Haroldo: Últimos dez anos é o quarto marco histórico do Brasil
O Comitê Municipal do PCdoB do Recife reuniu na noite de segunda-feira (02) dirigentes, filiados, militantes, amigos e simpatizantes do partido para lançar oficialmente o Caderno de Teses do 13º Congresso Nacional. Haroldo Lima, membro do Comitê Central, fez a palestra principal do evento que integra a pauta de mobilização para a divulgação do congresso comunista, que acontece em novembro próximo, em São Paulo.
Publicado 05/09/2013 09:54 | Editado 04/03/2020 16:56
Foto: Jaime José
Após a saudação inicial do presidente do PCdoB Recife, vice-prefeito Luciano Siqueira, a poeta e secretária de Meio Ambiente do Recife, Cida Pedrosa, fez uma homenagem ao poeta e compositor Carlos Fernando, recentemente falecido.
“Os poetas não morrem, eles se encantam. Quando um poeta morre, o céu ou qualquer dimensão que exista para além da dimensão da Terra se alegra, pois vai receber quem no mundo foi capaz de dividir a dor e a alegria com palavras”, disse ela, recitando em seguida o poema Singelo, de autoria de seu filho, Francisco Pedrosa.
Haroldo Lima iniciou sua palestra lembrando a fundação do partido em 1922 e as alterações pelas quais passou a legenda e os comunistas em seus 91 anos de existência.
“Nesse tempo nós mudamos muita coisa entre as quais a forma de fazer congressos. Nossos congressos eram, às vezes, feitos na clandestinidade, pequenos, mas, sobretudo, nós apresentávamos as nossas ideias sobre o que seria o socialismo no Brasil. A ideia básica nossa era de que como nós estamos no Partido Comunista, no partido do socialismo, realizaríamos um congresso para discutir como seria o socialismo no Brasil, como esse socialismo surgiu. E nós ficávamos discutindo ideias que não estavam casadas com a realidade concreta, não decorriam da situação em curso”, lembrou.
Mas, segundo o dirigente comunista, recentemente, o partido passou a refletir e a fazer uma avaliação diferente. “Passamos a discutir o caminho que nos levará ao socialismo, mas este caminho é um caminho se baseia na situação concreta que nós estamos vivendo agora no Brasil, o que nós, enquanto partido, estamos fazendo nessa situação e examinando se é correto, justo, se está avançando ou não, fazendo as correções, e dentro disso nós vamos estabelecer a nossa linha programática, o programa do partido. As teses desse congresso são decorrentes da situação que está em curso e não de situações abstratas”, afirmou.
Segundo Haroldo, a questão central das teses do 13º Congresso é o fato de que nós vivemos no Brasil hoje o décimo aniversário de uma situação nova que se criou no país com os oito anos Lula na Presidência da República e os dois anos de Dilma como presidenta. “Um processo do qual nós participamos deste o início e no congresso vamos fazer um balanço sobre esses dez anos. O que aconteceu nessa etapa, foi positivo, foi negativo, quais os avanços, o que precisa ser perseverado, o que precisa ser mudado, quais as eventuais insuficiências, quais as correções. Esse é o nosso desafio”, destacou.
Ciclos civilizacionais
Revolução de 1930 é o terceiro marco civilizacional do Brasil
Para situar historicamente esses últimos dez anos de governo progressista, de forma a poder definir se houve avanços ou não no período, Haroldo Lima fez o resgate da História do Brasil a partir do período colonial, marcado pela monocultura e a escravidão de africanos até os dias atuais. “Durante muito tempo o Brasil foi um produtor e exportador da cana de açúcar, com uso da mão de obra escrava, e nesse período o país não tinha uma identidade propriamente nacional, nós éramos colônia de Portugal. A marca principal do nosso atraso industrial começa pela legislação portuguesa que proibia a instalação de fábricas no Brasil”, explicou.
Essa situação, disse o dirigente comunista, começou a mudar a partir de 1822, com a Proclamação da Independência pelo imperador D. Pedro I. “Pensamos nós do PCdoB, que esse é o primeiro grande marco da nossa História. Nós deixamos de ser Colônia e passamos a ser um País, um país chamado Brasil, com uma fisionomia de um país independente. O segundo grande marco em nossa História aconteceu com a abolição da escravatura, em 1888, e a Proclamação da República, em 1889”.
