Publicado 25/06/2014 09:50 | Editado 04/03/2020 16:26
Uma pesquisa realizada pela Data Popular e Instituto Idea divulgada no El Pais no início do mês deu conta de que a rejeição à Copa do Mundo era maior entre os mais ricos (http://brasil.elpais.com/brasil/2014/06/11/politica/1402501066_206678.html). O resultado não chegou a surpreender, mas dadas as circunstâncias ferventes do pós-junho/13 o dado notável era que a face mais ruidosa dessa rejeição, materializada no equivocado e autoritário #nãovaitercopa, vinha das ruas onde as manifestações inicialmente volumosas e multifocais foram aos poucos adquirindo feições políticas mais reconhecíveis, com a entrada em cena de novos atores carregados de polêmica: a ‘tática black bloc’. Onde o curioso?
Ora, os mais ricos sempre estiveram longe das ruas, em todos os sentidos. Então o elo nem tão perdido entre o andar de cima e a vanguarda dos de baixo, com suas legítimas denúncias de violações de direitos, bandeiras novas e históricas, o fio de ligação da recusa da Copa entre classes sociais distintas e demandas tão opostas foi costurado pelas grandes corporações de mídia nacionais e internacionais, com a ajuda de novos movimentos de comunicação da web.
A disputa pela captura da alma do brasileiro médio foi feroz. O governo, meio apalermado desde as grandes jornadas do ano anterior demorou a tomar a ofensiva institucional enquanto governistas nas redes sociais enlouqueciam tentando combater as informações de superfaturamento e corrupção nas obras da Copa. Logo surgiu o #vaitercopa institucional carregado do mesmo furor raivoso que o slogan rival.
No último semestre vivemos uma tensão pré-Copa insuportável. A bipolaridade crônica, tão bem diagnosticada pelo filósofo Wladimir Safatle em artigo incisivo, de ou sermos os melhores ou os piores em tudo, se agudizou ao ponto do insustentável nele mesmo, levando-o a escrever novo artigo intitulado ‘Não teve Copa’, bem longe do brilhantismo do primeiro, numa vã tentativa de suprimir a antinomia.
E do caos iminente fez-se a ordem. Como na célebre anedota em que o jogador pergunta ao técnico se ele combinou as jogadas fulminantes com o time adversário, esse personagem misterioso que se chama ‘povo brasileiro’ (Quem é o Povo, já tanto se perguntaram filósofos e cientistas?) de repente(!) não cedeu de seu desejo. Um país que realiza uma ‘copa’ a cada fim de semana resolveu vestir a camisa, desfraldar a bandeira, receber turistas com sua hospitalidade característica que segundo os visitantes compensa as indisfarçáveis falhas de estrutura, festejar com eles, torcer desavergonhadamente, enfim, resolveu assumir o slogan que me pareceu dentre todos o mais delirante: #copadascopas que a presidente repetia como mantra sempre que, tardiamente, se defendia das críticas.
E foi também Dilma que recebeu de graça o gol contra marcado pela parcela dos mais ricos, e não somente, contrária à Copa mas presente na abertura.. Isso vai influenciar as eleições? Claro.Tudo influencia. Mas sem ilusões, pitbulls de torcidas organizadas: o brasileiro mostrou que é muito mais inteligente do que se imagina.
*Sandra Helena de Souza é professora de Filosofia e Ética da Unifor
Fonte: O Povo
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