O Brasil não está dividido, mas clama por mudanças
O clima pós-eleições ainda está dominado pela emoção que, sabemos, não é boa conselheira, além de ser forte indutora de atos impulsivos, muitas vezes reprováveis. Mas inferir daí que o Brasil está dividido é análise prematura ou mal intencionada.
Claudio Machado*
Publicado 28/10/2014 15:56 | Editado 04/03/2020 16:42
Não, o Brasil não está dividido. Essa dicotomia não passa de uma impressão emocional momentânea de parte do eleitorado, ou sonho de consumo de setores irresponsáveis do projeto derrotado, que tentam, desde já, construir um consenso nacional sobre essa falsa divisão, usando, como sempre, grandes veículos de comunicação a serviço de seus objetivos, contribuindo, inclusive, para manifestações xenofóbicas e preconceituosas como as que temos visto no mundo virtual e real.
Tentar convencer os brasileiros de que o Brasil está dividido após a vitória de Dilma é o caminho mais curto, acreditam, para tentar inviabilizar desde seu início o governo reeleito, encurralando-o nas cordas e ir, aos poucos, minguando suas forças com golpes abaixo da linha de cintura, comprometendo a governabilidade e criando um consenso na opinião pública de que o governo é ruim, inoperante e que foi um erro do eleitor quando permitiu a reeleição da presidenta Dilma. Junte-se a isso um novo escândalo super dimensionado – e até deturpado – pelos arautos do golpismo, e estaremos a caminho do impedimento da presidenta via Congresso Nacional, que sai destas eleições o mais conservador dos últimos 12 anos. Esse é o enredo de uma ópera bufa e trágica que entrou em cena logo após o resultado das eleições presidenciais.
Mas o Brasil não está dividido, a não ser no maroto mapa vermelho e azul montado por estes golpistas de plantão. Dividir o país em estados pró Dilma e anti Dilma chega a ser cômico, se não trouxesse consigo a possibilidade de uma tragédia em gestação no útero da direita antidemocrática, incapaz de esperar mais quatro anos para uma nova tentativa de voltar ao Palácio do Planalto pelo voto.
Assim como o eleitorado de São Paulo não votou integralmente em Aécio, o de Pernambuco também não votou integralmente em Dilma. O mesmo aconteceu nas faixas de renda. Os dois candidatos tiveram votos em todas elas, embora mais votados em umas do que em outras. Dilma teve muitos votos nas classes A e B, assim como Aécio foi bem votado, ainda que minoritariamente, nas classes D e E.
Mesmo a divisão numérica, que ficou caracterizada pela pequena diferença de menos de quatro pontos percentuais a favor de Dilma, não pode sustentar a tese da divisão do país entre petistas e anti petistas. Os números finais do pleito são apenas um retrato, uma manifestação momentânea do desejo de grande parte do eleitorado, que em seguida ao voto não cristalizará sua opção, passando automaticamente a observar, com maior ou menor interesse, os rumos do governo, podendo reverter sua opção a qualquer tempo, embora só venha a manifestá-la nas próximas eleições ou em manifestações populares como as jornadas de junho/julho de 2013. Ou seja, ao longo dos próximos quatro anos, eleitores de Dilma poderão ir para a oposição, assim como esta pode perder eleitores para a situação. Tudo vai depender da capacidade do governo em cumprir os compromissos assumidos e impedir que o fogo de barragem da maior parte dos veículos de comunicação criem uma cortina de fumaça sobre suas realizações.
Eis a primeira batalha pós-eleitoral. É preciso impedir que setores golpistas dos meios de comunicação e a parcela irresponsável da oposição vençam a disputa pela opinião pública e consigam convencer a maioria dos brasileiros de que o país está dividido entre os prós e os contra Dilma. Perder essa batalha será um péssimo começo. E essa batalha só pode ser vencida se o governo conseguir manter-se na ofensiva, obsessivamente na ofensiva, criando a pauta e não sendo pautado.
Para conseguir esse intento é preciso, para um bom começo, inverter a mão no diálogo com a sociedade em relação às mazelas da corrupção, pois ela continuará na pauta, queira o Palácio do Planalto ou não, uma vez que é uma velha e eficaz receita da direita para golpear governos progressistas e populares, como ocorreu com Getúlio Vargas, João Goulart, Lula e Dilma – leiam a coluna de Merval Pereira de hoje (23/10) e verão que não estou fazendo apenas suposições.