Haroldo apontou ainda a Revolução de 1930 como o terceiro grande marco na Historia do país. “A partir da Revolução de 30 muitas coisas aconteceram de forma diferente no Brasil, produzindo algumas boas medidas como a criação da Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho; instituição do voto secreto e do voto feminino; criação dos ministérios do Trabalho, da Indústria, do Comércio, da Educação e da Saúde; criação da CLT, do salário mínimo, da Carteira de Trabalho e das férias remuneradas; além do IBGE, da OAB, dos Correios, da Companhia Siderúrgica Nacional, a Chesf, Petrobras, Eletrobrás, entre outros”, enumerou, ressaltando que “a Revolução de 30 contribuiu muito para a criação deste Estado moderno brasileiro, que até então era um Estado atrasado, primitivo e a Revolução de 30 foi um marco significativo de nossa História”.
Lula e o quarto marco
Para Haroldo, o quarto marco histórico do Brasil só vem a ocorrer em 2003, com a eleição de Lula para presidente e seu governo.
“Se os três marcos anteriores se caracterizam como tal porque eles mudaram o mundo, as coisas que existiam até então, o quarto marco que surge em 2003 com o governo Lula também muda coisas essenciais que existiam até então, como o desenvolvimento centralizado, elitista, a elite se desenvolvia e enriquecia e as grandes massas estavam enxotadas, marginalizadas. Esse é o tipo de desenvolvimento que se conheceu no país durante muito tempo. Os ricos cada vez mais e os pobres cada vez mais pobres”, destacou.
“Com Lula, de repente, passou a existir no Brasil um desenvolvimento com inclusão social, coisa que nunca existiu em nossa História e como nós estamos estabelecendo marcos que mudaram a nossa História, nós temos de estabelecer esse marco, que tem quatro características inéditas em termos de Brasil. O primeiro é o desenvolvimento com inclusão social, ou seja, a turma de baixo começou a ter recursos; a segunda grande novidade é o desenvolvimento com a redução das desigualdades regionais; o terceiro aspecto é o desenvolvimento que implica na integração da América do Sul, que também nunca se fez em nossa História”.
“A quarta característica é a relação com mais próximas com os países emergentes, nós começamos a olhar não para a Europa e os Estados Unidos apenas, mas para a África, Ásia, começamos a nos aproximar da China, da Índia, demos força à criação dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Isso é importante e nunca foi feito. Por isso, o balanço básico que nós fazemos desse período é se trata de um período novo de nossa História, tem características diferentes do que existia anteriormente”.
Desenvolvimento do Nordeste
Para Haroldo Lima, um dado que merece atenção especial é o desenvolvimento do Nordeste. Segundo ele, o Nordeste cresceu 7,2% em 2010, muito mais do que todo o resto do país. “A média brasileira é menos da metade da média de crescimento do Nordeste brasileiro. Mesmo com a região crescendo 6% a partir de 2011 o resultado foi superior à média brasileira. Isso mostra uma mudança na situação que existia. E vocês sabem aqui em Pernambuco como o Estado cresceu nesse período mais recente de Lula e Dilma”.
No entanto, ressalta o comunista, “nem tudo foram flores” nesse período para o Brasil. “Em 2008, nós estávamos saindo da condição de um país que não crescia, cujo PIB era um “pibinho”, nós passamos a ter PIBs razoáveis, não recuperamos os níveis de crescimento históricos dos nossos PIBs anteriores logo depois da 2ª Guerra Mundial, mas estávamos nos aproximando, eis que o mundo sofre o impacto de uma crise de grandes proporções, que é considerada tão grande como a crise de 1929 e começou com a quebra do Lemon Bank, dos Estados Unidos, e se espalhou pelo mundo, impactando, mesmo que em menor escala, o Brasil”.
Isso, segundo Haroldo, levou o governo a tomar diversas medidas, sem, contudo, conter a atividade econômica “por baixo”, mas, ao contrário, tentando dinamizar a economia e ajudar o crédito, contendo os juros, concedendo incentivos fiscais, estimulando o consumo e ampliando os investimentos.
