Arábia Saudita, retrógrada ditadura rentista do terrorismo global
A Arábia Saudita tem todos os vícios e nenhuma das virtudes de um estado rico em petróleo como a Venezuela. O país é governado por uma ditadura familiar que não tolera qualquer oposição e pune severamente os defensores dos direitos humanos e os dissidentes políticos. Centenas de milhares de milhões de receitas do petróleo são controladas pelo despotismo real e alimentam investimentos especulativos no mundo inteiro.
Por James Petras*
Publicado 22/01/2014 11:10

A elite dirigente confia na compra de armas ocidentais e nas bases militares dos EUA para sua proteção. A riqueza de nações produtivas é sugada para enriquecer o consumo notório da família saudita governante. A elite dirigente financia a versão mais fanática, retrógrada e misógina do Islão, o "wahabismo", uma seita do Islão sunita.
Confrontada com a dissidência interna de súditos reprimidos e de minorias religiosas, a ditadura saudita vê ameaças e perigos por todos os lados: no exterior, governos xiitas seculares nacionalistas; internamente, sunitas moderados, nacionalistas democratas e feministas; no seio das cliques realistas, tradicionalistas e modernizadores. Como resposta, virou-se para o financiamento, treino e armamento de uma rede internacional de terroristas islâmicos que têm como objetivo atacar, invadir e destruir regimes que se opõem ao regime clerical-ditatorial saudita.
O cérebro da rede terrorista saudita é Bandar bin Sultan, que há muito tem ligações profundas com altos funcionários políticos, militares e de informações dos EUA. Bandar foi treinado e catequizado na base da Força Aérea Maxwell e na Universidade Johns Hopkins e foi embaixador saudita nos EUA durante duas décadas (1983-2005). Entre 2005 e 2011 foi secretário do Conselho de Segurança Nacional e em 2012 foi nomeado diretor-geral da agência de informações saudita.
Desde muito cedo Bandar mergulhou profundamente nas operações terroristas clandestinas que funcionavam em ligação com a CIA. Entre as inúmeras "operações sujas" com a CIA durante os anos 80, Bandar canalizou 32 milhões de dólares para os Contra da Nicarágua envolvidos numa campanha terrorista para derrubar o governo revolucionário sandinista no país. Durante o seu mandato enquanto embaixador envolveu-se ativamente na proteção da realeza saudita com ligações ao ataque terrorista às Torres e ao Pentágono em 11de setembro de 2001.
A suspeita de que Bandar e os seus aliados na família real tinham conhecimento prévio do ataque por terroristas sauditas (11 em 19) é sugerida pela súbita fuga da realeza saudita na sequência do ato terrorista. Documentos das informações americanas relativas à relação saudita-Bandar estão sendo analisados pelo Congresso.
Com a abundância de experiência e treino em dirigir operações terroristas clandestinas, proveniente das duas décadas de colaboração com os serviços secretos americanos, Bandar estava em posição de organizar a sua rede terrorista global em defesa da despótica monarquia saudita, isolada, retrógrada e vulnerável.
A rede terrorista de Bandar
Bandar bin Sultan transformou a Arábia Saudita de um regime virado para dentro, com base tribal, totalmente dependente do poder militar dos EUA para a sua sobrevivência, num importante centro regional de uma vasta rede terrorista, apoiante financeiro ativo de ditaduras militares de direita (Egito), de regimes clientelistas (Iêmen) e de regimes que intervêm militarmente na região do Golfo (Bahrein).
Bandar financiou e armou uma vasta série de operações terroristas clandestinas, utilizando afiliados islâmicos da Al-Qaeda, a seita wahabita controlada pelos sauditas, assim como muitos outros grupos armados sunitas. Bandar é um operador terrorista "pragmático": reprime os adversários da Al-Qaeda na Arábia Saudita e financia os seus terroristas no Iraque, na Síria, no Afeganistão e em outros locais.
Embora Bandar tenha sido um trunfo a longo prazo dos serviços secretos dos EUA, mais recentemente assumiu um “percurso independente” em que os interesses regionais do Estado déspota divergem dos interesses dos EUA.
Na mesma linha, embora a Arábia Saudita tenha uma inimizade antiga com Israel, Bandar desenvolveu um "entendimento secreto" e uma relação de trabalho com o regime de Benjamin Netanyahu, em torno da sua inimizade comum para com o Irã e, mais especificamente, em oposição ao acordo provisório entre os regimes Barack Obama-Hassan Rohani.
