O PL 4330 regulariza a precarização do trabalho
A apresentação do Projeto de Lei 4330 de autoria do Dep. Federal pelo PMDB/GO Sandro Mabel, que tramita no Congresso Nacional desde 2004, dispondo-se a regular “o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes”, a princípio se destina a preencher lacuna da Lei. Mas, a legislação nacional não alcança o mundo dos contratos e das relações de trabalho?
Por Fátima Viana*
Publicado 17/09/2013 11:39 | Editado 04/03/2020 17:07
O novo Código Civil Brasileiro data de 2002 e regula de forma detalhada os contratos nas suas variadas formas. Espelhando os fundamentos e princípios da Constituição de 1988, o novo código dedicou 22 capítulos para tratar da celebração, existência e extinção de cada espécie de contrato.
A Consolidação das Leis do Trabalho instituída em 1943 foi recepcionada pela Carta de 1988 e juntamente com legislação esparsa, súmulas e enunciados do Tribunal Superior do Trabalho regulam as relações de trabalho individuais e coletivas, em toda a sua dimensão. A legislação citada estabelece o patamar mínimo de direitos e garantias destinadas ao trabalho, podendo ser ampliado e aperfeiçoado por negociação coletiva entre trabalhadores e empregador.
A legislação brasileira é ampla e abarca o universo abordado pelo PL em questão, mas há sempre espaço para a especialização das leis, principalmente se estas se propõem a regular fato novo, como se configura a ampliação indiscriminada da terceirização no Brasil. No entanto, a especialização da Lei não pode reduzir ou ignorar o que já está inscrito na legislação superior e especial, como são a CF/88 e a CLT.
Reside nesse ponto o conflito entre o movimento sindical e os parlamentares defensores do PL 4330, pois o texto que será levado ao plenário do Congresso Nacional autoriza a “generalização da terceirização na economia e na sociedade brasileiras, no âmbito privado e no âmbito público, podendo atingir quaisquer segmentos econômicos ou profissionais, quaisquer atividades ou funções”; além de alterar a responsabilização da tomadora de serviços de responsabilidade solidária para responsabilidade subsidiária.
Se aprovado, o referido Projeto de Lei trará consequências danosas aos trabalhadores e ao país, inclusive para o projeto nacional de desenvolvimento. As implicações poderão se estender do universo individual e coletivo dos trabalhadores, do conceitual do direito do trabalho, até a dimensão fiscal do Estado.
Inicialmente, o PL altera e amplia a possibilidade de terceirização criando a figura do fornecedor de mão de obra, em confronto com a legislação atual que admite a terceirização apenas nas hipóteses de: 1- Contratação de trabalhadores por empresa de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.06.1974); 2- Contratação de serviços de vigilância (Lei n 7.102, de 20.06.1983); 3- Contratação de serviços de conservação e limpeza; 4- Contratação de serviços especializados ligados a atividades-meio do tomador, desde que inexista a pessoalidade e a subordinação direta.
Esvazia o conceito constitucional e legal de categoria, permitindo transformar a grande maioria de trabalhadores em ´prestadores de serviços´ e não mais ´bancários´, ´metalúrgicos´, ´comerciários´ etc. Como se sabe, os direitos e as garantias dos trabalhadores terceirizados são manifestamente inferiores aos dos empregados efetivos, o que levará rapidamente ao rebaixamento do valor social do trabalho na vida econômica e social brasileira.
O aviltamento dos salários comprometerá o bem estar individual e social das pessoas, além de afetar, de maneira negativa, o mercado interno de trabalho e de consumo, fragilizando um dos principais elementos de destaque no desenvolvimento do País.
A generalização da terceirização esvazia de trabalhadores a grande empresa – responsável por parte relevante da arrecadação tributária no Brasil –, e dessa forma levará o Estado nacional a acumular déficit fiscal, uma vez que as micro, pequenas e médias empresas possuem mais proteção e incentivos fiscais do que as grandes empresas.
A nova legislação trará ainda sobrecarga ao Sistema Único de Saúde (SUS), haja visto que todos os estudos e estatísticas nacionais apontam os trabalhadores terceirizados como as vítimas de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais/profissionais que figuram em proporção superior aos empregados efetivos das empresas tomadoras de serviços.
Por último, cabe destacar que a grande maioria das empresas terceirizadas não cumpre as obrigações trabalhistas relativas a encargos sociais e verbas rescisórias, somente pagas pelo acionamento da tomadora de serviços, com base na responsabilidade solidária. Com a mudança da responsabilidade da tomadora de serviço para responsabilidade subsidiária, a possibilidade de o trabalhador vir a receber todas as verbas a que faz jus fica irremediavelmente comprometida.
A legislação proposta pelo PL 4330 responde aos interesses apenas do capital e levará, necessariamente, ao aprofundamento da precarização do trabalho, além de comprometer a perspectiva do país em alcançar novo patamar de desenvolvimento nacional com valorização do trabalho e distribuição de renda.
*Fátima Viana é Socióloga, Advogada, Diretora do SINDIPETRO-RN, e vice-presidente estadual do PCdoB/RN
Referências:
Constituição Federal de 1988;
Código Civil de 2002;
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT;
PAMPLONA Filho, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil – Contratos em espécie – volume IV – Tomo II – 6ª edição. 2013. Editora Saraiva;
Manifesto de repúdio ao Projeto de Lei nº 4.330/2004- Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania.