Os diferentes tipos de invasões de terras

Bastante valorizadas, as terras do Distrito Federal são alvo de constantes apropriações e ocupações.

Há os que se arriscam em uma conduta ilegal para comercializá-las e obter lucro, com a chamada grilagem de terras, e existem outros que fazem do solo um instrumento para pleitear causas sociais e a reforma agrária, como o Movimento dos Sem Terra (MST). Embora ambos se utilizem de áreas de domínio do governo, existem diferenças que norteiam o modo de agir de cada um e tipifica como crime ou não.

O diretor da Urbanizadora Paranoazinho – entidade que atua na área de regularização fundiária –, Ricardo Birmann, define a grilagem como ocupação irregular de terrenos com a finalidade de se obter lucro por meio do parcelamento e comercialização de áreas invadidas. Este, para ele, é um dos principais quesitos para a diferenciação entre grileiros e militantes da reforma agrária. “Em termos práticos, estes dois tipos são parecidos, mas na linha ideológica são diferentes. A grilagem propriamente dita causa problemas imensos como a sobrecarga de infraestrutura das cidades e equipamentos públicos”, explica.

Arquiteto e urbanista, José Carlos Coutinho defende que é necessário haver diferenciação entre grileiros e participantes de movimentos sociais que buscam a reforma agrária e a correta divisão do solo. Em seu ponto de vista, de modo geral, a tendência da sociedade é generalizar estes dois tipos de personagens.

“O grileiro é um criminoso e tem que ser tratado como um ladrão. Não há dúvidas que ele opera de má-fé e que ele quer tirar proveito da ingenuidade ou da esperteza de muitos. Os sem terra são diferentes porque atuam em busca de causas sociais, são pessoas de baixo poder aquisitivo, embora, por isso, saibamos que muitas vezes eles são usados por grileiros”, observa.

Repressão

Para Coutinho, embora exista uma distinção destes dois grupos, é preciso reconhecer que ambos são prejudiciais ao correto uso do solo. Ele defende uma ação mais atuante do Estado para reprimir a atuação de grileiros e a criação de políticas públicas que proporcionem a correta distribuição de moradia. Com isso, em sua visão, problemas com os militantes de movimentos sociais seriam evitados, como o enfrentado na última semana, em que os sem terra impediram o tráfego de importantes rodovias do DF. “Nos dois casos o governo tem uma enorme responsabilidade”, analisa.

Interesses disfarçados

Segundo o chefe de Comunicação e porta-voz da Secretaria de Ordem Pública e Social (Seops), major Carlos Chagas de Alencar, apesar de a causa defendida pelo MST ter cunho social, é preciso atentar-se para o fato de que pessoas cuja linha de pensamento e de atitudes diferem do pensamento militante se aproveitam do nome do movimento para praticar atitudes ilícitas, como a grilagem.

“Sabemos que há homens e mulheres que se infiltram nestes movimentos com outros fins. Frequentemente podemos notar pessoas com carros luxuosos, que é algo que não há compatibilidade com o movimento. Têm pessoas que participam disso apenas para macular o movimento da reforma agrária”, afirma major Alencar.

Para a Terracap – que tem frequentemente suas terras como alvo de ações de grileiros e, às vezes, de movimentos sociais –, é preciso reagir aos constantes casos de ocupações. De acordo com o diretor-extraordinário de Regularização de Terras Rurais da empresa, Moisés Marques, as ocupações de grileiros e dos movimentos sociais devem ser acompanhadas com rigor. “Qualquer que seja a ocupação, ela não deixa de ser ilegal. O tratamento que tem que ser dado nesses casos é de que é uma ocupação ilegal e como tal deve ser tratado com o que está disposto da legislação”, diz o diretor.

Saiba Mais

Grileiro é um termo utilizado para designar a pessoa que utiliza documentos ilegais para se apossar de terras. O nome surgiu da prática de colocar escrituras falsas em caixas com grilos para que o excremento dos insetos deixasse o papel com aparência mais antiga e, por consequência, com um aspecto de verdade nas informações.

Sem terra é a nomenclatura que se dá ao trabalhador da área rural que, em grupo, luta pela reforma agrária e a divisão de terras que priorizem a agricultura familiar.

Intenção é “priorizar a agricultura”

Taxados frequentemente como grileiros, os integrantes do MST alegam que não possuem envolvimento com a atividade comercial que visa o lucro sobre as terras do governo. Líder do MST e coordenador do Acampamento 22 de agosto, às margens da BR-040, próximo ao Catetinho, Edmar Sousa, 24 anos, reconhece que os barracos estão em área pertencente à Terracap.

“A reforma agrária não está acontecendo e estamos aqui para ocupar uma terra que até então era improdutiva. Nosso principal objetivo é priorizar a agricultura e não vender lotes”, diz.

Com exclusividade, o Jornal de Brasília entrou no Acampamento 22 de agosto e constatou como vivem as 1.170 famílias que ocupam uma área de 652 hectares. Por lá, não há energia elétrica. A água é garantida por meio de uma cisterna que já existia na área antes da ocupação, assegura o movimento. Nos quintais dos barracos, há mudas de mandioca, milho e feijão.

A todo momento, carros – alguns de luxo – passam pela portaria improvisada que controla a entrada e saída. Nos barracos, as condições são precárias. Agricultor e serralheiro nas horas vagas, José Pereira Loiola, 45 anos, vive em um barraco de pouco mais que cinco metros quadrados e sobrevive com uma renda mensal de R$ 200. Para ele, a grilagem não acontece no movimento. “Muitas pessoas nos chamam de vagabundos, grileiros e têm uma má visão sobre nós. Não somos nada disso. Apenas lutamos por uma transformação social. Lutamos por justiça”, justifica.

Enquanto o acampamento segue em ritmo de construção, o GDF aguarda a reintegração de posse da área, cujo prazo termina em 1° de dezembro. O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) reiterou o pedido para o imediato cumprimento da decisão liminar expedida pela Vara do Meio Ambiente, em 19 de outubro. A alegação do órgão é que a área abriga nascentes e córregos imprescindíveis para o abastecimento de água da população.

Ponto de vista

Sociólogo e professor universitário, Sérgio Sauer também destaca que a principal diferenciação entre grileiros e sem terra é a causa que cada um defende. Segundo ele, os grileiros visam somente o lucro com condutas ilegais. Já os sem terra, ao ocupar a área, solicitam o cumprimento social conforme estabelecido na Constituição Federal. “Os objetivos dos dois são bem opostos. O Distrito Federal é, infelizmente, um exemplo notório da ocupação

desordenada de bens públicos. Quanto aos movimentos sociais, houve uma redução significativa nas políticas de reforma agrária neste ano, que podemos compará-la como o que tínhamos em 1995. Hoje, a reforma agrária está praticamente paralisada”, analisa.