Bandar interveio, diretamente ou através de amigos, para reformular alinhamentos políticos, desestabilizando adversários e reforçando e expandindo o alcance político da ditadura saudita desde o norte da África até ao sul da Ásia, desde o Cáucaso russo até ao Chifre da África, por vezes em concertação com o imperialismo ocidental, outras vezes projetando as aspirações hegemónicas sauditas.
Norte da África: Tunísia, Marrocos, Líbia e Egito
Bandar injetou milhares de milhões de dólares para reforçar os regimes pró-islâmicos de direita na Tunísia e em Marrocos, assegurando que os movimentos de massas pró-democracia seriam reprimidos, marginalizados e desmobilizados. Os extremistas islâmicos que receberam apoio financeiro saudita são encorajados a apoiar os islamitas "moderados" no governo, assassinando líderes seculares e líderes sindicalistas socialistas da oposição. As políticas de Bandar coincidem amplamente com as dos EUA e da França na Tunísia e no Marrocos, mas não na Líbia e no Egito.
O apoio financeiro saudita a terroristas islamitas e a afiliados da Al-Qaeda contra o presidente líbio Muammar Kadhafi estiveram em linha com a guerra aérea da Otan. Mas surgiram divergências no pós-guerra: a Otan apoiava um regime cliente feito de neoliberais e de expatriados contra os sauditas que apoiavam a Al-Qaeda, grupos terroristas islamitas, pistoleiros e salteadores sortidos.
Os extremistas islâmicos na Líbia foram financiados por Bandar para alargar as suas operações militares à Síria, onde o regime saudita estava organizando uma ampla operação militar para derrubar o regime de Bashar Al-Assad.
O conflito ruinoso entre a Otan e os grupos sauditas armados na Líbia transbordou e levou ao assassínio islamita do embaixador dos EUA e de operacionais da CIA em Bengasi. Depois de derrubar Khadafi, Bandar abandonou praticamente o interesse no subsequente banho de sangue e caos provocado pelos seus homens armados. Estes, por sua vez, financiaram a si próprios – roubando bancos, surrupiando petróleo e esvaziando tesourarias locais – relativamente "independentes" do controle de Bandar.
No Egito, Bandar desenvolveu, em coordenação com Israel (mas por diferentes razões), uma estratégia para sabotar o regime da Irmandade Muçulmana, relativamente independente, democraticamente eleito, de Mohammed Mursi. Bandar e a ditadura saudita apoiaram financeiramente o golpe militar e a ditadura do general Abdel Fatah Al-Sisi.
A estratégia dos EUA de um acordo de partilha do poder entre a Irmandade Muçulmana e o regime militar, aliando a legitimidade eleitoral popular e as forças militares pró-Israel e pró-Otan, foi sabotada. Com um pacote de assistência de 15 bilhões de dólares e promessas de mais no futuro, Bandar proporcionou às forças militares egípcias sobrevivência e imunidade econômica a quaisquer represálias financeiras internacionais.
Não houve quaisquer consequências. Os militares esmagaram a Irmandade, prenderam e ameaçaram executar os seus líderes eleitos. Ilegalizaram setores da oposição da esquerda liberal que tinham sido usados como carne para canhão para justificar a sua tomada do poder. Apoiando o golpe militar, Bandar eliminou um regime islâmico rival, democraticamente eleito, que contrastava com o despotismo saudita.
Assegurou um regime ditatorial semelhante ao seu em um país árabe fulcral, apesar de os dirigentes militares serem mais seculares, pró-ocidentais, pró-Israel e menos anti-Assad que o regime da Irmandade. O êxito de Bandar em olear as rodas para o golpe egípcio assegurou um aliado político, mas enfrenta um futuro incerto.
O renascimento de um novo movimento de massas anti-ditatorial também atingirá a ligação saudita. Além disso, Bandar rompeu e enfraqueceu a unidade dos Estados do Golfo: o Catar financiou o regime Mursi e ficou sem cinco bilhões de dólares, que tinha disponibilizado ao regime anterior.
A rede terrorista de Bandar é sobretudo evidente no financiamento, armamento, treino e transporte de dezenas de milhares de "voluntários" terroristas islâmicos dos EUA, da Europa, do Oriente Médio, do Cáucaso, do Norte da África e de outros locais, uma operação com escala de longo prazo.
Os terroristas da Al-Qaeda na Arábia Saudita tornaram-se "mártires do Islã" na Síria. Dezenas de grupos islâmicos armados na Síria competiram por causa de armas e fundos sauditas. Bases de treino com instrutores americanos e europeus e financiamento saudita instalaram-se na Jordânia, no Paquistão e na Turquia. Bandar financiou o importante grupo armado terrorista islâmico “rebelde”, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (Síria), para operações fronteiriças.
Com o Hezbollá apoiando Assad, Bandar canalizou dinheiro e armas para as Brigadas Abdullah al-Azzam no Líbano para bombardear o sul de Beirute, a Embaixada iraniana e Trípoli. Canalizou três bilhões de dólares para os militares libaneses na intenção de fomentar uma nova guerra civil entre eles e o Hezbolá. Em coordenação com a França e os EUA, mas com muito maior financiamento e maior latitude para recrutar terroristas islâmicos, Bandar assumiu o papel de liderança e tornou-se o diretor de princípios de uma ofensiva militar e diplomática em três frentes contra a Síria, o Hezbolá e o Irã.
Para Bandar, a conquista islâmica na Síria levaria a uma invasão síria islâmica em apoio da Al-Qaeda no Líbano para derrotar o Hezbolá na esperança de isolar o Irã. Teerã tornar-se-ia, assim, o alvo de uma ofensiva saudita-Israel-EUA. A estratégia de Bandar é mais fantasia do que realidade.
Bandar diverge de Washington: a ofensiva no Iraque e no Irã
A Arábia Saudita tem sido extremamente útil, mas, por vezes, escapa ao controle de cliente de Washington. É o que acontece especialmente desde que Bandar se assumiu como chefe dos serviços secretos: um ativo de longa data da CIA, por vezes também assumiu a liberdade de exigir "favores" em troca dos seus serviços, especialmente quando esses "favores" reforçavam a sua subida no seio da estrutura do poder saudita. Assim, por exemplo, a sua capacidade de garantir os Airborne Warning and Control [AWAC, sistema de advertência e controle aéreo], apesar da oposição do Comitê Americano-Israelense de Atividades Políticas (Aipac), fizeram-lhe ganhar alguns pontos de mérito.
Tal como aconteceu com a capacidade de Bandar para assegurar a saída de várias centenas de “realezas” sauditas com ligação aos ataques de 11 de setembro, apesar do bloqueio nacional de segurança a alto nível na sequência desses ataques.
Embora tenha havido transgressões episódicas no passado, Bandar avançou para divergências mais graves em relação à política dos EUA. Seguiu em frente, construindo a sua rede terrorista, no intuito de maximizar a hegemonia saudita – mesmo quando entrava em conflito com os amigos, clientes e operacionais clandestinos americanos.
Enquanto os EUA estão empenhados em apoiar o regime de direita de Nouri Al-Maliki no Iraque, Bandar está fornecendo apoio político, militar e financeiro ao "Estado Islâmico do Iraque e da Síria" terrorista sunita. Enquanto os EUA negociavam o "acordo provisório" com o Irã, Bandar exprimiu a sua oposição e "comprou" apoio.
Os sauditas assinaram um acordo de armas de um bilhão de dólares durante a visita do presidente francês François Hollande, em troca de maiores sanções contra o Irã. Bandar também expressou o seu apoio à utilização, por Israel, da configuração do poder sionista para influenciar o Congresso, a fim de sabotar as negociações dos EUA com o Irã.
Ele afastou-se da sua submissão inicial aos treinadores dos serviços secretos americanos. As suas estreitas ligações com presidentes e políticos influentes dos EUA e da UE, passados e presentes, encorajaram-no a envolver-se em "aventuras do Grande Poder". Encontrou-se com o presidente russo Vladimir Putin para convencê-lo a abandonar o seu apoio à Síria, propondo-lhe uma cenoura ou um chicote: uma venda de armas de muitos bilhões de dólares se acedesse, ou a ameaça de enviar terroristas chechenos para sabotar os Jogos Olímpicos em Sochi.
Transformou Erdogan de aliado incondicional da Otan que apoiava os opositores armados “moderados” a Bashar al-Assad, para abraçar o “Estado Islâmico do Iraque e da Síria” apoiado pelos sauditas, um Estado filiado na Al-Qaeda terrorista. Bandar "ignorou" os esforços "oportunistas" de Erdogan para assinar acordos de petróleo com o Irã e o Iraque, os seus continuados acordos militares com a Otan e o seu anterior apoio ao defunto regime de Mursi no Egito, a fim de assegurar o apoio de Erdogan para a passagem fácil de grande número de terroristas treinados na Arábia Saudita para a Síria e provavelmente para o Líbano.
Bandar reforçou laços com os talibãs armados no Afeganistão e no Paquistão, armando e financiando a sua resistência contra os EUA, assim como propondo a estes um local para uma “retirada negociada”.
