"População das Malvinas não tem direito à autodeterminação"
A presença e o domínio da Grã-Bretanha nas Ilhas Malvinas, que estão a 480 quilômetros da Patagônia, é uma ferida aberta para a Argentina e é um assunto que mexe com o patriotismo de nuestros hermanos. Desde que os ingleses tomaram a região, em 1833, o país sul-americano reclama a soberania do arquipélago.
Por Vanessa Silva
Publicado 02/04/2012 18:35
O processo diplomático, no entanto, foi interrompido por uma guerra “irresponsável” feita por um governo ditatorial “que não representava os argentinos”. Essa é a visão do secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista da Argentina, Jorge Kreyness, que conversou com o Vermelho nesta segunda-feira (2), quando o conflito completa 30 anos.
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Kreyness também falou sobre a crescente militarização do Atlântico Sul, por parte da Inglaterra, e da importância estratégica do Brasil, que, como outros países da América do Sul, apoia a Argentina na reivindicação de soberania.
Vermelho: Hoje é o aniversario de 30 anos da guerra das Malvinas. Como vê a posição da Inglaterra frente à reivindicação da Argentina? Considera que é possível resolver a questão por via diplomática?
Jorge Kreyness: Não apenas é possível, mas é necessária e a única via possível para resolver esta disputa, que é apoiada por todo tipo de ações populares, mobilizações, acordos internacionais como os da Unasul [União das Nações Sul-Americanas], Mercosul [Mercado Comum do Sul], Celac [Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenho] e outras iniciativas que estão sendo adotadas no âmbito da comunidade internacional.
Vermelho: Mas a Inglaterra nunca se propôs a negociar, a sentar com a Argentina para debater a questão.
JK: Nunca, desde a resolução 2.065 da Organização das Nações Unidas (ONU). Ou seja, desde 1965 até agora não somente não se senta para negociar, como ainda não cumpre esta resolução da Assembleia Geral da ONU ratificada várias vezes. Tanto na Assembleia Geral, como no Comitê de Descolonização.
Vermelho: E o que diz essa resolução da ONU?
JK: Diz que [argentinos e britânicos] devem dialogar sobre a questão da soberania. [Isso deve ser feito] a partir da consideração de que se trata de uma situação colonial, na qual se violou a integridade territorial da República Argentina e que as partes do conflito são duas: o Reino Unido e a Argentina. Isso significa que a população da ilha, que não é originária, e que foi transplantada, não tem direito à autodeterminação como um povo originário. O que está em jogo é a integridade territorial de nosso país.
Vermelho: No Brasil, os meios de comunicação argumentam que a população e a cultura das Malvinas são inglesas e que é necessário prevalecer a “autodeterminação” dos povos. Sendo assim, a Argentina não tem direito sobre elas. Pode explicar melhor este ponto? O que aconteceu naquele lugar desde a colonização?
JK: A Argentina teve seu primeiro governo pátrio em 25 de maio de 1810 e, a partir de então, ocupou as ilhas até 1833. Neste ano, um contingente militar britânico expulsou, pela força e com a violência das armas, a população argentina e tomou conta do domínio territorial das ilhas iniciando sua colonização neste arquipélago. A partir deste momento, neste mesmo dia, Manuel Moreno, que era o embaixador argentino em Londres, apresenta uma reclamação [ao governo londrino] e segue fazendo por anos. Quando questionado o porquê do gesto aparentemente sem sentido, ele diz que é para que conste na história. A história diz que a Argentina, desde o primeiro dia, protestou a retirada de sua população da ilha. (…) Mas isso não significa que não tenhamos em conta os habitantes do arquipélago. Se eles querem seguir falando inglês, seguir tomando o Chá das Cinco, e com seus costumes britânicos, nós temos, na Argentina, dezenas de milhares de cidadãos ingleses que vivem sem nenhuma dificuldade.
Vermelho: E quanto à militarização do arquipélago?
