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Pedro Benedito Maciel Neto: Mãos Limpas ou Macartismo?

Tudo que está acontecendo em Campinas, Taboão da Serra e noutras cidades do estado de São Paulo nos lembra a Operação Mãos Limpas ou Mani pulite, mas pode nos remeter, em certa medida, ao macartismo, em se verificando que há uma certa seletividade das operações, como se comenta em alguns meios.

Por Pedro Benedito Maciel Neto*

A operação mãos limpas foi uma investigação judicial de grande envergadura que aconteceu na Itália e que visava esclarecer casos de corrupção durante a década de 1990, na sequência do escândalo do Banco Ambrosiano em 1982, que implicava a Mafia, o Banco do Vaticano e a loja maçónica P2.

A Mani pulite levou ao fim da chamada Primeira República Italiana e ao desaparecimento de muitos partidos políticos. Alguns políticos e industriais cometeram suicídio quando os seus crimes foram descobertos.

Bem, durante a operação Mãos Limpas, 2.993 mandados de prisão haviam sido expedidos; 6.059 pessoas estavam sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros.

Contudo houve um efeito colateral que merece atenção: a publicidade gerada pela operação Mãos Limpas acabou por deixar na opinião pública a impressão de que toda a vida política e administrativa de Milão, e da própria Itália, estava mergulhada na corrupção, com o pagamento de propina para concessão de todo contratos do governo, sendo este estado de coisas apelidado com a expressão “Tangentopoli” ou “Bribesville” ou "cidade da propina".

Além disso essa operação de, natureza policial, teve efeito Politico, pois alterou a correlação de forças na disputa política da Itália, reduzindo o poder de partidos que haviam dominado o cenário político italiano até então. Partidos como o Socialista (PSI) e o da Democracia Cristã (DC), foram reduzidos, durante a eleição de 1994, somente em 2,2% e 11,1% dos votos, respectivamente.

Já o macartismo é o termo que descreve um período de intensa patrulha anticomunista, perseguição política e desrespeito aos direitos civis nos Estados Unidos que durou do fim da década de 1940 até meados da década de 1950. Foi uma época em que o medo do Comunismo e da sua influência em instituições americanas tornou-se exacerbado, juntamente ao medo de ações de espionagem promovidas pela OTAN. Originalmente, o termo foi cunhado para criticar as ações do senador americano Joseph McCarthy.

Durante o Macartismo, milhares de americanos foram acusados de ser comunistas ou filocomunistas, tornando-se objeto de investigações agressivas. A maior parte dos investigados pertencia ao serviço público, à indústria do espetáculo, cientistas, educatores e sindicalistas. As suspeitas eram freqüentemente dadas como certas mesmo com investigações baseadas em conclusões parciais e questionáveis, além da magnificação do nível de ameaça que representavam os investigados. Muitos perderam seus empregos, tiveram a carreira destruída e alguns foram até mesmo presos e levados ao suicídio.

O Macartismo realizou o que alguns denominaram "caça às bruxas" na área cultural, atingindo atores, diretores e roteiristas que, durante a guerra, manifestam-se a favor da aliança com a União Soviética e, depois, a favor de medidas para garantir a paz e evitar nova guerra. O caso mais famoso nesta área foi Charlie Chaplin. Essa "caça às bruxas" perdurou até que a própria opinião pública americana ficasse indignada com as flagrantes violações dos direitos individuais.

Bem, sempre que as relações entre o sistema judicial e o sistema político atravessam um momento de tensão sem precedentes, cuja natureza se pode resumir numa frase: a Judicialização da política conduz à politização da justiça. A opinião é do sociólogo português Boaventura Santos. Há Judicialização da política sempre que os tribunais, no desempenho normal das suas funções, afetam de modo significativo as condições da ação política, ou de questões que originariamente deveriam ser resolvidas na arena política e não nos tribunais. Esse fato pode ocorrer por duas vias principais: uma, de baixa intensidade, quando membros isolados da classe política são investigadores e eventualmente julgados por atividades criminosas que podem ter ou não a ver com o poder ou a função que a sua posição social destacada lhes confere.

