Luciano Severo: Para a integração da AL, caminho é o Banco do Sul
Durante os primeiros anos do século 21, a ascensão de presidentes nacionalistas e progressistas na América do Sul gerou, entre outras importantes ações, a contestação dos tradicionais mecanismos de financiamento dos países subdesenvolvidos. Nota-se que a concessão de empréstimos por parte das instituições financeiras internacionais, controladas pelos países centrais, esteve historicamente associada à adoção de políticas liberais que delimitam o desenvolvimento periférico.
Por Luciano Severo*
Publicado 16/11/2011 16:05
Atualmente parece haver uma interpretação geral de que a integração financeira dependerá muito mais da planificação, da racionalidade e dos estímulos dos Estados Nacionais e seus organismos de crédito, do que da iniciativa de empresas ou do mercado. Portanto, nesse novo cenário, o objetivo dos países sul americanos seria adotar políticas públicas e criar alternativas financeiras, que sirvam como instrumentos de apoio efetivo frente ao crônico problema de necessidade de divisas para fechar as contas da Balança de Pagamentos.
Nesse sentido, se fez necessário fortalecer as recentes iniciativas da Nova Arquitetura Financeira Regional, no marco da União das Nações Sul Americanas (Unasul). Entendemos que a maioria dos governos, decididos a aprofundar o desenvolvimento econômico e social, a distribuição de renda e a integração regional, devem aproveitar o momento de crise internacional para criar e fortalecer as fontes próprias de financiamento e as linhas de cooperação macroeconômica fora do âmbito estritamente liberal. As ações podem avançar sobretudo em duas orientações: 1) instrumentos facilitadores do comércio intrarregional e de apoio financeiro aos países que enfrentam problemas de liquidez ou restrição externa e 2) mecanismos de financiamento do desenvolvimento econômico e social, como grandes projetos industriais e de infraestrutura para a integração.
No primeiro caso, estão as câmaras de compensação, uniões de pagamentos, acordos de crédito recíproco e fundos de reservas conjuntas. Desde os anos 1960 e 1970, estão sendo operadas na América do Sul duas grandes iniciativas nesse sentido: o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR) no marco da Associação Latino-americana de Integração (Aladi) e o Fundo Latino-americano de Reservas (Flar). Desde 2008, Brasil e Argentina têm impulsionado o Sistema de Moedas Locais (SML), no marco do Mercosul e, em 2010, os países membros da Alba adotaram o Sistema Único de Compensação Regional de Pagamentos (Sucre).
Instrumentos de financiamento
No segundo caso, estão os instrumentos de financiamento do desenvolvimento, como a Corporação Andina de Fomento (CAF), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata na sigla em espanhol), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social do Brasil (BNDES) e o Banco do Sul. Hoje dia, o principal mecanismo regional para isso é a CAF.
Esse papel da CAF ocorre apesar dos supostoscritérios nitidamente técnicos assumidos pela instituição e apesar da participação extra-regional em seu mandato, inclusive com a crescente presença chinesa. O Fonplata é muito limitado em recursos e abriga somente o Cone Sul. Nos últimos anos, outra instituição que ampliou seu papel nessa área foi o BNDES, mecanismo do Estado brasileiro. A instituição está financiando mais de US$ 16 bilhões para projetos de infraestrutura na região.
Banco do Sul
A proposta de criar esse banco foi apresentada em 2004, pelo presidente venezuelano Hugo Chávez, no marco da criação da Comunidade Sul Americana de Nações (Casa). Conforme comentamos, a ideia de constituir essa instituição surgiu em um contexto de mudanças na conjuntura política regional, de busca de maior soberania econômica. A nova visão política sul americana interpretou que a região deveria contar com financiamentos próprios e romper os vínculos com mecanismos perpetuadores do endividamento e subdesenvolvimento.
O cenário internacional de maior disponibilidade de recursos, diferentemente dos anos 1980, permitiu que os países assumissem posturas mais distantes das instituições financeiras multinacionais. Inclusive foram realizados os pagamentos adiantados de dívidas, como nos casos de Brasil e Argentina (em 2005), Uruguai (em 2006) e Venezuela (em 2007).
