“Araguaia é uma página gloriosa na luta democrática"

Os 40 anos do início da Guerrilha do Araguaia foram lembrados pelo deputado Luciano Siqueira (PCdoB) na tarde de quarta-feira (11), em pronunciamento feito na tribuna da Assembleia Legislativa.


Foto: João Bita/Alepe

O movimento de resistência à ditadura militar encabeçado pelos comunistas teve início no dia 12 de abril de 1972 e prosseguiu até janeiro de 1975, concentrado em área localizada ao longo do Rio Araguaia, na divisa entre os estados do Pará, Goiás e o atual Tocantins.

“Neste instante quero lembrar a data de 12 de abril, que marca o início desta página que considero gloriosa na luta pela democracia no País”, destacou Luciano. “Há 40 anos, após um ataque sofrido por parte das forças repressivas do regime militar, trabalhadores e algumas dezenas de patriotas perseguidos nas zonas urbanas que desde o final de 1967 e início de 1968 haviam se transferido para a região, uma vez atacados pelas forças repressivas se embrearam na mata e se organizaram para a resistência no que se chamou Guerrilha do Araguaia. Um episódio marcante da história recente do País, que posso lhes dizer pude viver de perto”, afirmou.

“Não integrei as forças guerrilheiras do Araguaia, não estava na região. Mas, na ocasião, vivia na clandestinidade, pois havia sido cassado do curso médico da UFPE, condenado à vida clandestina. Atuava também no interior no esforço de organizar a população pobre, quando soubemos que se iniciara esse movimento guerrilheiro de resistência”, explicou o parlamentar comunista.

Em outro momento do discurso, Luciano leu trechos do primeiro comunicado das forças guerrilheiras datado de 25 de maio de 1972, que explica os motivos e os objetivos da luta. “Os militares procuravam espalhar na região que estavam combatendo marginais, contrabandista, assaltantes de bancos, quando na verdade a população da região não acreditava nessas mentiras porque só conhecia que tinham sido agredidos, que eram pessoas corretas, dedicadas ao trabalho, amigas dos pobres, sempre prestativas e solidárias com o povo e em particular que eram alvos da injustiça da política.”

O pronunciamento do parlamentar foi aparteado pelos deputados Odacy Amorim (PT) e Tony Gel (DEM), que ressaltaram a importância do movimento para a retomada da democracia no Brasil.

Leia abaixo outros trechos do pronunciamento de Luciano.

Luta pela democracia

Aqui neste instante quero lembrar a data de 12 de abril, que marcou o início dessa página que considero gloriosa na luta pela democracia no País, desse movimento que repito, considero uma página relevante, histórica, da resistência democrática do nosso povo. Faço aqui referência a alguns trechos do comunicado número um do comando das forças guerrilheiras e aqui registro em algumas passagens o sentido exato da resistência: a luta pela democracia, para extinguir o regime autoritário imposto pelos militares no País e a defesa dos interesses do povo daquela região e do povo do interior do País.

Comunicado nº 01

O comunicado número um das forças guerrilheiras do Araguaia, de 25 de maio de 1972, que explica os motivos e os objetivos da luta assinala “que no passado mês de abril tropas do Exército em operações conjuntas com a Aeronáutica, Marinha e a Polícia Militar do Pará atacaram de surpresa antigos moradores das margens do Rio Araguaia e de diversos locais situados entre São Domingos da Prata, em Minas Gerais, prendendo e espancando diversas pessoas e em outros casos destruindo depósitos de arroz e outros cereais e danificando as plantações. Esses traiçoeiros atos de violência praticados contra esses honestos trabalhadores do campo é mais um dos inúmeros crimes que a ditadura militar vem cometendo em todo o País contra camponeses, operários, militantes, democratas e patriotas”.

O comunicado do comando das forças guerrilheira do Araguaia informava ainda “que os militares procuravam espalhar na região que estavam combatendo marginais, contrabandista, assaltantes de bancos, quando na verdade a população da região não acreditava nessas mentiras porque só conhecia que tinham sido agredidos, que eram pessoas corretas dedicadas ao trabalho, amigas dos pobres, sempre prestativas e solidárias com o povo e em particular alvos da injustiça da política”.

Reação popular

Diz também o comunicado número um das forças guerrilheiras do Araguaia que “diante da agressão das forças armadas governamentais muitos habitantes da Ilha de São Domingos, Brejo Grande, Araguatins, Palestina, Santa Isabel e Santa Cruz de São Geraldo resolveram não se entregar, armaram-se do que puderam e enfrentaram corajosamente o arbítrio e a prepotência do Exercito e da polícia e com tal objetivo se embrenharam pelas matas do Pará, Goiás e Maranhão para resistir ao inimigo que era mais numeroso e melhor armado”.

