Lumumba foi exemplo de luta até a morte, diz seu filho Ronald

O amor de Ronald Lumumba Okito por seu pai, o líder congolês Patrice Lumumba, assassinado pela Agência Central de Inteligência (CIA) em 1961, complementa sua defesa, como filho verdadeiramente fiel, das ideias independentistas, anti-coloniais e unificadoras pelas quais morreu o herói africano.

Sem pose de teórico nem impressão de mimos paternos, o atual arquiteto e advogado (1958), que visitou Cuba em janeiro, falou à Prensa Latina com a humildade e a serenidade de quem sabe o que fala e não presume as coisas.

A unidade entre os povos, a cooperação Sul-Sul, a integração, o trabalho emancipador do Movimento dos Países Não Alinhados e o equivalente mais atual desses espaços, a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), estão entre seus temas de interesse.

O caçula dos quatro filhos do ex-Premiê da atual República Democrática do Congo (RDC), depois de sua independência em 1960, parece ter sintetizado nesses e outros fins humanistas o pensamento pan-africanista de seu pai e sua universalidade progressista.

A partir dessa ótica, reconhece junto ao legado de Lumumba o de outros grandes defensores da África, entre eles Gamal Abdel Nasser e Kwame Nkrumah, que também promoveram a aproximação entre países e regiões do terceiro mundo.

"Temos que fortalecer agora o que eles começaram há 50 anos, continuar o caminho de relações fraternas que a Celac impulsiona", assegura Ronald, quem fez coincidir sua visita com a recente cúpula do bloco regional em Havana.

"Parte desses conceitos integram o que agora se conhece como cooperação Sul-Sul, que é basicamente política, ainda que deveria abarcar todos os setores", comenta o também presidente da Fundação Patrice Lumumba para a Democracia e o Desenvolvimento (Fpldd).

Essas ideias Ronald aplica também a seu continente, que segundo ele só pode sobreviver mediante a coesão de seus Governos e povos.

"O futuro da África é a unidade, depende de se podermos ou não integrar esforços e nos unir. Unir-se ou morrer é o dilema africano. É por isso que também estudo o tema latino-americano e caribenho".

"Somo mais fortes se estamos juntos e unidos e mais ainda se tomamos consciência do muito que podemos avançar desse modo. Essa é a única alternativa dos dirigentes africanos e quem tem um pouco de consciência compreende isso", manifesta.

"Existem aqueles que não têm interesse de lutar pela unidade porque olham seus próprios interesses, por isso é que temos que nos unir aqueles que têm disposição. Nossa vida e a de nossos filhos depende disso", explica.

A viagem de Ronald a Havana para doar ao museu local conhecido como Casa de África duas obras de arte de alto valor cultural, teve também como objetivo estar perto da cúpula regional, algo que começou na Venezuela durante encontros regionais anteriores.

O quê a África lembra sobre Lumumba?

Ronald defende a unidade entre os povos, seja qual for seu nome, com a mesma intensidade que lamenta a ignorância servil herdada do domínio colonial, especialmente em seu país, que limita o entendimento das ideias de seu progenitor:

"Meu pai foi declarado herói nacional congolês em 1966 pelo próprio ditador Joseph Désiré Mobutu, um dos culpados de sua morte. Mas ao mesmo tempo, mandou prender os colegas de luta do ex-primeiro ministro".

"O ditador tinha um discurso positivo sobre Lumumba para a imprensa, mas na prática não pretendia apoiar suas ideias. A herança histórica foi omitida durante 40 anos de ditaduras e é interpretada de diferentes maneiras por congoleses e africanos".

"Aqueles que governaram o país depois não estavam interessados em que fossem difundidos os preceitos de soberania nacional, anti-colonialismo e pan-africanismo que defendia meu pai", afirma Ronald.

"Eles não podiam falar mau de Lumumba porque sua personalidade e projeção progressista eram muito grandes, mas fizeram o impossível para impedir a difusão de seu pensamento", agrega.

"Há uma diferença, claro, entre a divulgação de suas ideias em nosso país, onde foi o primeiro líder mártire, e os demais países africanos".

"Muitos setores entre a população e os jovens congoleses só pensam em como sobreviver, há muitas pessoas que inclusive estão contra Lumumba e existem até pessoas que o culpam dos problemas com os colonialistas porque ele começou essas lutas".

"Lembrar que depois da independência de nosso país houve um momento no qual, entre 15 milhões de habitantes, haviam apenas 10 com curso superior, entre os quais, verdadeiramente, não figurava Lumumba".