Só com uma ofensiva explícita e recuperando a bandeira da ética é que o governo terá condições de evitar os estragos que atos de corrupção são capazes de causar à sua imagem, uma vez que extirpa-los de vez é impossível, é tarefa quase inglória. Em síntese, é preciso evitar que atos de corrupção que venham à luz do dia tornem-se marca do governo, embotando e desbotando realizações exitosas e inclusivas como ocorreu a partir da segunda metade do governo Dilma, quando a direita e seu braço armado midiático mudou de tática deixando de exultar a implacável luta da presidenta contra a corrupção, como fazia no início de seu mandato. Em 2011 e em parte de 2012, ao mesmo tempo que a adulava, tentava afastá-la de Lula de forma marota, classificando seu antecessor como um presidente leniente e até conivente com malfeitos. Como não deu certo, partiram para cima de Dilma, tentando sitiá-la e emoldurá-la na imagem da corrupção. Por pouco não tiveram êxito, como vimos nestas eleições.
Mas se a ofensiva no combate à corrupção é uma exigência de primeira hora e fundamental para implodir a casamata que abriga o único canhão oposicionista que ainda pode causar estragos imediatos nesse momento pós-eleitoral, são as grandes reformas estruturais e a radicalização das ações inclusivas que irão garantir um governo exitoso, capaz de coesionar sua base aliada e ampliar o apoio popular, atraindo para o projeto democrático e progressista outros partidos e organizações do movimento popular que, embora de esquerda, mantêm-se na oposição – ou quase – por entenderem que suas bandeiras não estão contempladas dentro das políticas governamentais.
É certo que houve muitas conquistas nestes 12 anos, após a primeira eleição de Lula. O Brasil se tornou a sétima economia do mundo e implantou diversas políticas de inclusão social e de distribuição e transferência de renda jamais vistos em sua história e que alcançam reconhecimento mundial. Ainda assim, a profunda desigualdade que ainda persiste na sociedade brasileira está a exigir mais mudanças e em ritmo mais acelerado. Sem atender essas necessidades e expectativas, o risco de ocorrer uma frustração coletiva é enorme. É preciso avançar na democratização, incentivando maior participação popular na definição e formatação das políticas públicas, inclusive na sua fiscalização; é preciso mais desenvolvimento e mais progresso social.
Mas o governo só será capaz de atender essas demandas se ousar propor e lutar pelas grandes reformas ainda por fazer e aprofundar a implantação das políticas inclusivas e democratizantes, como a reforma política com financiamento público de campanha e voto em lista – compromisso já renovado por Dilma; reforma tributária progressiva e cobrança de impostos de grandes fortunas; reforma agrária; reforma urbana; regulação e democratização dos meios de comunicação conforme previsto da Constituição Federal; ampliar as medidas de proteção ao meio ambiente; ampliar os esforços para universalização dos serviços públicos; propor e lutar pela implantação da jornada de trabalho de 40 horas semanais, sem redução do salário; implantar mecanismo que permita a extinção do fator previdenciário com prazo determinado; acelerar a demarcação e regularização das terras indígenas e quilombolas; aprofundar os mecanismos de combate às discriminações raciais e de gênero. Tais reformas e políticas é que serão capazes de garantir uma estratégia de desenvolvimento duradouro e acelerado, na direção de conquistas mais amplas para a superação das profundas desigualdades sociais e regionais ainda existentes.
É certo, entretanto, que trilhar esse caminho significa ter disposição para enfrentar acirrada resistência das forças conservadoras, que tudo farão para impedir que a sociedade brasileira avance nessa direção. E o arsenal de que o adversário dispões é de grande contundência. Entre outras instituições eles têm ao seu lado os principais meios de comunicação e o congresso nacional, que é majoritariamente conservador, ainda que numericamente governista. Está claro, portanto, que sem um forte apoio e mobilização do campo popular e de esquerda, torna-se quase impossível sair da fase homeopática das mudanças.
A construção desse campo é fundamental e deve unir, tanto quanto possível, todas as forças políticas que tenham identidade com as mudanças e avanços defendidos e requeridos pelos setores populares, progressistas e de esquerda, sejam eles partidos políticos, movimentos sociais, centrais sindicais, e outros segmentos que enxerguem esse caminho como aquele que levará à modernização do Estado nacional e ao fortalecimento de nossa soberania com a eliminação das grandes desigualdades sociais que ainda perduram. Nessa direção, é importantíssimo que o governo tente atrair de volta o PSB, que busque atrair o PSOL e outros partidos de esquerda, mesmo que estes ainda não tenham representação no congresso nacional. É possível e necessário também conquistar o apoio de outras centrais sindicais – além da CUT e da CTB – e de movimentos populares importantes e portadores de grandes e legítimas demandas sociais. Sem essa mobilização, as amarras institucionais e a capacidade de resistências das forças conservadoras impedirão os avanços requeridos pela sociedade, mas a fatura será cobrada do governo e não daqueles que obstruíram o caminho das mudanças.
Claudio Machado é Secretário Estadual de Comunicação do PCdoB do Espírito Santo