Walter Sorrentino: Serra sem alfa, nem ômega

O significado mais direto e imediato dos resultados da pesquisa do Ibope – 60% a 40% para Haddad, em votos válidos (confirmado pelo Datafolha, logo mais) – é que São Paulo quer mudança na gestão da cidade. Mais de dois terços do eleitorado no primeiro turno deu um voto na mudança, em diferentes candidatos ou mesmo negaram candidaturas.

Por Walter Sorrentino

Esse é o "handicap" estratégico de Serra na campanha. Ele arca com o ônus da gestão Kassab que, nos últimos anos, deixou São Paulo na irritação silenciosa, mas ressentida. A periferia abandonada, problemas crônicos na saúde, segurança, mobilidade e educação pública, zeladoria da cidade em retrocesso, ação social e de planejamento quase zeradas, são fatos constatáveis por qualquer um que ande de fato toda a cidade.

Campanha negativa, de desconstrução do adversário, é completamente insuficiente para reverter isso e vai provavelmente cristalizar uma rejeição recorde. Para facilitar as coisas a Haddad, a campanha dele fez opções completamente fora do tom nessa matéria. Brandiu temas de caráter fundamentalista conservador, contrariando amplo consenso da sociedade, como no caso da liberdade de opção sexual e religiosa. Isso não funcionou em 2010, nas eleições presidenciais, e não funcionou até agora. Assim, nem é preciso desconstruí-lo, mas apenas desvelar sua persona política, cada vez mais rejeitada, inclusive em setores médios tradicionais na cidade. São as dificuldades da personagem e sua campanha.

Nesse clima, ele não consegue agredir Haddad, defender suas propostas, arcar com a gestão Kassab e se defender das críticas sofridas, tudo ao mesmo tempo. Por exemplo, sua campanha nem se dá ao trabalho de responder, até o momento, as críticas ao seu vice no que toca a recursos federais não demandados para creches infantis na capital.

Talvez a pretendida “bala de ouro” para a campanha Serra, o mal chamado “mensalão”, fosse a esperança. Muito se falará sobre isso, ainda; mas é um fato real que a população distingue alhos e bugalhos, e está mais interessada em resolver os graves problemas de São Paulo. A própria mídia grande passa recibo do fenômeno e, envergonhada, dilui sua pregação em prol de Serra, não sem deixar o rabo de fora.

Aliás, se há um fato que me deixará lembrança permanente desta campanha, foi a toada agressiva de Serra, em entrevista, contra Kennedy Alencar, profissional de imprensa que o entrevistava. A Casa-grande estava lá: um cala-a-boca sem cerimônia no profissional, como um patrão ordenando a seu subordinado. Não vi nenhum desagravo a Kennedy, nem do próprio órgão, nem das instituções da mal chamada “mídia livre”. Foi histórico.

Mas creio que há uma razão menos imediata e indireta das pesquisas. Ela se chama renovação. Renovação política e de geração dos quadros políticos. Lula o compreendeu profundamente e a tempo. Até o leal parceiro de Serra, Kassab, compreendeu e se prepara para voo solo. Os tucanos não compreenderam isso. O exemplo de 2010, com a eleição de Dilma Rousseff presidenta, não lhes bastou de alerta.

O PSDB é um partido cartelizado por caciques, onde só cabe mais um quando morrer (politicamente) o outro; está pior que a Academia de Letras. É certo que para isso seria preciso renovar o ideário e o projeto político, e a oposição, como se sabe, está presa ao passado, em dissonância com as profundas mudanças na sociedade brasileira e as realizações econômico-sociais dos últimos anos.

Por isso, a vitória de Haddad poderá ser um histórico feito eleitoral na vida de São Paulo, de alguém que partiu de 3% dos votos ao início da presente campanha e terá derrotado um ex-tudo paulistano. Mais que uma vitória eleitoral, entretanto, Haddad prefeito será a abertura de um novo ciclo político na vida da cidade. E tanto quanto uma vitória política de Lula e seu campo na maior e mais influente cidade do país, será uma vitória estratégica nesse sentido, porque preparou nova geração na política.

Como em 2010, parece ter sido mais um erro estratégico o de Serra candidatar-se este ano à Prefeitura. Talvez não tivesse outra opção, o que explica mas não a justifica. Nada é irreversível, mas Serra se tornou um homem preso ao passado. Com a derrota, ele vai ficar sem alfa e sem ômega.

*Walter Sorrentino é secretário nacional de Organização do PCdoB

Fonte: Blog do Walter