JK: Este é um conflito que vem de longe e tem o agravante de que a Inglaterra instalou ali uma fortaleza militar com aviões de alcance de toda a América do Sul, com navios de guerra, incluindo um submarino de propulsão nuclear. Ultimamente o tema tem sido encarado pela Unasul e pela Celac como um perigo para a segurança do Atlântico Sul, da América do Sul e de tudo mais. (…) A única coisa que estamos pedindo neste momento é o início de um diálogo e acordo ao qual se possa chegar sustentando que as ilhas pertencem à Argentina e que o Atlântico Sul e a América do Sul devem ser uma zona livre de guerra, de conflitos e de armas nucleares.
Vermelho: Existe uma diferença entre população e povo, – que pressupõe a existência de cidadãos ligados política e juridicamente a um Estado, já população é o conjunto de pessoas existente em um território, – assim, os Kelpers seriam uma população. As resoluções da ONU sempre falam que deve ser levada em conta a vontade do povo…
JK: Isso não se aplica no caso das Malvinas. Isso pode ser aplicado a todas as colônias que a Grã-Bretanha ainda tem. Neste caso, eles lembram apenas do princípio de autodeterminação em um caso onde não existe um povo originário. Não se trata de indígenas que estavam nas Malvinas desde tempos imemoriais. As ilhas estavam habitadas por uma população argentina que foi expulsa de forma violenta. No entanto, nós consideramos os Kelpers habitantes da região e estamos dispostos a reconhecer todos os seus direitos. Não queremos bloqueá-los, não temos nenhuma agressividade com relação a eles. As únicas partes neste conflito são a Argentina e a Grã-Bretanha.
Vermelho: Outro argumento recorrente no Brasil é que a guerra, travada por um regime ditatorial, foi insana e só fez aumentar a disputa pelo controle da ilha. Em sua opinião, a guerra foi justa?
JK: A ditadura militar argentina não atuava em nome do povo argentino. Assim como os britânicos usurparam nossas ilhas, a ditadura militar usurpou o governo em nosso país e foi apoiada pelos governos dos Estados Unidos e de Londres. Isso dizer quer que foi uma ditadura a serviço das corporações transnacionais. [A ditadura fez isso como uma maneira] desesperada de se perpetuar no poder. Foi uma ação irresponsável e acabou com anos e anos de ação política e diplomática em favor da causa de nosso país.
Vermelho: Se a ONU já reconheceu que se trata de uma questão de descolonização e não uma disputa territorial, por que, em sua opinião, a Inglaterra não reconhece isso? Que interesses ela sustenta?
JK: Além da militarização, do controle do Atlântico Sul, da passagem interoceânica, do Pacífico, do acesso à Antartida, foram estabelecidas licenças de pesca para terceiros países e foi iniciada a exploração de petróleo. Nós consideramos que, além da soberania, estão usurpando recursos, muitos deles não renováveis, que pertencem ao nosso país, à América Latina. Por isso, a Argentina está iniciando ações civis e penais contra as corporações que estão explorando a pesca e o petróleo na região. [Nossas ações] são sempre em termos diplomáticos, pacíficos, nunca pela via da guerra que só pode trazer desgraça para nosso povo.
Vermelho: Qual é a importância do apoio do Brasil e de outros países da América Latina com relação à reivindicação argentina? Como nosso país pode ajudá-los?
JK: A importância do Brasil é significativa porque é o maior país da região, é nosso aliado e sócio comercial mais importante. [Além disso], o Brasil faz parte do Mercosul, da Unasul, da Celac, do G20, dos Brics [grupo formado por Brasil, Rússia, China e África do Sul] e tem uma política exterior prestigiosa em todo o mundo. De maneira que contar com a adesão do Brasil como contamos é para nós uma força muito significativa. E também podemos dizer que todos os 23 países membros da Celac, e todos integrantes do Unasul e do Mercosul, estão apoiando a política argentina. Inclusive, vale ressaltar [o apoio desses países com] o fechamento dos portos para que ali não parem navios que levem a bandeira ilegal das Ilhas Malvinas, que não é reconhecido por nenhum Estado da comunidade internacional.