A Crise de 1930, a Queima do Café, a 2ª Guerra e a era dourada
Para o pensamento conservador, inclusive dos comentaristas econômicos da mídia – e a brasileira não é exceção – a boa economia deve ser a menos política possível. A política interfere e polui a atividade harmonizadora dos fluxos econômicos, perturbando-a com as exigências peculiares da disputa, que pode ser tanto social, teórica ou reivindicações de segmentos e classes sociais.
Por Samuel Sérgio Salinas*
Publicado 09/12/2011 17:28 | Editado 13/12/2019 03:30
Examinada deste ponto de vista, a Grande Depressão dos anos 1930 do século passado e suas consequências foi um fenômeno tipicamente econômico financeiro. A nossa proposta é acrescer a descrição dos acontecimentos econômicos com a visibilidade de intensa atividade política desses anos que precederam a mais devastadora das guerras, onde a decisão política inaugurou a barbárie da era atômica.
Como já vimos em outra oportunidade, o New Deal, embora tenha introduzido modificações conceituais na atividade social e econômica dos norte-americanos naqueles anos, esgotara o seu potencial mudancista em 1937, com o reaparecimento dos sintomas do recrudescimento da crise. O decréscimo da atividade ocorreu em fins de 1936 e princípios de 1937, quando os gastos do governo foram bruscamente cortados.
Nos países em que predominava o setor primário (exportadores de comoditties), a produção das minas e da agricultura, desde o princípio dos anos 1930, era vendida a preços inferiores aos custos de produção.
No Brasil, a queda nas exportações de café caiu mais da metade entre 1929 e 1932. O preço do produto despencou um terço em 1931. A entrada de capital estrangeiro cessou quase por completo em 1932, informa Werner Baer, que acrescenta que o Brasil foi o primeiro país latino-americano a introduzir o controle do câmbio e outras medidas diretas da mesma natureza, combinados com a desvalorização da moeda, reduzindo as importações em cerca de dois terços. Muito café, porém, foi queimado.
O valor da produção destruída era muito inferior ao montante da renda criada, informa Celso Furtado. Essa providência antecipa as recomendações de Keynes, ou seja, a construção de pirâmides para sustentar o emprego, a renda e o consumo. No caso brasileiro permitiu manter a produção e o emprego de cerca de 200.000 trabalhadores. A produção prosseguiu, graças aos subsídios à agricultura, patrocinado pelo Conselho Nacional do Café, conhecidos como “socialização dos prejuízos”.
Um tanto paradoxalmente, a queda nas importações de produtos industrializados favoreceu a indústria nacional: foi a nossa segunda substituição de importações, lembrando que a primeira ocorreu durante a conflagração de 1914-1918. Parte da divida brasileira foi suspensa: a crise da dívida dos anos 1930, que se estendeu célere e feroz aos países subdesenvolvidos, ofereceu aspectos semelhantes às mais recentes crises ocorridas durante o predomínio neoliberal dos anos antecedentes ao governo Lula da Silva.
A interação cidade-campo nos anos de crise em todo o mundo produziu o circulo vicioso que debilitou o conjunto. Forçados pela queda dos produtos primários de exportação, os países da periferia foram obrigados a desvalorizar as suas moedas para continuar no mercado. A situação não era exclusiva dessas economias, caracterizadas na época de subdesenvolvidas.
10 milhões de desempregados
Em 1939, o desemprego nos Estados Unidos atingia 10 milhões de trabalhadores. As reformas sociais estavam desaparecendo, sufocadas por uma sólida coalizão conservadora no Congresso norte-americano e uma disputa interna no seio da administração Roosevelt.
A situação do conflito europeu, que espelhava a disputa entre os países colonialistas estava prenunciando o conflito, por mais que ingleses e franceses transigissem com o nazismo. Em Munique, em setembro de 1938, assumiram a responsabilidade pelos objetivos expansionistas da Alemanha e da Itália, supondo que o espaço vital germânico seria obtido a Leste, nas imensas estepes da URSS, suposição acertada, mas não concretizada, a despeito da destruição imposta aos soviéticos, da infra-estrutura industrial, de milhares de cidade e grande parte da juventude morta em combate nos campos de concentração .
Quando caiu a França, quase sem combater, o caráter da conquista do mundo pelo nazismo adquiria a feição do real o propósito da Alemanha. Os Estados Unidos, embora comprometidos com a isolacionismo das camadas mais conservadoras, seriam envolvidos no conflito. A opinião de 85% dos consultados pela Gallup, 68% acreditava ser mais importante derrotar a Alemanha do que manter o país fora da guerra. Por sua vez, Roosevelt estava convicto do auxílio à Grã-Bretanha e promulgou a lei de Empréstimos e Arrendamentos de março de 1941 que beneficiou a Inglaterra, em plena guerra, lei decretada em 1939, após a invasão da Polônia pelos alemães. A Carta do Atlântico de agosto do mesmo ano definiu os objetivos comuns dos Estados Unidos e da Inglaterra em relação ao futuro mundial.
