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Vítimas do imperialismo marroquino, Saarauís não descartam guerra

Violação da soberania e desrespeito aos tratados internacionais são questões cotidianas para o povo saarauí, que habita o norte da África. Em entrevista exclusiva concedida ao Vermelho por ocasião de sua visita ao Brasil, o integrante do Comitê de Relações Exteriores para a América Latina da Frente Polisário, Karim Lagdaf, relata a intransigência do Estado marroquino, ao não cumprir as normas do direito internacional e resoluções da ONU para a conquista da paz na região.

Por Vanessa Silva

Saarauís

Vítimas do imperialismo marroquino, esse povo luta há 36 anos para que o governo do Marrocos cumpra com os tratados internacionais e realize o referendo de autodeterminação para definir se o povo deverá permanecer sob o julgo marroquino ou conquistará, enfim, a independência, conforme determinação da ONU em 1991, como condição para o cessar fogo.

Histórico

O conflito teve início ainda em 1956, quando o Marrocos conquistou sua independência dos franceses, mas a parte espanhola permaneceu colônia. Assim, em 1973 foi criada a Frente Popular de Libertação de Saguia-El-Hamra e Rio de Ouro (Polisário), que liderou a luta pela libertação da região ocidental sob domínio espanhol. Em meio à ditadura franquista (1939 e 1976), a Espanha ignorou as reivindicações do povo saarauí e entregou a região ao Marrocos e à Mauritânia. Aproveitando a retirada das tropas espanholas, a Frente Polisário proclamou a República Árabe Saaraui Democrática (RASD) em 1976.

No mesmo ano, no entanto, o Marrocos organizou uma grande marcha, conhecida como a “marcha verde” (na verdade um processo de colonização), na qual mais de 350 mil pessoas migraram para a região do Sahara ocidental. Valendo-se de um grande arsenal bélico utilizando bombas de fósforo e napalm, o Marrocos tomou o território saarauí, em uma ação genocida, causando grande sofrimento à população.

Desde então, diversas determinações da ONU e outros órgãos internacionais reconhecem o direito à autodeterminação do povo saarauí e entendem que não há registro jurídico nem histórico de vínculo de soberania por parte do Marrocos naquele local.

Cessar fogo

Lagdaf lembra que a guerra pela soberania da RASD teve início em 1975, mas em 1991 um acordo de cessar fogo intermediado pela ONU determinou que deveria ser realizado um referendo para definir “se o povo quer se tornar independente ou se aceita fazer parte do Marrocos”. A nação africana, no entanto, não cumpriu os prazos impostos pela ONU e há 20 anos impede o avanço das negociações de paz. “Eles sabem que se tiver um referendo vão perder. Todos os saarauís querem a independência”, assinalou.

“Hoje, 82 países do mundo reconhecem a RASD. Inclusive, somos membros fundadores da União Africana. Temos relações diplomáticas com mais de 14 países da América Latina, inclusive o Brasil, e quase todos os países do Caribe”. Ele destacou que aguardam o andamento do processo de paz para que “o povo saarauí possa ocupar seu lugar nas Nações Unidas entre as demais nações do mundo”.

Muro da vergonha

A luta iniciada pela Frente Polisário conseguiu libertar 40% do território que hoje é comandada por eles. “A vida é muito dura lá. Os marroquinos construíram um muro de defesa que vai do norte do Saara até o sul, onde está a parte ocupada do Saara. Este muro da vergonha divide o povo saarauí, separa membros da mesma família”. Devido à violência empregada pelo exército marroquino, ele lembra que 175 mil pessoas se refugiaram na Argélia.

As dificuldades não param por aí. A porção dominada pelos marroquinos representa a parte mais rica do território saarauí. É a parte onde se concentra o petróleo, o fosfato, os recursos pesqueiros, entre outros. Dessa forma, os refugiados vivem da ajuda internacional em barracas de campanha montadas no meio do deserto.

Eles tentam driblar os obstáculos. Lagdaf conta com orgulho que todas as crianças em idade escolar estão sendo alfabetizadas e que todos os acampamentos têm instalações sanitárias. Remédios e médicos são enviados à região pela ajuda humanitária e por países amigos. Esses países também são responsáveis pela formação superior dos jovens saarauís.

Mobilização internacional

Apesar de reconhecer a existência de um movimento internacional pela libertação do território do Saara Ocidental, Lagdaf observa que a mobilização não é suficiente “para fazer com que o Marrocos mude de atitude. Ele está violando todas as resoluções da ONU está colocando obstáculos no plano de paz e não quer avançar na realização desse acordo”. O líder africano ressalta o papel que o Brasil pode desempenhar nesse processo: “nesse sentido pensamos que o Brasil tem uma posição fundamental para fazer com que o Marrocos cumpra as determinações da ONU (…) por sua posição e reconhecimento internacional”.

Guerra

Há 20 anos os saarauís esperam a realização do referendo que pode devolver a paz ao país e lhes garantir o direito de autodeterminação conferido a todos os povos, mas a paciência pode estar no limite. “A guerra não é desejada por ninguém, mas os saarauís não vão aceitar a rebeldia do Marrocos permanentemente. Para nós, o cessar fogo não é um fim, mas um meio para alcançar nossos direitos. Se em 1975 nos levantamos para fazer valer nossos direitos, agora temos a mesma decisão. (…) Não podemos continuar nesse conflito (…) e em um futuro não muito longe podemos retomar nossa posição”.