Com esse breve registro que faço, me apoiando no comunicado do comando das forças guerrilheiras, fica sublinhado que a resistência guerrilheira se instaurou como uma reação à agressão da polícia e do Exército aos moradores da região, que antes mesmo da chegada dos militantes oriundos dos meios urbanos já tinham toda uma história de violência praticada por jagunços contratados e por elementos da Polícia Militar.

Então, a violência na região já fazia parte da vida do povo, que dessa vez contou com uma força organizada, que organizou a resistência na forma de guerrilha e pode resistir por três anos inteiros, sem campanhas, sem aniquilamentos, aos ataques movidos pelas Forças Armadas com o apoio de construtores portugueses que haviam sido trazidos da luta contra os movimentos de libertação das antigas colônias africanas e também americanos trazidos da guerra do Vietnã para orientá-los. Por isso que aqui eu sublinho que é uma pagina heroica de resistência de uma parcela do nosso povo patriota que lutava pela democracia.

AI 5

Antes de ocorrer o episódio da Guerrilha do Araguaia, aconteceu, em dezembro de 1968, a promulgação do chamado AI 5 – Ato Institucional número 5, que aniquilou por completo as liberdades democráticas. A partir daí a correspondência poderia ser violada, a sua residência poderia ser invadida por tropas repressivas sem mandado judicial, o cidadão não tinha mais nenhum direito. Tanto que a vida se tornou impossível para muitos, milhares que haviam sido identificados como resistentes ao regime autoritário, inclusive este que lhes fala neste instante, que foi impedido de estudar, impedido de permanecer no Recife, perseguido, ameaçado de prisão, que foi preso quatro anos depois, quando vivia na clandestinidade.

União pela liberdade

“Faço referência a dois elementos contidos na experiência de três anos de resistência guerrilheira no Sul do Pará, na selva da região do Araguaia. Um é que tão logo se organizou a resistência o movimento elaborou um documento chamado “Proclamação da União pela Liberdade e pelos Direitos do Povo” uma pauta de 18 questões e reivindicações que expressavam as necessidades, os interesses, os reclamos da população pobre da região. Posteriormente, no processo de redemocratização do País, quando os sindicatos de trabalhadores rurais puderam respirar novamente ocorreu em toda aquela região, como acontece até hoje, que inúmeros sindicatos puderam se organizar ou puderam ser fundados baseados no ideário, nessa união de liberdade dos direitos do povo.

Outro aspecto é que lá na selva do Araguaia, com uma parcela da selva Amazônica de arma na mão, o movimento guerrilheiro praticou um gesto extremamente emblemático do compromisso democrático dos que haviam sido levados a resistir de arma na mão. O Congresso Nacional se encontrava tolhido, cerceado em suas prerrogativas, subjugado pelo governo militar. Assim mesmo, para sinalizar o compromisso com a restauração da democracia no País, o comando das forças guerrilheiras divulgou, fez sair da região e chegar ao Congresso Nacional, um manifesto intitulado “Carta a um deputado federal”, onde expunha as razões da luta, registrava os fatos e pedia a solidariedade dos deputados e os senadores, que repito tolhidos, cerceados em suas prerrogativas, de alguma forma ainda resistiam em favor da restauração da democracia no País.

Guerra de guerrilha

Em resposta a aparte do deputado Tony Gel, questionando quantos comunistas participou da Guerrilha do Araguaia e quantos sobreviveram à luta, bem como comentando as táticas de luta, Luciano respondeu:

“Dar a impressão de que uma força é maior do que efetivamente é, é próprio dessa modalidade de guerra de guerrilha. Aconteceu historicamente mundo a fora. Isso aconteceu aqui na Batalha dos Montes das Tabocas e na Batalha dos Montes Guararapes, na Insurreição Pernambucana, aqui nós enfrentamos as forças armadas mais poderosas da época, inspiradas nas estratégias militares do príncipe sueco Gustavo Adolfo, teórico da guerra clássica.

Os holandeses trouxeram para cá cerca de quatro mil homens armados com o que havia de mais moderno, porém habituados à guerra de posição, que se trava em terreno plano. Os nossos, os portugueses, índios, mulatos e negros liderados por Matias de Albuquerque, Filipe Camarão e André Vital de Negreiros utilizaram a tática da guerra de guerrilha. São pequenos grupos subdivididos, que utilizam o fator surpresa e terminam dando a impressão de serem muito mais numerosos do que são porque surpreendem e subtraem do inimigo mais poderoso e os atraem para lutar em terreno que eles não conhecem. Também dão a impressão de serem muito maiores porque um movimento dessa ordem não se limita a quem está de arma na mão, envolve parcela extensa da população que ali vive.