Preparativos militares
A surpresa da declaração de guerra aos Estados Unidos – iniciativa alemã e italiana do dia 11 de dezembro de 1941- para cumprir a aliança Berlim-Tóquio-Roma não foi tão grande, pois os preparativos militares já haviam sido iniciados antes do bombardeio a Pearl Harbor, importante base da marinha americana no Pacífico, mediante criação de organismos como a National Advance Divisory. Ainda mais decisiva, em setembro de 1940, fora promulgada a primeira lei sobre serviço militar obrigatório em tempo de paz.
Para se formular uma ideia da magnitude da tarefa que os Estados Unidos enfrentaram durante a guerra, 14 milhões de homens e mulheres serviram durante o conflito, outros 10 milhões somaram-se a estes, em setores civis; finalmente o custo da 2ª Guerra foi dez vezes maior do que o exigido pela primeira. O governo assumiu a direção do conjunto de medidas em todos os aspectos necessários ao prosseguimento da intensa mobilização, não só militar e econômica.
A interferência na mídia foi rigorosa. A censura era dirigida pelo Office of Censorship na correspondência pessoal. Maior importância teve o Office of Scientific Research and Development que coordenou os projetos de investigação e desenvolvimento militar dos armamentos e material de guerra, estabelecendo acordos com universidades, institutos de pesquisas, um verdadeiro exército de cientistas. Para os observadores aí está a raiz do “complexo militar-industrial” que iria desempenhar um grande papel no pós-guerra, pois o engajamento da indústria foi um dos fatores do poderio americano durante e após a guerra.
A oportunidade de ampliar os meios de alcance social, decorrentes de medidas do New Deal, foi lamentavelmente perdida. Deixaram os americanos de lado a legislação antitruste, circunstância que permitiu a formação de oligopólios de várias naturezas. Por outro lado não ocorreram aumentos do salário mínimo, sob pretexto de inflação; foi abandonado um plano de saúde formulado pelos liberais e congelados planos de seguridade social. Alguma coisa, contudo, sobreviveu a este retorno ao mundo do laissez-faire americano, a exemplo do “momento keynesiano”, ou seja, das receitas para despesas públicas visando incentivar o pleno emprego e o investimento.
Quase 100 bilhões de gastos
Em 1945, os gastos federais orçaram US$98 bilhões, o desemprego, existente com a desmobilização, praticamente foi muito reduzido e o país galgou novos níveis de produção e prosperidade. Os veteranos de guerra foram beneficiados com um conjunto de medidas, desde empréstimos para aquisição de moradias, inclusive pequenas explorações agrícolas, bolsas de estudo e pensões alimentícias. Foi excelente o retorno financeiro e social dessas medidas. Passados alguns anos, cerca de um terço da população, direta ou indiretamente foi favorecido pelas medidas. Em 1946, após a guerra, o Fair Deal foi um programa estatal de incremento da proteção social visando o pleno emprego, dotação de fundos públicos para a construção de moradias, incremento do salário mínimo e aumento dos benefícios destinados a seguridade social. Lamentavelmente isto durou apenas cerca de vinte e anos.
Nos anos imediatos do pós-guerra a inflação produziu conflitos entre os empregadores e os operários, consubstanciados no grande número de greves, organizadas pelos sindicatos (unions) para impedir que os trabalhadores sofressem os efeitos desastrosos que a inflação acarreta aos que vivem de salário.
As eleições para o Congresso de 1946 beneficiaram os republicanos pela primeira vez em mais de uma década, o que representou uma derrota do New Deal. O programa do novo Congresso, supondo que tivesse algum, observa o historiador Harold Faulkner, era, substancialmente, reduzir impostos, equilibrar o orçamento, restringir a organização e atividade dos sindicatos trabalhistas. Enfim, obter uma legislação que cerceasse a atividade sindical (antilabor legislation).
Deprimir a arrecadação no momento em que havia um programa de rearmamento Guerra Fria) e a responsabilidade pelo financiamento da Europa ocidental, soava como um despropósito, o bipartidarismo prossegue desajustando as perspectivas, não só pela intermitência das dissensões no Congresso, como pela alternância quase regular de republicanos e democratas nas eleições para o legislativo. Em 1948, a eleição congressual elege os democratas e seu propósito de reiterar os melhores momentos do New Deal. Segue-se, porém em 1952, o retorno dos republicanos.
Depois da guerra os Estados Unidos desempenharam o principal papel na ONU especialmente através do Economic and Social Council of United Nations.
