O poeta que Boldrin não viu
Em outubro de 2007, ao trabalhar em uma antologia de poesia popular do sertão do Pajeú, descobri um senhor poeta. Adjetivo o substantivo poeta com “senhor” para atender à sua idade e também para não escrever “grande”. Grande é Dante, ensinava Manuel Bandeira. Na verdade, sendo mais preciso, descobri um belo e viçoso poema, com a mesma beleza das coisas da terra e com o viço do leite materno.
Por Urariano Mota
Publicado 01/08/2014 18:39

Tão encantado fiquei com o tesouro, que me disse: esse homem deveria ser conhecido além de nossas fronteiras. E por isso pensei no Sr. Brasil, o programa criado à imagem e semelhança de um senhor ator, Rolando Boldrin.
Em 15.10.2007 então, envie-lhe esta mensagem:
“Prezado Rolando Boldrin
Sou Urariano Mota, escritor e jornalista. No momento organizo, com mais três outros escritores, uma Antologia dos Poetas do Pajeú. O Pajeú é uma área do sertão de Pernambuco, berço de inúmeros poetas, cantadores e repentistas.
Aconselhado, envio-lhe o poema a seguir. Sem dúvida, você é a pessoa certa, pelas qualidades de ator e conhecedor da gente brasileira. Passo-lhe os breves dados do poeta e o poema. Você verá que Dickens, na Inglaterra, não escreveria com mais força”.
E lhe passei primeiro a brevíssima apresentação do senhor poeta Antônio José de Lira:
“Nasceu no Sítio Goiana, Município de Itapetim, Pernambuco, em 8 de julho de 1930. Não é cantador de profissão, mas agricultor. Faz uma poesia universal, belíssima, como “A Velha Olaria”, uma recordação da olaria do seu pai, no Sítio Goiana”.
Depois acrescentei o poema, o leite materno, os versos que me lembravam Dickens em As Grandes Esperanças, quando o protagonista volta ao casarão arruinado onde conhecera o seu amor de infância.
Mas nenhuma resposta veio, até hoje. Está certo, quero dizer, bem entendo que o apresentador e homem de teatro receba solicitações de todos os cantos, e mal consiga ler a décima parte. O dia só tem 24 horas e as tarefas são muitas, compreendo. Porém mais certo é que eu não devia ficar com essa joia de beleza guardada. Nem mesmo o livro onde apareceria o seu poema ainda não veio à luz. Portanto, a consciência obriga a divulgação. Quem sabe se a partir de outros meios, pelas folhas de jornal, o Brasil venha a conhecer este encanto. Com vocês
A VELHA OLARIA
Recordei o juazeiro
Sombra da velha olaria
Gigante, verde e faceiro
Enquanto o dono existia
Depois que o dono morreu
Ele também resolveu
Se entregar ao machado
Hoje nenhum mais existe
Vou recordar mas é triste
Se recordar o passado
O tempo ingrato passou
A mão naquela olaria
Por lembrança não ficou
Nada do que nela havia
Aterrou todo o barreiro
Sem forno e sem juazeiro
Ficou o chão diferente
Até mesmo o passarinho
Perdeu o lugar do ninho
Canta mas não é contente
Das telhas restam os cacos
Porque não se derreteram
Do juazeiro os cavacos
Todos desapareceram
Se existe alguma raiz
Talvez se sinta infeliz
Porque perdeu sua fronde
A lenha o fogo queimou
As folhas o vento levou
Pra guardar quem sabe aonde
Senti profunda emoção
Naquele ermo esquisito
Sem pai, sem mãe, sem jargão
Sentindo a falta do mito
Se dividiu a família
Três hoje moram em Brasília
E três em Itapetim
Quatro na eternidade
Resta somente a saudade
Morando dentro de mim
Voltei pra ver se do forno
Alguma coisa restava
Pelo menos o chão morno
Da lenha que pai queimava
Não vi cinzas nem carvão
Senti profunda emoção
Saí sem olhar pra trás
Notei que tudo tem fim
Jurei por Deus e por mim
Não ir ali nunca mais