José Martins: Um giro social no Mercosul
A complementação produtiva, a convergência macroeconômica e a integração da infraestrutura física são alguns objetivos dos países que buscam se proteger da desregulamentação dos mercados internacionais pela via da regionalização. No Mercosul não é diferente.
Por José Renato Vieira Martins*, no Opera Mundi
Publicado 23/10/2013 18:46
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O Mercosul se desenvolveu com foco na abertura comercial e nas privatizações de Collor/FHC, no Brasil, e Menem, na Argentina. Nos anos 2000, sem abandonar a agenda do comércio regional – que cresceu regularmente até alcançar US$ 45 bilhões em 2010 – o Mercosul iniciou um giro para os temas sociais. Sem sobressaltos ou bravatas, os governos progressistas se reapropriaram do Bloco. Novas prioridades políticas se impuseram, como o combate à desigualdade, a superação das assimetrias econômicas e a elaboração de politicas sociais. Algumas dessas políticas já existiam, mas até então nunca haviam sido efetivamente priorizadas no Mercosul. Em resposta à crise de 2008, com a adoção de políticas anticíclicas, se produziu um novo consenso social no Bloco.
Nova agenda
A nova agenda da integração regional se diversificou amplamente a partir de 2003. O combate às assimetrias, com a criação do Fundo de Convergência do Mercosul e o aporte de100 milhões de dólares ao ano para obras de infraestrutura, principalmente no Paraguai e no Uruguai; a instituição do direito à verdade e à memória, com a criação do Instituto de Direitos Humanos do Mercosul; a criação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana como forma de integração pela via do ensino superior, da mobilidade acadêmica e do intercâmbio científico; a adoção do Plano Estratégica de Ação Social pelo Instituto Social do Mercosul, com uma plataforma de politicas sociais que vai da agricultura familiar à regionalização dos programas de transferência de renda; a garantia de direitos previdenciários, um dos pilares da livre circulação de pessoas, com o acordo previdenciário do Mercosul; a criação do sistema de compras com moeda local, alternativa ao dólar para a realização de negócios no Mercosul; a instituição da unidade de participação social, das cúpulas sociais e do estatuto da cidadania, com vistas a adensar uma esfera pública e cidadã no interior do Bloco são alguns exemplos da nova agenda regional.
Riscos de regressão
No contexto atual, as negociações com a União Europeia podem resultar vantajosas. Não só do ponto de vista comercial, mas também político. Mas o jogo é complexo e os interesses econômicos muito pesados. É preciso neutralizar as pressões dos países avançados pela “reprimarização” de nossas economias. Do contrário não haverá acordo. Um resultado equilibrado traria sustentação política para o Mercosul, blindando-o dos ataques de seus adversários. Somada à incorporação da Venezuela, o bloco sairia fortalecido. Seus opositores apostam na evolução da Aliança do Pacífico e almejam a flexibilização do Tratado de Assunção – o que implicaria uma nova onda de privatizações.
O Brasil tem um papel central em tudo isso e o governo Dilma parece estar consciente do problema. Qualquer descuido pode ser fatal. O cenário atual pode ser altamente promissor se o Mercosul resistir às pressões contrárias, contornar desavenças internas e salvaguardar os avanços conquistados. O que é simples de falar e difícil de fazer.
*é doutor em ciência política pela USP. Professor Adjunto da Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Foi assessor da Secretaria Geral da Presidência da República (2006-2010), Coordenador das Cúpulas Sociais do Mercosul (2006, 2008 e 2010) e Representante (Alterno) do Brasil na Comissão de Coordenação de Ministros de Assuntos Sociais do Mercosul (2008-2010). E-mail: renato.martins@unila.edu.br