"Lumumba viajou muito pelo interior da África e, no entanto, não existe uma cidade principal, rua, praça ou lugar em todo o continente que leva seu nome".

"A juventude congolesa acusa os dirigentes que se beneficiam e são favorecidos pela independência e pela revolução, que foram impulsionadas pelas ideias de Lumumba e outros heróis nacionais e africanos. [Esses dirigentes] agora têm acesso aos recursos controlados pelo país devido a essa soberania".

"Mas ninguém acusa esses servidores públicos de ocultar, de se abster de promover a história de homens como meu pai, por não tratar de que seja ensinado e se conheça seu ideário. E essas ideias eram a única riqueza que ele tinha".

"Muitas pessoas que compreenderam as ideias de Lumumba sobre justiça social têm uma espécie de nostalgia porque [a justiça] ainda não é plena no país, mas não têm como qualificar esses esforços".

Conflito deve ser resolvido por seu próprio povo

Com respeito ao conflito interno em seu país, Ronald opina que deverá ser resolvido pelos próprios congoleses e qualquer solução proveniente do exterior estará condicionada por determinados interesses:

"A comunidade internacional só resolve este tipo de diferendo quando está mediado por um interesse. Por isso é que o país que tem que solucionar o conflito, depende de seu povo".

"Se a comunidade internacional pudesse resolver realmente os conflitos que subsistem no planeta, já teria resolvido, por exemplo, o problema dos israelenses contra os palestinos".

"A disputa é essencialmente econômica, pois tem a ver com a riqueza da RDC. É surpreendente e suspeito que certos países fronteiriços com nosso Estado exportem atualmente produtos minerais que não têm".

"Hoje os congoleses têm mais desenvolvimento, ainda que a juventude ainda se está recuperando de 34 anos de uma má política econômica, de quando Mobuto esteve no poder".

"A preocupação desse setor juvenil é se pode comer ou se pode beber, mas falta no país uma proposta coletiva para resolver os problemas. E os governantes são quem têm que pensar nisso".

Herói para o resto do mundo

Roland afirma que é bem-vindo em todos os países "só por ser filho de Lumumba, e posso dizer que em muitos deles a juventude o reconhece mais que na República Democrática do Congo".

"Meu pai foi uma semente e um exemplo de luta até a morte. A maioria dos governos progressistas promovem hoje em dia sua história e pensamento dentro de seus territórios".

"Em muitas partes do mundo, existem pessoas que sentem respeito pela personalidade e pelas lutas de Lumumba, mas na RDC a juventude realmente não tem conhecimento político e histórico".

"No entanto, quem têm mais consciência política, sobretudo em outros países africanos, assume sim seus ensinamentos".

"Lembrar que depois da independência de nosso país houve um momento no qual, entre 15 milhões de habitantes, apenas 10 eram graduados da universidade, entre os quais, definitivamente, não figurava Lumumba".

Junto a combatentes do Che no Congo

Durante sua primeira visita à ilha em 2011, Ronald se encontrou, junto a sua mãe Pauline Lumumba Oponho Anosamba, com membros do batalhão cubano Patrice Lumumba que prestou ajuda internacionalista entre agosto de 1965 e janeiro de 1967 no então Congo Brazzaville.

"Quando descobri o alto nível da saúde pública neste país, decidi trazê-la, que então estava fazendo tratamento na Europa, para que cuidassem dela aqui", enfatiza.

"Então visitei o Parque dos Heróis Africanos em Havana e me senti surpreendido ao ver ali os bustos de dois heróis de meu país, um de meu pai e outra de Laurent Desiré Kabila (pai do atual presidente Joseph Kabila).

"Isso me ajudou muito em meu entendimento da realidade revolucionária, como também o encontro que tive com combatentes cubanos que apoiaram a luta em nosso país do herói Ernesto Che Guevara".

A FPLDD, dirigida por Ronald, fundada em 1994 e reativada em 2000, promove a herança independentista e anti-colonial de seu pai e garante apoio à juventude africana para seu desenvolvimento educacional, cultural e econômico.

Patrice Lumumba foi assassinado em 17 de janeiro de 1961 por um complô organizado pela CIA com a cumplicidade do governo da antiga metrópole belga e do chamado "trio maldito", formado pelos políticos Moisés Tshombe, Joseph Kasabubu e Mobutu Sese Seko.

Fonte: Prensa Latina