Governo de Israel pode se fragmentar devido ao "processo de paz"

O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e um integrante da sua coalizão de governo, o ministro da Economia, Naftali Bennett, voltaram a se engalfinhar, o que tem levantado questões sobre uma crise política que derrubaria o governo na reta final das negociações com a Autoridade Palestina (AP). Entretanto, nenhuma das duas – a derrubada do governo e a reta final – são positivas para o fim da ocupação e para a libertação do Estado da Palestina.

Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho

Naftali Bennett e Benjamin Netanyahu - Miriam Alster/Flash90/ Times of Israel

Bennett é do partido religioso-ortodoxo Lar Judeu (“HaBayit HaYehudi”) e figura recorrente na mídia israelense por seus comentários racistas e extremistas contra os palestinos e contra a retirada da ocupação da Cisjordânia, inclusive durante as negociações, que devem durar até abril, quando termina o período de nove meses acordado.

O gabinete do primeiro-ministro emitiu uma advertência, nesta quarta-feira (29), instando Bennett a pedir desculpas pelas críticas ofensivas às posições de Netanyahu nos últimos dias – embora o próprio premiê já tenha declarado posturas racistas e contrárias à desocupação da Palestina.

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Segundo o comunicado, caso o ministro não se retratasse por seus comentários, poderia perder seu posto no gabinete do governo, o que para o sistema parlamentarista, significa uma instabilidade política arriscada, devido à formação da coalizão de governo.

Entretanto, de acordo com uma fonte anônima ligada ao governo, o premiê já teria alternativas para ocupar o cargo de Bennett, que respondeu horas depois, dizendo que não tinha intenção de ofender Netanyahu, mas não pediu desculpas.

O ministro vinha instigando o seu eleitorado contra a posição de negociação de Netanyahu e as propostas feitas pelo secretário de Estado dos EUA, John Kerry – já rechaçadas pelos palestinos por favorecerem a manutenção da situação de ocupação.

Risco de fragmentação do governo

Outros parceiros da coalizão forjada por Netanyahu no início do ano passado – empreitada que envolveu diversos acordos e compromissos políticos entre opositores e até a exclusão de aliados, como o partido ultra-ortodoxo Shas – já pressionam o premiê no sentido contrário, ameaçando deixar o governo caso as negociações com os palestinos não sejam mantidas.

É o caso da ministra da Justiça e chefe da equipe israelense nas conversações, Tzipi Livni, e até do ministro das Finanças, Yair Lapid, enquanto o partido ultra-ortodoxo compromete-se a somar-se à coalizão caso Bennett seja mesmo expulso.

De qualquer forma, Bennett também já havia ameaçado o governo antes, inclusive com a sua própria demissão caso Israel assinasse um acordo que reconhecesse a demanda palestina de estabelecimento do seu Estado de acordo com as fronteiras de 1967 – a configuração anterior à expansão da ocupação, a partir da Guerra dos Seis Dias, naquele ano – com Jerusalém Oriental como a sua capital.

A coalizão governamental tem divergências profundas e ideológicas sobre o processo, com discussões acirradas nas frequentes reuniões, e o próprio compromisso de Netanyahu evidencia-se como inexistente, já que a manutenção da construção de colônias e a exigência de reconhecimento de um “Estado judeu” são suas principais posições atuais.

Lapid, ministro das Finanças, advertiu também, nesta quarta-feira, que, caso as negociações resultem em mais um fracasso da diplomacia, a União Europeia ameaça com um boicote que custaria a Israel quase US$ 5,7 bilhões, colocando em perigo 9,8 mil empregos. Há meses, diversos deputados europeus vêm pressionando o bloco por uma política mais incisiva contra a ocupação israelense, mas até este movimento encontra dura resistência.

De qualquer forma, pesquisas de opinião recentes citadas pela mídia internacional mostram que Netanyahu e seu partido nacionalista-direitista, Likud, assim como outro partido da mesma estirpe, Israel é Nosso Lar, não enfrentam sérios desafios, e deveriam até ganhar assentos no parlamento, caso novas eleições fossem realizadas. Entretanto, o premiê, que já não é propriamente pacifista ou em prol da diplomacia, enfrenta também oposição extrema dentro do seu próprio partido.

Proposta: Anexação e mais ocupação

Bennett é um fruto direto do sionismo colonizador e racista, já tendo ocupado terras palestinas durante a juventude e servido como major – até hoje, reservista – em diversas operações e na Guerra de Abril, chamada Operação Vinhas da Ira, em 1996, e da Guerra de 2006, ambas contra o Líbano.

Segundo ele, em declarações direcionadas ao crescente movimento de colonos, algumas das colônias mais distantes nos territórios palestinos “teriam de viver sob a administração palestina,” segundo um acordo eventual, sobre negociações ainda estagnadas, sem qualquer avanço positivo principalmente na questão da ocupação ilegal.

Ele teria dito, em uma conferência de líderes religiosos e nacionalistas, que “impor a soberania palestina sobre cidadãos israelenses é perigoso, era meu dever retirar esta ideia imediatamente da nossa agenda, e ela foi removida.”

Sua proposta, neste aspecto, é a anexação unilateral da chamada Área C, ou seja, cerca de 60% do território palestino, onde cerca de 400 mil colonos já se estabeleceram, e que ficou sob o controle completo de Israel desde os Acordos de Oslo, do início da década de 1990 – uma situação que deveria ter durado apenas cinco anos, como se tratasse de um “período de transição” para que a Autoridade Palestina (AP), criada na mesma ocasião, assumisse o controle, mas ainda é vigente.

Já o restante poderia continuar sob o controle limitado da AP, mas sob a supervisão geral dos serviços de inteligência militar israelense, e a Faixa de Gaza seria entregue à administração egípcia.

Esta é a proposta que ele intitulou “Plano Tranquilizador” e, no processo de negociações para a sua integração à coalizão forjada a duras penas por Netanyahu, em janeiro de 2013, ele disse: “Farei tudo o que estiver ao meu alcance para garantir que [os palestinos] nunca consigam um Estado.”