Conferência de Bretton Woods
Na Conferência de Bretton Woods, em 1944, para a criação de um novo sistema monetário internacional, prevaleceu o plano dos Estados Unidos pelo qual todas as moedas dos países participantes seriam conversíveis em dólar. Porém, o dólar seria conversível em ouro à razão de 35 dólares a onça troy, apenas para os bancos centrais. Decorre a predominância do dólar como moeda de reserva para o sistema monetário, situação que, a despeito do que ocorreu presentemente nesta crise de 2008-2011, ainda subsiste, apesar do claro enfraquecimento da economia dos Estados Unidos. A criação de organismos internacionais para esse propósito foi completada pela fundação do International Bank of Reconstruction and Development, o BIRD, com o objetivo de financiar os países atingidos pela destruição militar e emprestar aos estados que projetassem complementar o seu desenvolvimento. O International Monetary Fund, o famoso FMI, destinava-se a estabilizar as moedas e facilitar o comércio internacional. Em 1947 incluiu-se o GATT, um acordo sobre tarifas e comércio. Estes instrumentos tinham por propósito regular as relações internacionais, inexistentes até a época. A FAO, a Unesco e outras instituições internacionais, foram criadas e, para todas elas, os Estados Unidos contribuíam com fundos majoritários.
Em 1947, a Doutrina Truman permitiu que os Estados Unidos se envolvessem militarmente na defesa de qualquer país que fosse ameaçado em sua liberdade. Na ocasião havia uma disputa civil na Grécia (1941-1950) entre o Exército de Liberação Nacional Popular, controlado pelo Partido Comunista Grego e o governo conservador, apoiado pela Grã-Bretanha. Baseado nesta doutrina, os norte-americanos apoiaram o governo grego e lograram incorporar o país à OTAN em 1952. Idêntica intervenção militar foi decisiva para solucionar questões semelhantes na Turquia e nas Filipinas. Substancial mesmo foi o montante dirigido à China dos nacionalistas de Chang Kai Sheck que lutavam contra Mao Tse Tung.
Em 1948, o Plano Marshal iniciou a ajuda financeira a uma série de países europeus, exponencialmente a Alemanha, a fim de evitar a socialização e permitir aos EUA exportar para a Europa os excedentes de sua produção. Nos anos 1950 e 1960 os Estados Unidos aumentaram consideravelmente a emissão de dólares para financiar a sua expansão. O valor do dólar distanciou-se muito acima do preço oficial. Os bancos centrais, ante essa desvalorização da moeda americana, concordaram em não adquirir ouro no mercado livre a fim de manter o sistema garantido pelo dólar. A impressão de dólares prosseguiu lançando sombria perspectiva para os possuidores da moeda: a inflação.
Em 1971, com Richard Nixon, que renunciaria três anos depois, os Estados Unidos decidem abolir a conversibilidade do dólar em ouro ante a ameaça de que os bancos centrais vendessem seus dólares em troca do metal, o que implicaria na redução das reservas americanas. O sistema de Breton Woods se extingue. O empenho norte-americano por Breton Woods decorria do interesse pela ampla liberdade de intercâmbio, o livre comércio, sempre favorável ao grande empório do Ocidente, os Estados Unidos. Einchengreen afirma que, sem a ênfase no livre comércio, incluída nos artigos do acordo, teria sido improvável que o Congresso tivesse concordado em ratificar o documento.
Como não desconhecem os historiadores e economistas, somente com o início da 2ª Guerra Mundial os Estados Unidos retornaram ao pleno emprego, estimulado pelos déficits financiados pelo governo para a aquisição de armamento. O que não ocorreu pela recuperação da atividade econômica empresarial., muito desequilibrada na época. A paz , em 1945, acarretou a desmobilização de milhões de soldados, produziu uma queda na produção e o consequente aumento do desemprego. A partir de 1946, a situação se inverte aceleradamente. A despesa, o gasto público, aumenta para sustentar a modernização das instalações industriais e a construção de moradias. Concomitantemente, os Estados Unidos se transformam no maior exportador mundial de bens e de investimento de capitais para a Europa, sem menosprezar o “resto do mundo” como o classificam os economistas. Foram os anos dourados e felizes, pois muitos acreditaram na bem-aventurança e dela forjaram as suas esperanças no liberalismo que, para não parecer velho, chamou-se de “novo”.
Anos deslumbrantes dos “milagres econômicos”. Os economistas, afirma Mattick, se derretiam à ideia de que sua “ciência” se revelava como a esperança do mundo. Apostava-se na decolagem dos países subdesenvolvidos que deviam fazer a lição de casa prescrita pelo FMI, no estilo dos “chicagos boys” de Pinochet. Alguns, mais açodados, abandonaram a esquerda rumo ao conforto e segurança da direita. Crise, nunca mais. O capital se desdobrava na sua eternidade para os que se libertavam de compromissos e esperanças que julgaram impossíveis.
* Sociólogo, jornalista e advogado, é também procurador de justiça aposentado do Estado de SP. Foi redator econômico do jornal Gazeta Mercantil na década de 1960.