatou a prefeito, mas vereadores ligados a Serra decidiram apoiar a reeleição de Kassab.

Para os serristas, Alckmin hoje está executando um plano de vingança. Para os alckmistas, a troca de comando faz parte do jogo e comparam a facção rival a atletas que se recusam a ir para o banco de reservas. Na convenção tucana, representantes do governador ocuparam os principais cargos do diretório municipal.

Para um advogado eleitoral, que prefere o anonimato, a saída dos vereadores para outros partidos "dá uma boa defesa", pois, além do vídeo, haveria evidências consideráveis, como reportagens na imprensa, que podem ajudar a justificativa de discriminação pessoal. Já o caso de Gabriel Chalita, convidado pelo vice-presidente da República, Michel Temer, para ingressar no PMDB, seria mais difícil, "por parecer oportunismo".

Chalita não protagonizou qualquer episódio de conhecimento público no qual teria sido vítima do PSB. Seu retrospecto de infidelidade também não ajudaria. Seria a segunda mudança de partido do parlamentar — que saiu do PSDB em 2009 — em plena vigência da resolução do TSE, estabelecida em 2007. Chalita teria pouco a invocar já que a ida para o PMDB em busca de uma agremiação maior para se candidatar à Prefeitura refletiria uma troca para "galgar espaço político".

Mesmo que alegasse dificuldades de obter legenda no PSB para concorrer ao mandato de prefeito, o deputado encontraria barreiras em sua defesa. Segundo o TSE, "a jurisprudência do tribunal é no sentido de que a eventual resistência do partido à futura pretensão de o filiado concorrer a cargo eletivo ou a intenção de viabilizar essa candidatura por outra agremiação não caracterizam justa causa para a desfiliação partidária, pois a disputa e a divergência interna fazem parte da vida partidária".

Já os vereadores guardam como principal arma contra a devolução dos mandatos a gravação de um vídeo da convenção municipal do PSDB. Nele, de acordo com o relato de um parlamentar, Rosalvo Salgueiro, aliado de Alckmin, aparece exigindo que os vereadores ligados a Serra e Kassab se purifiquem e fiquem de joelhos para pedir perdão por terem traído o partido em 2008.

Outro diz que eles deveriam tomar "tapa na bunda". Numa declaração atribuída a João Câmara, mas não gravada, o ex-presidente do PSDB municipal teria dito que os vereadores tinham que ser tratados "a peixeirada". "Nosso caso é totalmente diferente do Chalita. Era insuportável. O partido não nos queria mais", afirma o vereador Juscelino Gadelha, que pretende voltar para o PMDB, ao qual esteve filiado desde 1979 até entrar no PSDB em 2003.

Dos outros cinco vereadores tucanos, dois devem ir para o PSD de Kassab — Souza Santos e o presidente da Câmara, José Police Neto —, um para o PSB — Ricardo Teixeira —, e dois tendem para o PV, Gilberto Natalini e Dalton Silvano. Há ainda Carlos Apolinário, que está de saída do DEM, e embora não tenha definido para onde vai, diz que não se filiará ao PSD, o que lhe daria maior segurança jurídica.

Natalini afirma que não tem aflição nem temor de o PSDB reivindicar o mandato. "Me sinto aliviado de me livrar dessa facção. O motivo é forte para quem fundou o partido. Tenho tudo documentado se pedirem o mandato".

No entanto, mesmo no caso dos vereadores, a troca de partido pode ser interpretada como infidelidade. Arnaldo Versiani, ministro do TSE, afirma que o conceito de discriminação pessoal é muito "difícil". "Por isso, na resolução, é precedido da palavra 'grave'. Mas mesmo gravidade é subjetivo. O que pode ser grave para um, pode não ser para você", argumenta.

O ministro diz que, apesar de algumas jurisprudências, como a prerrogativa do partido em decidir quem serão seus candidatos — contra a justificativa de políticos que alegam não obter legenda —, não há parâmetros para balizar as decisões. Versiani participou do julgamento que manteve o mandato do deputado federal de Santa Catarina Gervásio Silva, que trocou o DEM pelo PSDB, em 2007.

À época, uma peça de defesa importante foi a desproporção de recursos recebidos pelo deputado em relação a outro nome do partido que também concorrera à Câmara, no ano anterior. Enquanto o concorrente havia recebido R$ 450 mil do PSDB para a campanha, a Gervásio teriam sido destinados R$ 150 mil.

Versiani ressalta que esse dado foi analisado num conjunto de evidências e que não há como apontar um único parâmetro como definidor de discriminação pessoal. "Não é possível estabelecer que um partido discriminou porque financiou outro candidato com o dobro ou o triplo de recursos".

O ministro rebate a ideia de que o TSE seria mais condescendente do que os TRE's nos julgamentos por infidelidade partidária. "O TSE recebe poucos processos em relação aos TRE's", diz.

De fato, o universo de vereadores, deputados estaduais, prefeitos e governadores — da alçada dos tribunais regionais — é bem maior que o de deputados federais e senadores. Resta saber se a taxa de punição seria menor. Desde 2007, em 32 processos no TSE, apenas dois parlamentares (6%) foram condenados, sendo que um recorreu e conseguiu concluir o mandato.

Nos TRE's, a variação é grande. Mas em São Paulo, de 932 processos, foram cassados 45 vereadores e um deputado estadual (5%). Por esse retrospecto, Chalita e os sete vereadores teriam as mesmas boas chances de se safarem.

Da Redação, com informações do Valor Econômico