Orlando Oramas León: TIAR, um cadáver insepulto
A saída do Equador do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), oficializada com a assinatura do presidente Rafael Correa oficializou, pôs em evidência a obsolescência dessa joia da Guerra Fria, imposta pelos Estados Unidos como uma espada de Dâmocles ao continente
Por Orlando Oramas León, na Prensa Latina
Publicado 07/02/2014 10:58
Parecia demais a permanência do país sul-americano no TIAR, depois que se confirmou que o Pentágono e outras dependências da segurança estadunidense, em particular a Agência Central de Inteligência, a CIA, colaboraram há seis anos no ataque militar colombiano contra o território do Equador. Assim ocorreu em 1º de março de 2008 em Angostura, Equador, que o então presidente colombiano, Álvaro Uribe, ordenou atacar sob o pretexto de liquidar um acampamento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Naquela ação, em que morreram vários guerrilheiros, inclusive o segundo no comando das Farc, o comandante Raúl Reyes, os Estados Unidos entregaram informação obtida por meio de espionagem, o que foi vital para o êxito dessa investida.
Segundo denúncias, aviões AWACS do Pentágono atuaram como centros de comando e controle da operação, pela qual aeronaves militares da Colômbia bombardearam território equatoriano, posteriormente invadido por tropas transportadas por helicópteros.
É claro que esses aviões e helicópteros não levantaram voo nem se abasteceram em Manta, localidade equatoriana onde, até a chegada de Correa ao poder, Washington manteve uma base aérea com o pretexto de perseguir o narcotráfico.
Tratava-se de um verdadeiro centro de espionagem que ameaçava outros países da área, onde a agência antidrogas norte-americana, a DEA, executou ações encobertas e inclusive sequestros.
O paradoxal é que o Equador exibe hoje melhores resultados no combate ao tráfico de drogas do que quando a DEA controlava a base de Manta e, com ela, o espaço aéreo de boa parte da América Latina.
Seguramente todo este contexto está por trás do ato oficial com que o presidente Correa oficializou o corte de todas as relações e obrigações com o TIAR, que qualificou de anacrônico.
Um comunicado da Chancelaria indica que o “Equador denuncia em todos os seus artigos o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca”.
No decreto presidencial afirma-se que o país andino cumpriu todos os passos para denunciar o pacto, entre eles anunciar oficialmente à Organização dos Estados Americanos (OEA) a vontade de sair formalmente do acordo continental.
O documento traz o pronunciamento de Quito de que tal decisão “constitui um passo a mais rumo à construção de uma doutrina continental de segurança e defesa, adaptada à realidade do mundo contemporâneo e a serviço dos objetivos da construção de uma ordem mundial mais justa e equitativa e do fomento das relações pacíficas entre os Estados”.
O Equador ratificou o TIAR em 1950, justamente quando Washington insuflava o anticomunismo para o contrapor à União Soviética e ao novo campo socialista que se fortalecia na Europa depois da vitória contra o fascismo.
Na época, o presidente Harry Truman ordenava a fabricação da bomba de hidrogênio e impunha o TIAR no hemisfério, onde pululava mais de um ditador à sombra dos interesses da United Fruit Company, a Mamita Yunai .
Era no mínimo paradoxal que as repúblicas latino-americanas obtivessem segurança a partir de um pacto com a potência hemisférica que mais havia realizado intervenções militares no continente, com invasões a Cuba, Haiti, Nicarágua e depois a República Dominicana.
O TIAR é um “instrumento obsoleto a serviço de interesses hegemônicos, nunca serviu para a defesa de nossos países, mas para agredir-nos”, disse no Twitter o chanceler equatoriano Ricardo Patiño.
Em sua opinião, esse pacto com Washington não evitou a agressão britânica à Argentina em 1982″, durante a guerra pela soberania das ilhas Malvinas.
O que ocorreu na realidade foi uma franca violação ao que dizia o tratado, pelo qual os países do continente, em particular os Estados Unidos, deviam enfrentar juntos a ameaça de uma potência extracontinental, neste caso o Reino Unido.
Na guerra das Malvinas, a Armada britânica contou com informação fornecida pelos Estados Unidos para o deslocamento e manobras de seus barcos e aviões de guerra. Com suporte desse tipo, o Reino Unido afundou o cruzador Belgrano, fazendo mais de 300 vítimas fatais.
Washington optou por seu aliado na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e o antigo império colonial, ao invés de honrar um pacto que foi concebido para enfrentar a ameaça comunista e não para defender a soberania dos povos latino-americanos.
Segundo o presidente Rafael Correa, o TIAR começou a morrer na guerra das Malvinas. Mas talvez sua enfermidade congênita começou a se tornar crônica em 1954, quando a CIA derrubou o presidente Jacobo Arbenz na Guatemala.
E seguramente, seus sintomas se agravaram em abril de 1961 nas areias de Playa Girón, onde os cubanos venceram a invasão mercenária organizada e armada por Washington, que sofreu o que se considera a primeira derrota militar do imperialismo ianque na América Latina.
Até agora, México, Peru, Nicarágua, Bolívia, Venezuela e Equador já renunciaram ao TIAR, que se parece um morto insepulto em um continente em que se consolida a mudança de época definida por Rafael Correa, o que foi confirmado recentemente em Havana durante a 2ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos.
Prensa Latina