Sobrevivendo à luta


Elza Monnerat

No caso da Guerrilha do Araguaia os combatentes variavam de 150 a 160 guerrilheiros entre pessoas oriundas dos meios urbanos e oriundas da região, que já viviam lá desde crianças. Dos que sobreviveram desse total, 67 eram militantes do PCdoB, entre os quais estava Maurício Gabrois, ex-deputado constituinte de 1946, João Amazonas, no início do movimento, Elza Monnerat, além de outros dirigentes partidários. Após a terceira campanha, menos de duas dezenas sobreviveram. Quando a guerrilha se dispersou cerca de 41 guerrilheiros foram pegos vivos e assassinados na mata, inclusive desrespeitando as normas e as leis internacionais do combate armado, que são consagradas no mundo inteiro. Alguns retomaram sua militância.

O deputado José Genoíno esteve logo no início, mas não chegou a participar dos combates e João Amazonas, que presidiu o PCdoB até recentemente, quando faleceu, tinha saído da área para uma missão quando o movimento eclodiu. Exatamente quantos são os sobreviventes da Guerrilha do Araguaia não tenho como dizer neste instante.

Noção da História

O PCdoB tinha vários dirigentes e 67 militantes entre os guerrilheiros. Finda a guerrilha, se extingue o regime militar, vem a Assembleia Constituinte de 1988 reconhecida pelo Estado Maior das Forças Armadas, pelo alto comando das três armas, e na Constituinte a bancada que mais se bateu pelo fortalecimento das Forças Armadas foi a bancada do PCdoB.

Por que eu registro isso? Porque o conflito que aconteceu lá, porque a morte de muitos dos nossos companheiros, alguns amigos e irmãos, porque a prisão e a tortura de muitos de nós não nos fez perder a noção da história e ter a compreensão exata do papel da instituição no Brasil. Nunca confundimos os maus militares que praticaram golpes, que praticaram o regime autoritário, com as instituições armadas, que nós consideramos indispensáveis para preservar a autonomia do nosso território, para defender o País de possíveis agressões estrangeiras, para garantir a soberania do País. Nós que somos historicamente influenciados para uma convivência pacífica na cena internacional, consideramos que temos o dever de ter Forças Armadas que assegurem nossa soberania e a integridade do nosso território.

Isso quer dizer que somos uma corrente política que não mistura as coisas, que preza a democracia, a soberania nacional e deseja sim aprimorar a democracia no País para que eventos como aqueles não venham a se repetir, para que a repressão violenta contra patriotas que discordavam do regime não volte a acontecer. Por isso, nós contemplamos o episódio da história com o espírito desarmado e o compromisso renovado com a liberdade, democracia e a soberania do País.

Aproveito a referência que V. Exa. fez ao ministro Aldo Rebelo para compartilhar dois fatos. Primeiro, que o deputado e ministro Aldo Rebelo já foi condecorado duas vezes pelas Forças Armadas brasileiras, uma pela Marinha e outra pelo Exército. O ex-deputado Aroldo Lima, idem. Quando o ex-presidente Lula iniciava a montagem do seu primeiro governo, o comandante das três armas da República procurou a direção do PCdoB pedindo a concordância para que defendesse junto ao presidente a indicação do deputado Aldo Rebelo para o Ministério da Defesa. Nós é que ponderamos com os altos comandantes das Forças Armadas que não seria adequado colocarem como ministro da Defesa, no primeiro governo de Lula, um membro do Partido Comunista do Brasil, para não gerar incompreensões, resistências e preconceitos.

O segundo fato é que, como vice-prefeito do Recife (2001-2008), tive a oportunidade – pela generosidade do presidente da Federação das Indústrias de Pernambuco, Jorge Corte Real -, encerrar uma solenidade de entrega de prêmio relacionado à eficiência de gestão e entre as instituições premiadas havia duas unidades Exército brasileiro sediadas em Pernambuco. Ao discursar na solenidade e ao me referir ao mérito do prêmio que era concedido pedi licença ao presidente Jorge Corte Real para me despir da condição de vice-prefeito e falar como comunista, como membro do PCdoB, para prestar homenagem ao Exército brasileiro naquele instante, homenagem que amanhã (quinta-feira, 12) esta Casa prestará, com a minha concordância e meu aplauso”.

Fonte: Site de Luciano Siqueira