Haroldo Lima: “Propriedade”, “concessão” e “gestão”
Parte 2
O contrato de concessão, hoje em vigor no Brasil, no setor petrolífero, é de um tipo moderno, que prevê alíquotas crescentes de acordo com a produtividade do campo em produção.
Por Haroldo Lima*
Publicado 15/10/2013 12:33 | Editado 13/12/2019 03:30
Mas, pode ocorrer a conveniência de o Estado alterar até o tipo de contrato existente, substituindo o contrato de concessão pelo contrato de partilha da produção, que foi o que ocorreu no caso do pré-sal brasileiro. Como era região altamente prolífera, resolveu-se encaminhar ao Congresso legislação específica fazendo essa alteração.
O móvel da mudança foi o interesse nacional. O contrato de partilha, que será aplicado pela primeira vez no campo de Libra, resultará: 1) no estabelecimento de royalties de 15% (e não 10% como nas concessões de hoje); 2) em um mínimo de 41,56% do excedente em óleo (que é a parte do óleo extraído após pagar o custeio)que ficara com a União; 3) em pagamento de imposto de renda e outros impostos; 4) no pagamento inicial de um bônus de assinatura de R$15 bilhões; 5)na criação de um empresa 100% estatal para representar a União em toda a execução do contrato.
Como resultado da soma dos royalties com a parcela que caberá à União do excedente em óleo e dos impostos que receberá, a União receberá, da produção de Libra, no total, de 75% a 80%, índice dos maiores do mundo.
Anteriormente à descoberta de Libra, havia sido descoberto Franco, cujo tamanho regula com o de Libra. O Governo deliberou ceder Franco à Petrobras para, sem licitação, e sem pagar bônus de assinatura, capitalizá-la.
Na discussão desse tema, tem-se ouvido a ideia de que melhor seria voltar ao monopólio estatal do petróleo.
O monopólio foi algo essencial na história do petróleo no Brasil. Sem ele a Petrobras não tinha condições de se manter. Temos que saudar sempre a grande campanha de 1953, chamada de “O petróleo é nosso”, capitaneada pelo Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, presidida pelo general Felicíssimo Cardoso, o “general do petróleo”, “general e comunista”, como ele próprio se definiu.
A Petrobras ficou 44 anos como a executora exclusiva do monopólio da União nos negócios do petróleo, exceto da distribuição e revenda. Neste tempo, pagava royalties de 5% (a partir da ANP passou a ser 10%, na partilha será 15%); não pagava Participação Especial, imposto de renda, outros impostos. Ganhou musculatura.
Quando, no governo de FHC, foi proposto o fim do monopólio, todos nós da esquerda ficamos contra, sabedores de que, logo depois da quebra do monopólio, viria a privatização da Petrobras. E falo aqui de privatização efetiva, da venda da Petrobras, da mudança de seu proprietário, que deixaria de ser a União brasileira e passaria a ser algum grande grupo estrangeiro. Já contei, até em livro (“Petróleo no Brasil”) como este plano sinistro foi barrado no Congresso Nacional, com base na movimentação da esquerda e de outros nacionalistas, que contou com uma greve, movimentos sociais e com a resistência de parlamentares, onde se destacaram os do PC do B, do PDT, do PSB, do PT e de setores do PMDB.
O marco petrolífero que surgiu no Brasil, após a vitória que impediu a privatização da Petrobras, e que está aí, é o de um mercado aberto com forte presença de empresa estatal e com a regulação de uma Agência, a ANP, a única a surgir no Brasil, naquele período, para regular um setor onde não houve privatização.
No momento em que a Petrobras e a Agência Nacional do Petróleo passaram a ser dirigidas por pessoas comprometidas com a perspectiva desenvolvimentista para o Brasil, a partir do primeiro governo de Lula, a Petrobras cresceu como nunca em sua história.
Paralelamente, o quadro mundial no setor petrolífero se alterou bastante. As onze maiores petroleiras detentoras de reservas do mundo passaram a ser estatais, entre as quais a Petrobras. E nenhuma delas se apoiava mais em monopólio de petróleo. Este, o monopólio, simplesmente acabou no mundo do petróleo, só sobrevivendo em um país dos que tem petróleo, que é o México, onde, recentemente, toda uma planificação está sendo feita para acabar com o monopólio, visto como um dos fatores que tem levado a Pemex a perder posições.
O monopólio da União sobre a pesquisa e a lavra do petróleo, a refinação e o transporte do óleo e derivados está de pé, é constitucional (Art. 177 da Constituição). A Petrobras deixou de ser a executora exclusiva desse monopólio. Simplificadamente diz-se que a Petrobras não tem mais o monopólio. Voltar a ter esse monopólio, hoje, independente das boas intenções de quem a defenda, é ideia anacrônica, retrógrada.
Por último, vale fazer uma referência à questão dos “contratos de gestão” na China.
Quando o PCCh realizou seu 13° Congresso, em 1987, o assunto foi investigado e formulações foram feitas e publicadas. Em uma delas (“Decimo Terceiro Congresso Nacional do Partido Comunista da China”, Beijing, 1987) afirma-se o princípio da “separação entre o direito de propriedade e o direito de gestão”, declarando-se que “as empresas de propriedade de todo o povo não podem ser operadas por todo o povo e em geral não convém que o sejam diretamente pelo Estado; toda tentativa de impor semelhante prática no passado asfixiou o vigor e a vitalidade das empresas”.
A documentação mostra que há duas regulações na China, a do Estado, feita através da “assinatura de contratos”, e a do mercado, feita pelas empresas. A visão sintética é que “o Estado regula o mercado e este orienta as empresas”.
Em 1988, a Assembleia Nacional Popular da China aprovou a “Lei das Empresas Industriais Estatais” que, entre outras coisas diz: “As propriedades das empresas são de todo o povo e o Estado outorga os direitos de administração às empresas de acordo com o princípio da separação do direito de propriedade do direito de gestão”. Regulamentos dessa Lei, aprovados em julho de 1998, definem 14 prerrogativas que têm as empresas gestoras, que, assim funcionam, e funcionam bem, dentro de parâmetros bem definidos.
*Haroldo Lima é Membro do Comitê Central do PCdoB.