Mas há outra via, de alta intensidade, quando parte da classe política – não se conformando ou não podendo resolver a luta pelo poder pelos mecanismos habituais do sistema político democrático – transfere para os tribunais os seus conflitos internos, por meio de denúncias ao Ministério Público (e algumas vezes do próprio MP), ou ajuizando ações diversas.

Ocorre a Judicialização de alta intensidade, por exemplo, que vemos quando partidos e parlamentares renunciam ao debate democrático e deslocam para o Judiciário os conflitos que não são, a priori, jurídicos ou judiciais. Ou quando vemos o Ministério Público usar a credibilidade da imprensa para obter apoio da opinião pública para afirmação de suas convicções.

E o objetivo dessa tática (transferir tudo para o Judiciário e usar a imprensa) é – por meio da exposição judicial e em conjunto com os órgãos de imprensa de seus adversários – qualquer que seja o desenlace, enfraquecer, ou mesmo o liquidar, politicamente o adversário. Isto é algo questionável sob o ponto de vista ético e democrático.

O professor Boaventura Santos afirma que, no momento em que isso ocorre, a classe política, ou parte dela, “tende a provocar convulsões sérias no sistema político”. Isso se dá quando ocorre a renúncia ao debate democrático e a transformação da luta política em luta judicial o fato.

A Judicialização da política pode a conduzir à politização da justiça. Esta consiste num tipo de questionamento da justiça que põe em causa, não só a sua funcionalidade, como também a sua credibilidade, ao atribuir-lhe desígnios que violam as regras da separação dos poderes dos órgãos de soberania.

Ademais, a politização da justiça coloca o sistema judicial numa situação de stress institucional que, dependendo da forma como o gerir, tanto pode revelar dramaticamente a sua fraqueza, como a sua força.

A midiatização das investigações e das operações do Ministério Público, como método ou tática, busca transformar a plácida obscuridade dos processos e procedimentos judiciais em algo trepidante, próprio da ribalta midiática, transforma processos em dramas judiciais. Esta transformação é problemática devido às diferenças entre a lógica da ação midiática, dominada por tempos instantâneos, e a lógica da ação judicial, dominada por tempos processuais lentos, “demora” que passa ao cidadão comum a falsa sensação de que “nada mudou”.

É certo que tanto a ação judicial como a ação midiática partilham o gosto pelas dicotomias drásticas entre ganhadores e perdedores. Mas, enquanto a primeiro exige prolongados procedimentos de contraditório e provas convincentes, a segunda dispensa tais exigências.

Em face disto, quando o conflito entre o judicial e o político ocorre na mídia, esta, longe de abranger veículos neutros, é um fator autônomo e importante do conflito.

E, sendo assim, as iniciativas tomadas para atenuar ou regular o conflito entre o judicial e o político não terão qualquer eficácia se os meios de comunicação social não forem incluídos no pacto institucional. É preocupante que tal fato passe despercebido e que, com isso, se trivialize a lei da selva mediática em curso.

O uso do judiciário e da mídia, o deslocamento desmedido de questões políticas e policiais para o campo judicial e midiático pode revelar ausência de espírito democrático de quem age assim e, em tese, verdadeira litigância de má-fé e ausência de espírito republicano.

Mas que fique clara a minha opinião: o trabalho do GAECO-Campinas na investigação dos prováveis ilícitos em contratos de obras e prestação de serviços com a SANASA é necessário e positivo, mas quero relembrar o caso conhecido como “Escola Base.”

Em março de 1994, vários órgãos da imprensa publicaram uma série reportagens sobre seis pessoas que estariam envolvidas no abuso sexual de crianças, todas alunas da Escola Base, localizada no bairro da Aclimação, na capital. Os seis acusados eram os donos da escola Ichshiro Shimada e Maria Aparecida Shimada; os funcionários deles, Maurício e Paula Monteiro de Alvarenga; além de um casal de pais, Saulo da Costa Nunes e Mara Cristina França.

De acordo com as denúncias apresentadas pelos pais, Maurício Alvarenga, que trabalhava como perueiro da escola, levava as crianças, no período de aula, para a casa de Nunes e Mara, onde os abusos eram cometidos e filmados. O delegado Edelcio Lemos, sem verificar a veracidade das denúncias e com base em laudos preliminares, divulgou as informações à imprensa.

