Soldados de Israel mergulham na pobreza e no racismo obrigatório
Na semana passada, a televisão israelense noticiou sobre um assunto estrutural da sociedade em Israel, ao tratar da situação financeira dos seus soldados, em um país em que todos os cidadãos são obrigados a prestar serviço militar (e uma população formada completamente de soldados, assim sendo), com a exceção, talvez temporária, já que debatida, dos judeus ortodoxos.
Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho
Publicado 19/08/2013 16:57

Além das recorrentes denúncias das situações degradantes e de humilhação pelas quais passam os soldados israelenses, e às quais eles e elas (obrigados ou não) submetem toda a população palestina, também têm sido frequentes as notícias sobre jovens que, ainda antes de ingressarem na universidade, são detidos repetidamente por negarem-se a prestar o serviço militar.
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Os testemunhos chocantes e, segundo a imaginação, bastante gráficos dados por veteranos (eles próprios bastante jovens, em geral) sobre o seu trabalho, as ordens que recebem e o tratamento desumano, cruel e criminoso dispensado aos palestinos, às suas terras e residências provavelmente tem afastado alguma parte da juventude israelense deste serviço nefasto.
A organização israelense “Quebrando o Silêncio”, que publica vídeos e declarações desses veteranos (muitos dos quais já comentados extensivamente pelo Portal Vermelho), tem recebido cada vez maior atenção internacional, embora nem tantos resultados.
A matéria da televisão israelense foca nas dificuldades financeiras que os soldados israelenses enfrentam depois de cumprir o tempo de serviço que lhes é exigido (em alternativa à cadeia). Um soldado da Brigada Kfir (notável em Israel e acusada frequentemente de dar tratamento brutal aos palestinos que encontra) foi ouvido declarando que nove entre 10 soldados precisam de apoio financeiro.
Além disso, um relatório do Parlamento (Knesset) indicou que milhares de soldados retiram-se do Exército anualmente por razões financeiras, segundo a revista eletrônica israelense +972 Magazine.
Um jornalista desta revista independente, Haggai Matar, (autor de reportagens importantes sobre o Exército e as práticas das autoridades israelenses na ocupação militar dos territórios palestinos), disse ter conhecido um desses soldados enquanto, também ele próprio, esteve na prisão por recusar-se a servir militarmente, há 10 anos.
“Um atrás do outro, meus companheiros de cela mencionavam a pobreza em suas casas, como seus pais estavam doentes e não podiam pagar pelo tratamento, ou como seus irmãos precisavam de livros escolares que a família não podia comprar”, escreve Matar.
O jornalista conta que nenhum deles sentiu-se arrependido quando, tendo negados os seus pedidos de tempo livre para trabalhar, decidiram desertar do Exército, um “ato de sobrevivência criminalizado”.
O relatório do Centro de Informação e Pesquisa do Knesset recentemente publicado, citado por Matar, indica que 14.000 soldados foram presos em 2012. Mais de 70% desses soldados foram sentenciados por deserção de curto ou longo prazo, e de acordo com a reportagem televisiva, a maior parte dessas deserções foi economicamente motivada.
O salário dos soldados israelenses, jovens que são obrigados a cumprir o serviço militar, é de 350 shekels (230 reais) por mês, e o dobro, 700 shekels (470 reais), para um combatente. Este valor corresponde a um sétimo do salário mínimo no mercado de trabalho em Israel, ressalva Matar.
Foto: +972 Magazine
Uma foto da reportagem televisionada sobre o empobrecimento dos soldados israelenses, em que o
soldado diz: "Fui detido por ter problemas financeiros".
Matar lembra que um comandante daquela Marinha que impõe um bloqueio marítimo à Faixa de Gaza também disse que 60% dos seus soldados precisavam de ajuda financeira, e que ele próprio compra equipamentos a eles com dinheiro do seu próprio bolso. Esta é a mesma Marinha que, através do bloqueio, impede aos pescadores palestinos uma subsistência digna diariamente.
Desigualdade social aprofundada e o militarismo racista sionista
Um porta-voz das Forças de Defesa de Israel (FDI) respondeu à reportagem televisiva com a declaração: “As FDI são o Exército do povo e, como tal, servem como um espelho da sociedade israelense, incluindo as suas dificuldades sociais e financeiras, e muitos esforços são feitos para apoiar os soldados e seu bem-estar. Mais de 400 milhões de shekels (269 milhões de reais) são investidos no bem-estar dos soldados todos os anos, uma quantia que tem crescido nos anos recentes, devido ao aprofundamento da desigualdade social e das dificuldades econômicas na sociedade israelense”.
“Então, como a juventude de Israel lida com crescentes dificuldades econômicas face ao serviço militar obrigatório? Muitos encontram formas de evitar o serviço militar completamente. Alguns, em casos extremos, recorrem ao roubo e a propinas, enquanto outros recusam o serviço abertamente e vão para a prisão, devido à violação do Estado de sua obrigação de defender os civis da pobreza”, diz Matar, que se refere a reportagens da própria +972 e da organização “Quebrando o Silêncio” sobre esses casos.
Matar ressalta a “atual crise do sionismo”, à qual se refere como uma “escolha entre o militarismo e a solidariedade”, e em que se baseia uma concepção inteiramente menos dura de “sionismo”. “O contrato social fundador do sionismo foi baseado na noção de que todos os judeus devem se unir, especialmente em combate contra os árabes, mas também contra o mundo hostil, e em troca gozariam dos benefícios de um Estado de bem-estar”, explica.
Mas o jornalista não se esquece, entretanto, de ressaltar as desigualdades dentro da própria sociedade israelense, entre judeus europeus e judeus "do leste" (do Oriente Médio e do Cáucaso, ainda com ponto de referência europeu), entre homens e mulheres, judeus ultra-ortodoxos e os outros, e assim por diante, embora retoricamente o contrato continuasse em vigor, até que o advento do neoliberalismo fundou raízes em Israel, com privatizações, cortes em saúde, habitação e educação, o que remete outra vez às condições em que os soldados afirmam estar.
Frente ao desafio desta sociedade, que possui um dos maiores Exércitos do mundo e que é instalada em uma Israel classificada como o sexto maior exportador de armas, Matar pergunta: “será que os israelenses lutarão para estabelecer o velho contrato racista e militarista em que o serviço dos judeus no Exército lhes compra um certo (e até mínimo, às vezes) nível de segurança social, ou escolheremos formar alianças de todas as classes pobres, médias, trabalhadoras (árabes e judias) para formar um novo sistema de solidariedade, igualdade e economia justa?”