Bandar provavelmente está apoiando e a armando terroristas muçulmanos uigures na China ocidental e terroristas islâmicos chechenos e caucasianos na Rússia, enquanto os sauditas alargam os seus acordos petrolíferos com a China e cooperam com a Gazprom da Rússia.
A única região em que os sauditas têm exercido uma intervenção militar direta é no mini-Estado do Golfo, Bahrein, onde as tropas sauditas esmagaram o movimento pró-democracia que contestava o déspota local.
Bandar: terrorismo global em duvidosos fundamentos internos
Bandar envolveu-se em uma transformação extraordinária da política externa saudita e reforçou a sua influência global. Só que para pior. Tal como Israel, quando um governante reacionário chega ao poder e derruba a ordem democrática, entram em cena os sauditas com sacos de dólares para estimular o regime.
Sempre que aparece uma rede terrorista islâmica para subverter um regime nacionalista, secular ou xiita, pode contar com fundos e armas sauditas. Aquilo que alguns escribas ocidentais descrevem eufemisticamente como um "tênue esforço para liberalizar e modernizar" o retrógrado regime saudita é, na verdade, uma renovação militar da sua atividade terrorista no exterior. Bandar usa técnicas modernas de terrorismo para impor o modelo de governo reacionário saudita aos regimes vizinhos e distantes com populações muçulmanas.
O problema é que as operações externas "aventureiras" de grande escala de Bandar entram em conflito com o estilo de governo "introspectivo" de algumas pessoas da família real reinante. Querem que os deixem em paz para acrescentar centenas de bilhões às rendas do petróleo cobradas, para investir em propriedades de alta qualidade em todo o mundo, e para apadrinhar discretamente moças acompanhantes de gama alta em Washington, Londres e Beirute – enquanto se apresentam como piedosos guardiões de Medina, de Meca e dos lugares santos.
Até aquil, Bandar não tem sido contestado, porque tem tido o cuidado de prestar homenagem ao monarca dirigente e ao seu círculo interno. Comprou e levou primeiros-ministros, presidentes e outras figuras notáveis ocidentais e orientais para Riad para assinar acordos e apresentar cumprimentos para deleite do déspota reinante.
Mas o seu comportamento solícito para com as operações da Al-Qaeda no estrangeiro, o seu encorajamento aos extremistas sauditas para irem para o exterior e se envolverem em guerras terroristas, perturba os círculos monárquicos. Têm receio de que terroristas sauditas treinados, armados e bem informados – conhecidos por "guerreiros sagrados" – possam regressar da Síria, da Rússia e do Iraque para bombardear os palácios do rei. Além disso, os regimes estrangeiros visados pela rede terrorista de Bandar podem exercer retaliação: a Rússia ou o Irã, os sírios, os egípcios, os paquistaneses, os iraquianos podem patrocinar os seus instrumentos de retaliação. Apesar das centenas de bilhões gastos na compra de armas, o regime saudita é muito vulnerável a todos os níveis.
Para além das legiões tribais, a elite multimilionária tem pouco apoio popular e ainda menos legitimidade. Depende do trabalho migrante externo, de "especialistas" estrangeiros e das forças militares dos EUA. A elite saudita também é desprezada pelos mais religiosos do clero wahabi por permitir "infiéis" em terreno sagrado. Enquanto Bandar alarga o poder saudita no exterior, as bases internas do governo estão estreitando. Enquanto ele desafia os políticos americanos na Síria, no Irã e no Afeganistão, o regime depende da Força Aérea e da Sétima Armada americanas para o proteger de uma série crescente de regimes adversários.
Bandar, com o seu ego inchado, pode julgar que é um "Saladino" construindo um novo império islâmico, mas, na realidade, só com o levantar de um dedo, o monarca que é seu patrono pode provocar a sua rápida demissão. Uns bombardeamentos civis demasiado provocadores dos seus beneficiários terroristas islâmicos podem levar a uma crise internacional que tornem a Arábia Saudita um alvo do opróbrio mundial.
Na realidade, Bandar bin Sultan é o protegido e o sucessor de Osama Bin Laden: aprofundou e sistematizou o terrorismo global. A rede terrorista de Bandar tem assassinado muito mais vítimas inocentes do que Bin Laden. Claro que isso era de esperar; afinal, ele tem bilhões de dólares do tesouro saudita, o treino da CIA e o aperto de mão de Netanyahu!
*James Petras é um sociólogo e analista político dos Estados Unidos, professor aposentado (emérito) da Universidade de Birmingham, Nova York.
Fonte: Página de James Petras
Tradução de Margarida Ferreira, para o blogue Resistir.info