Despinochetizar a lei migratória

"…expulsar a um estrangeiro pode ser uma tarefa difícil, inclusive mesmo que a culpabilidade deste esteja devidamente comprovada; ou se há constatação de que ingressou ao país clandestinamente (…) Um regime aberto às oportunidades da migração só tem sentido se é possível expulsar, de forma expedita, aos que atentem contra o bem comum”.

Por Ricardo Jiménez*, na Adital

Essas são palavras textuais do atual presidente do Chile, Sebastián Piñera, e são parte do "marco normativo” (ponto 3, parágrafo 10) da apresentação do novo Projeto de Lei de Migração à Câmara de Deputados, no dia 20 de maio de 2013. Nelas, queixa-se de que a atual Lei de Migrações, para dizer em palavras simples, é muito leve na hora de expulsar estrangeiros em situação irregular.

Refere-se à Lei Migratória elaborada sob a ditadura de Augusto Pinochet, que não só é a Lei Migratória "mais antiga da América do Sul” e uma das mais antigas do mundo, como também é absolutamente restritiva, baseada em um critério com gosto de segurança nacional, com plena discricionariedade do Estado e contrária aos padrões internacionais de direitos adotados legalmente pelo Chile nas últimas décadas.

Era tanta a arbitrariedade desse corpo legal que os posteriores governos concertacionistas, incapazes de despinochetizar esse âmbito, fizeram algumas reformas menores de procedimentos administrativos e vários desusos de fato de seus aspectos mais inapresentável. Apesar disso, as denúncias de arbitrariedades e abusos aos estrangeiros no Chile, desde que passam uma fronteira ou um aeroporto, têm sido permanentes e alcançaram notoriedade pública nos últimos anos. Inúmeras denúncias legais levaram, inclusive, o poder judicial a falhar a favor da proteção dos migrantes, por exemplo, frente a detenções e encarceramentos ilegais e violador dos direitos humanos.

No entanto, ao senhor Piñera lhe parece pouco e ainda reclama mais discricionariedade e não cumprimento de obrigações para poder expulsar estrangeiros e criminalizar a irregularidade. Na antiutopia migratória de seu Projeto de Lei, somente o interesse por mão de obra barata empresarial, que supõe identificado com o nacional, ditará quantos, onde e por quanto tempo alguns migrantes receberão a concessão de residir no Chile.

Enquanto o país necessita despinochetizar a lei migratória para entrar democraticamente ao século 21 nesse âmbito, a Piñera lhe parece suave a xenofobia pinochetista e a exacerba a padrões do século 19. Seria cômico se não fosse trágico.

Ricardo Jiménez é colunista da Adital
Tradução: Adital