Audifax Rios: Mais duas estrelas no céu

Por *Audifax Rios

A primeira nasceu para isso, brilhou intensamente nas telas do cinema, nas ondas do rádio, na estrada da vida. Deixou-nos no dia 8 de abril aos 85 anos, na capital espanhola. Sarita Montiel, nascida Antonia Abad Fernandez, crismada Maria Alejandra devido a participação no primeiro filme, Te quiero para mi; conseguiu tudo o que quis, sucesso, tietagem, uma vida confortável. Mas o que ela teve mesmo foi muitos amores, dentro e fora das telas, algumas personalidades como Ernest Hemingway, outro escritor, León Felipe, Gary Cooper, Miguel Mihura, Maurice Ronet, Giancarlo del Luca e James Dean com quem posou na última fotografia e esteve prestes a embarcar na viagem fatal. Afora os três maridos de papel passado, Antony Mann, Vicente Ramirez Olalla e Pepe Tous. Até um político de esquerda, Indalécio Brito e, pasmem, Pedro Almodóvar, platonicamente, o qual adorava imitá-la e que, finalmente, em 2004, trabalharam juntos em Má Educação, ela já nos seus maduríssimos 75 anos.

Sarita Montiel não apaixonou somente os parceiros do mundo artístico, mas todos os homens, velhos e novos, por este planeta afora onde seu rosto e o resto do corpo explodiam com a bela voz nas telas de todos os cinemas, o que fez dela a maior atriz de língua hispânica da década de cinquenta/sessenta. Aqui no Brasil a consagração veio com La Violetera (1958) e outras películas complementares: El último cuplé, Serenade, Mi ultimo tango, Pecado de amor, La bela Lola, Noches de Casablanca e muitos outros.

Se não me engano, em 1998 ela esteve aqui, beirando os oitenta, e cantou no mesmo palco onde a vi projetada na tela do São Luiz, lá por 1964. Lotação esgotada, contentei-me com o telão armado na Praça do Ferreira. Mas a vislumbrei ao longe, na saída do escurinho do cinema. Como ave precursora da primavera.

A outra estrela, também com uma perene rosa vermelha nos cabelos, era de um mundo mais real, menos glamuroso. A tal flor era colhida no sítio do Mondubim onde, igualmente, apanhava frutos para compor sucos, bolos e doces, mimos para as constantes visitas. Nice Firmeza, pintora e bordadeira, era do famoso grupo que revolucionou os meios artísticos cearenses a partir da década de cinquenta: a Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP). Corajosa, era a única mulher que participava das escapadas da cidade grande, Fortaleza, para pintar a paisagem das praias adjacentes, acompanhada dos colegas, todos homens. Havia de por pra fora a arte latente desde menininha, na terra natal, Aracati, influenciada pelo irmão que fazia Belas Artes no Rio e pelo pai, historiador, sempre a lhe sugerir compêndios de arte e que tais.

Foi na SCAP que Nice conheceu Estrigas (Nilo de Brito Firmeza), o único e grande amor, há mais de cinquenta anos. Quando Nilo a pediu em casamento, titubeou, católica convicta, como se uniria a um ateu? Deu certo, a arte os costurou, os arrematou, os emoldurou. E que união, dava gosto ver os dois pombinhos na ime(a)nsidão do sítio, todo paz, quebrada apenas pelo apito do trem interferindo no trinado dos pássaros. As flores migravam para os bastidores de Nice que dava aulas de bordado; os frutos para as compoteiras; os pássaros de guarda na fronde das árvores seculares.

Agora Nice se foi. Aos 91 anos, deixando Estrigas desamparado, aos 93. A castanha separada do caju, como isso ficará? Ela continua estrela em outro espaço. Ele ficará pintando no bosque, de olho nas violetas ou naquela florzinha roxa e amarela chamada amor perfeito.

*Audifax Rios é artista plástico e colunista do O Povo

Fonte: O Povo

 

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