A polêmica do ensino de português: Língua oral e escrita
Antes de ler e escrever, falamos. A fala requer longo aprendizado. A boca existe prioritariamente para comer. Primum vivere. Aos poucos, desenvolvemos essa habilidade secundária de adaptar a boca, lábios, dentes e língua, para a emissão de sons inteligíveis, distintivos, que vão compor as palavras. No convívio social, os mais velhos ensinam aos mais jovens as regras de combinação das palavras, isto é, as regras básicas de sintaxe.
Por Zenir Campos Reis *
Publicado 27/05/2011 12:50

A língua oral é econômica e tende à simplificação. Em português, por exemplo, a marca mais comum do plural é o “s” no final das palavras. Se esse fonema está presente no artigo fica entendido que estamos falando de mais de um objeto: o livro, os livro(s), um ou mais de um.
Em outras línguas, o francês por exemplo, o “s” do plural nem é pronunciado: le livre, les livre(s). A marca do plural está presente apenas na diferença que a língua oral estabelece entre /le/ e /les/. Existem linguistas que consideram a repetição da marca do plural uma espécie de pleonasmo, de repetição dispensável. Lembremo-nos da bela canção de Dorival Caymmi, “O bem do mar”, que começa assim:
Um bem na terra,
Um bem no mar (bis)
A língua portuguesa, língua latina, proveio não do latim erudito, mas do chamado “latim vulgar”, o latim oral, falado por soldados e colonos iletrados ou pouco letrados. Um escritor de origem húngara, Paulo Rónai, grande conhecedor de línguas, quando tomou contato com a língua portuguesa, diz que lhe parecia um latim falado por pessoas desdentadas. Possivelmente era uma impressão verdadeira. Com certeza eram iletrados, pessoas “simples”, mais ou menos sinônimo de pobres. Muitos deles, desdentados.

A disciplina gramatical costuma vir das camadas letradas, muitas vezes associadas ao poder político, isto é, às normas adotadas pelas autoridades políticas e transformadas em acordos, tratados, normas, transmitidos via ministérios, academias, escolas oficiais.
A realidade da língua viva é muito mais complexa e indisciplinada, porque a letra, que fixa a língua oral depende da alfabetização que não é universal, nem neste país nem em muitos outros países, mesmo do mundo dito desenvolvido. Uma longa conversa, como se vê.
* Zenir Campos Reis é graduado em Letras pela Universidade de São Paulo (1970); doutor Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (1980); pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris) (1990-1991)
Abaixo, o Vermelho publica a letra de duas músicas que têm relação com o texto acima. A primeira, O bem do mar, de Dorival Caymmi, é citada no artigo. Já a segunda, Jorginho do Sertão, de Cornélio Pires, mostra um pouco do dialeto caipira.
O bem do mar
Por Dorival Caymmi
O pescador tem dois amor
Um bem na terra, um bem no mar
O bem de terra é aquela que fica
Na beira da praia quando a gente sai
O bem de terra é aquela que chora
Mas faz que não chora quando a gente sai
O bem do mar é o mar, é o mar
Que carrega com a gente
Jorginho do Sertão
Por Cornélio Pires
O Jorginho do Sertão
Rapazinho de talento
Numa carpa de café
Enjeitô treis casamento
Logo veio o seu patrão
Cheio de contentamento
(tenho treis filhas "sorteira que
Ofereço em casamento)
Logo veio a mais nova
Vestidinho cheio de fita
Jorginho case comigo
Que das treis
Sô a mais bonita
Logo veio a do meio
Vestidinho cor de prata
Jorginho case comigo
Ou então você me mata
Logo veio a mais véia
Por ser mais interesseira
Jorginho case comigo
Sou a mais trabaiadeira
Jorginho pegou o cavalo
Ensilhô na mesma hora
Foi dizê pra morenada
Adeus que eu já vou me embora
Na hora da despedida,
Ai, ai, ai
É que a morenada chora
Ai, ai, ai
O Jorginho arresorveu
É melhor que eu mesmo suma
Não posso casá cum as treis, ai
Eu num caso cum nenhuma