“Em 2013, os resultados desses dez anos podem ser representados por algumas cifras importantes e muito significativas, apesar dos percentuais negativos de alguns períodos. Por exemplo, em 2010 o crescimento do PIB foi de 4,9% e de 1,5% no último trimestre de 2013, resultado que levou os economistas a anunciarem que tudo indica que o fundo do poço acabou no Brasil. Quando Lula tomou posse, a inflação era de 12,53% passou a ser em 2010 de 5,6%. O salário mínimo, em 2010, equivalia a US$ 78, hoje equivale a US$ 320. O mínimo nem a Previdência também não chegavam aos trabalhadores rurais, hoje chegam ao campo”, listou.
Outro avanço é a mudança de filosofia na atuação do BNDES que, segundo Haroldo, foi criado para fomentar o desenvolvimento nacional, na época de FHC foi transformado em um banco para financiar o empresário estrangeiro ou brasileiro que quisesse comprar as estatais do país.
“Quando Lula assume retorna o papel anterior do banco que até então financiou R$ 37 bilhões para desenvolvimento, financiou em 2010 R$ 168 bilhões”, citando ainda como mudança de paradigmas o aumento das exportações (de US$ 73 bilhões para US$ 163 bilhões) e das reservas em moeda forte (ouro e dólar), que subiram de US$ 16 bilhões (2003) para US$ 380 bilhões (2013). O desemprego era de 12% e hoje passou a ser de 6%. “Isso significa que, apesar das dificuldades, das insuficiências e do drama da crise internacional do capitalismo o nosso país mudou”.
Jornadas e reformas
Manifestação popular de junho de 2013 no Recife levou mais de 1 milhão às ruas
O integrante do Comitê Central do PCdoB avaliou ainda o período mais recente do Brasil, marcado pelas chamadas jornadas de luta desencadeadas a partir de junho passado.
“As jornadas populares de junho de 2013 em diante são espantosamente grandes, são as maiores manifestações concentradas da História do Brasil. Uma questão que se coloca é identificar quem é e o que desejam essas pessoas que foram às ruas. Muita análise tem sido feita, mas coisas já estão mais ou menos acertadas e comprovadas. Percebe-se que parte dos que foram às ruas são jovens oriundos das camadas sociais que ascenderam a uma posição mais destacada nos últimos dez anos graças às políticas que já citei. Então, esse pessoal foi às ruas não para pedir que não lhes retirassem direitos, mas querendo mais direitos, o que é justo, correto. Essas pessoas não tinham direito a nada, à educação, à saúde, a cidade, e passando a ter acesso a isso percebe que a educação, a saúde, a mobilidade urbana estão absolutamente precárias e querem agora serviços de qualidade. Isso é correto.”
Ao finalizar sua palestra, Haroldo Lima, afirmou que as conquistas dos últimos dez anos não resolvem alguns problemas “de fundo” no Brasil, que precisam ser tratados de forma concreta sem o que se corre o risco de retrocesso.
“Consideramos que algumas reformas estruturais têm de ser atacadas, porque melhorar a educação, a saúde não é uma reforma estrutural, tem que fazer reformas que mudem a estrutura, o modo de funcionar das coisas. Nesse sentido nós achamos que primeiro tem de fazer a reforma tributária, pois os tributos oneram muito a produção industrial brasileira”, disse.
“Temos de fazer uma reforma no sistema de representação política, temos de mudar a forma como é feita a eleição dos nossos representantes, pois em nosso país a eleição é uma espécie de grande negócio privado, comercial e achamos que eleição não deve ser um negócio privado e sim um negócio público e o Estado brasileiro deve financiar da forma correta, clara, aberta, fiscalizada a eleição de seus representantes, de tal maneira que todos tenham direitos iguais, proporcionais às forças de seus partidos e possam ser eleitos ou não em um processo aberto e democraticamente igualitário”, adiantou Haroldo.
Ele avaliou ainda as reformas estruturais do sistema judiciário, que deveria também ser submetido ao crivo do povo, e do sistema de comunicação, que, para ele, precisa ser democratizado e as concessões revistas.
Do Recife,
Audicéa Rodrigues