Um dos principais argumentos favoráveis à criação do Banco do Sul sustenta que a grande parcela das reservas internacionais dos países sul americanos está depositada nos bancos europeus ou dos Estados Unidos. Portanto, uma das propostas é que a nova instituição concentre pelo menos uma parte significativa desses recursos para desenvolver a América do Sul. A ideia original era que funcionasse como um “emprestador de última instância”, como se fosse um Fundo Monetário Internacional (FMI) sul americano ou como um Flar mais fortalecido. No entanto, em 2007, os presidentes da Argentina e da Venezuela se uniram com o propósito de constituir a nova instituição como promotora do desenvolvimento, orientado para o financiamento de setores estratégicos, o avanço científico-tecnológico e o combate à pobreza. Em seguida, Bolívia, Equador e Paraguai se incorporaram ao grupo. Depois chegou o Brasil e, por fim, o Uruguai.
Apenas em setembro de 2009, cinco anos depois de sua apresentação como ideia, foi firmado o Convênio Constitutivo do Banco do Sul. Uma de suas determinações é que a instituição tenha um capital acionário de US$ 10 bilhões e um capital global autorizado de US$ 20 bilhões, oferecidos de forma proporcional por seus países membros. Frente à grande magnitude dos projetos, o montante parece muito limitado. Os aportes seriam os seguintes: Brasil, Argentina e Venezuela, as três maiores economias, depositarão US$ 2 bilhões cada uma; Equador e Uruguai, US$ 400 milhões; Bolívia e Paraguai, US$ 100 milhões. Esse grupo contribuiria com US$ 7 bilhões enquanto os demais US$ 3 bilhões seriam obtidos por meio de contribuições de US$ 970 milhões de Chile, Colômbia e Peru; e US$ 45 milhões de Guiana e Suriname. Apesar de Chile, Colômbia e Peru serem membros , até o presente momento se destaca a ausência dos três países.
O banco, que ainda não entrou em operação, terá sede em Caracas e sucursais em Buenos Aires e La Paz. A expectativa é que atue em duas frentes: estímulo à destruição das assimetrias entre os países membros e financiamento de projetos nacionais e regionais de desenvolvimento, com ênfase na concessão de créditos para cooperativas e pequenas e médias empresas.
O papel do Brasil
É dizer, seu raio de ação está mais orientado para ser uma espécie de BID sul americano, entre aspas. Assim, ainda estaria por ser definido que instituição regional exerceria o papel de FMI regional, necessariamente sem as inconvenientes exigências e contrapartidas contrárias à soberania e ao desenvolvimento. Recentemente, Brasil e Argentina, que ainda não estão no Flar, manifestaram sua intenção de ingressar no fundo, ampliando seu papel e capacidade de ação.
Além das boas perspectivas, existem algumas importantes dúvidas acerca do funcionamento do Banco do Sul. Está presente, por exemplo, a preocupação sobre os poderes de voto e de veto dentro da instituição. É crucial não repetir os problemas de instituições como o BID. Simultaneamente, parece fundamental que o novo ente financeiro promova a formação de um mercado regional de títulos das dívidas públicas. Por fim, o futuro do Banco do Sul parece especialmente associado às opções que podem ser assumidas pelo Brasil. A primeira é seguir por um caminho estreito, aumentando o crescente papel do BNDES como motor de uma integração sob a liderança verde e amarela. O outro caminho, do Banco do Sul, é considerado mais equilibrado, amplo e complementar, como um projeto comum. O atual tempo de crise internacional é a hora de aprofundar o efetivo processo de integração.
A criação do banco foi facilmente sancionada pelos Congressos Nacionais de quatro dos sete países fundadores: Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela. Nesse momento, além de Uruguai, a iniciativa também requer aprovação dos parlamentares brasileiros.
*Luciano Wexell Severo é economista e professor da Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila), Brasil.
Tradução: Da redação do Vermelho,
Vanessa Silva