A divulgação do caso levou à depredação e saque da escola. Os donos da escola chegaram a ser presos. No entanto, o inquérito policial foi arquivado por falta de provas. Não havia qualquer indício de que a denúncia tivesse fundamento.
Com o arquivamento do inquérito, os donos e funcionários da escola acusados de abusos deram início à batalha jurídica por indenizações. Além da empresa 'Folha da Manhã', outros órgãos de imprensa também foram condenados, além do governo do estado de São Paulo. Outros processos de indenização ainda devem ser julgados. Isso não pode ser esquecido.

Bem, não há um só cidadão que duvide ou negue as conquistas democráticas, elevadas a direitos constitucionais, contidos na CF de 1988. Dentre essas conquistas democráticas estão as chamadas novas atribuições do Ministério Público.

O Ministério Público (MP), que é uma instituição permanente e, assim como a advocacia, essencial à função jurisdicional do Estado, tem por função a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme art.127, CF/88.

Dentre as funções institucionais do MP, destaca-se a de promover, privativamente, a ação penal pública; zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição; exercer o controle externo da atividade policial; defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; exercer notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicando os fundamentos políticos de suas manifestações processuais; exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Constitucionalmente, o Ministério Público tem assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor, ao Poder Legislativo, a criação e a extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória, os planos de carreira, bem como a sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.
Por tudo isso os jovens e diligentes Promotores do GAECO-Campinas estão de parabéns. Estão de parabéns no que diz respeito à realização de investigações cujo objetivo seja zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia.
Mas esses mesmos Promotores andam muito mal quando espetacularizam seu trabalho e usam a midia para tratar “investigados” como réus condenados. Qual dos investigados já foi denunciado? Nenhum. Qual dos investigados foi condenado? Nenhum. Contra qual dos investigados há sentença transitada em julgado? Nenhum.

Por que não dizem à população que as investigações são apenas o 1º. Passo? Para a população todos os investigados são “farinha do mesmo saco” e já estariam processados e condenados, o que não é verdade.

E o que é pior, como as dinâmicas entre o espetáculo patrocinado e fomentado pelo MP e os processos que se seguiram são distintas a população, passado o efeito do espetáculo midiático, fica com a sensação de que “nunca acontece nada”, o que é muito ruim.

Esse método do MP de usar a mídia, de espetacularizar seu trabalho lembra também a Inquisição… A inquisição era uma corte religiosa, era operada por autoridades da igreja. Porém se uma pessoa fosse considerada herege, a punição era entregue às autoridades seculares, pois "a igreja não derramava sangue". As punições variavam: da mais comum (quase 80% dos casos), que era a vergonha pública (obrigar o uso do sambenito, uma roupa de penitente, usar máscaras de metal com formas de burro, usar mordaças) até ser queimado em praça pública, quando o crime era mais grave. Essas punições eram feitas em cerimônias públicas, chamadas autos-de-fé, que aconteciam uma vez por ano na maioria dos casos. Algumas pessoas acusavam outras por vingança, ou para obter recompensas da Coroa. A própria Coroa Espanhola beneficiava-se, ao desapropriar os bens dos conversos.

Como me alertou um bom amigo a exposição, para o bem ou para o mal, é o risco de qualquer pessoa pública. “A exposição pública seria uma forma de contrapoder, exatamente para que a permanente fiscalização do eleitor iniba o arbítrio e a exacerbação do poder e sua natureza corrupta”. Disse o meu amigo. Correta a observação, mas o interesse público deve estar sempre acima de tudo e eu penso que a confiança nos Poderes, instituições e estruturas do Estado é de interesse público.

É por essas e outras que não se deve transformar as necessárias investigações do MP em autos-de-fé nem no uso da vergonha pública como punição prévia à propria condenação.

* Pedro Benedito Maciel Neto é advogado e professor universitário. Foi secretário Municipal de Habitação, presidente da Cohab e da Fundação José Pedro de Oliveira em Campinas e secretário Municipal de Cultura em Sumaré (03/04), autor de diversos livros, dentre eles “Reflexões sobre o Estudo do Direito”, Ed. Komedi (2007).