Entrevista | Jeferson Braga: “Reavivar a memória para evitar o retrocesso”

Na última quinta-feira (24/10), a seção baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA) empossou os cinco integrantes da Comissão da Verdade, criada para investigar as violações de direitos humanos relacionadas às pessoas do Direito, durante os governos autoritários. Um dos integrantes é o advogado Jeferson Braga, nome indicado pelo núcleo de advogados do PCdoB.

Nesta entrevista, Braga, que é militante do Partido e foi preso durante a ditadura militar (1964/1985), fala sobre a participação na Comissão e relembra as histórias das perseguições que sofreu, quando ainda era um estudante de Direito. Confira.

Por que criar uma Comissão da Verdade na Ordem?

A nossa preocupação maior é com a memória. Não se trata de abrir feridas, de perseguir, mas para que a memória não permita que as pessoas esqueçam o que aconteceu. Assim, se evita voltar a acontecer. Hoje, é assustador o número de pessoas que não sabem sobre a ditadura e há também as que chegam a negar. A Assembleia Legislativa já tem uma comissão, o Governo do Estado também, e agora a OAB. Primeiro, a comissão vai levantar depoimentos de advogados, tanto os que advogaram para presos políticos, quanto os que foram perseguidos, e dos estudantes de Direito que sofreram perseguições, como é o meu caso. Mas a parte mais importante é a de avivar a memória, e aí nós temos a intenção de visitar escolas.


Como será a relação com as comissões já existentes?

O objetivo é complementar. A Comissão Estadual tem uma boa estrutura, já a nossa não tem, mas vamos buscar todas as comissões para saber se há algo para fazer em conjunto, principalmente com as universidades, como a [comissão] da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

A criação da Comissão da Verdade na OAB era uma discussão do núcleo de advogados do PCdoB. A implantação foi a partir de uma sugestão do Partido?

Nós tomamos essa deliberação e fomos ao presidente da OAB [Luís Viana Filho] para propor. Por coincidência, antes mesmo de falarmos, ele disse que estava pensando em criar a comissão. Houve coincidência, também, nos nomes que íamos sugerir, que foram os mesmos que ele havia pensado.

Já sabe qual será o seu trabalho na comissão?

Não. A reunião de planejamento, que vai definir a divisão de tarefas, ainda não aconteceu. Já definida está uma reunião com a comissão da UFBA, para fazermos essa parceria.

Pode adiantar quais serão os primeiros casos a ser investigados?

O primeiro depoimento a ser tomado será o do próprio presidente da Comissão da Verdade, Inácio Gomes, que foi advogado de presos políticos e, por conta dessa atuação, teve a sua banca de advocacia, praticamente, destruída. A clientela, com medo, se afastava. Depois, tem o depoimento de Augusto de Paula, também membro da comissão, e o terceiro depoimento seria o meu, como preso político. Tem também Rui Medeiros em Vitória da Conquista, entre outros, Vamos registrar as entrevistas porque queremos expor.

Como será essa exposição? 

Vamos por no site da Ordem. Ainda é algo esparso, mas pensamos também em colocar esse material em uma mídia para poder distribuir nas escolas e expor uma parte desses debates que pretendemos fazer. Não é só fazer para arquivar. Queremos exibir os depoimentos.

Quais as suas histórias com a ditadura, que você contar quando depor na Comissão?

Naquela época, não se podia nem dizer que o presidente era bonito porque era considerado deboche e crime contra a segurança nacional. O clima era de terror. Em 1982, no lançamento da revista Araguaia, que ocorreu nos estados sem nenhum problema, aqui houve a prisão de 13 pessoas – 12 homens e uma mulher, que era a Liége Rocha. Entre eles, estava eu, que não estava lá dentro [da Associação dos Funcionários Públicos]. Não conseguiram provar nada e o processo contra minha pessoa não foi adiante, mas houve aquela tortura psicológica. Nos levaram pra um lugar escuro, com os caras com a metralhadora pra lá e para cá, dizendo que iam levar par a Paralela, que naquela época era um ponto de desova. Ficamos seis dias na delegacia do Beiru. Depois, fomos transferidos para o Quartel do Barbalho. Felizmente esse período passou e por isso que a gente não quer que volte.


Qual a expectativa que faz do trabalho na Comissão?

A expectativa é de que nós obtenhamos êxito nesse objetivo de reavivar a memória das pessoas porque é assustador a perda da memória. Isso é arriscado porque quem fez está querendo fazer de novo. Sempre que podem, colocam as asinhas de fora. Não é a toa que a Lei da Anistia encontra dificuldades para passar, que a própria Comissão da Verdade foi trabalhosa para sair. Eles não estão mortos, nem eliminados, estão aí. No Congresso, tem aquele Jair Bolsonaro [PP/RJ]. Por que ele fala com aquela força toda? Porque ele sabe que tem um respaldo por trás. É a turma da direita reacionária. Minha expectativa é que a gente contribua para evitar esse retrocesso.

Entrevista a Erikson Walla,
Da Redação de Salvador.