Musa Ramalho: Menos fascismo, mais direitos para nossa juventude
Quando me mudei para Salvador, disseram-me que a estação da Lapa era um dos lugares mais perigosos. Dia desses esperava o ônibus para casa, quando três crianças passaram na minha frente, aparentavam ter entre 10 e 13 anos. Uma delas já demonstrava bastante habilidade com a bola de futebol. Enquanto caminhava, exibia sua capacidade de fazer embaixadinhas com a convicção de que seus amigos não possuíam o mesmo domínio de bola, sua autoconfiança me encantou.
Por Musa Ramalho*, no portal da UJS
Publicado 02/04/2015 12:10

O garoto desafiou seus amigos:
– Dou cinco conto para quem conseguir fazer isso, oh!
Fez três embaixadinhas e matou no peito.
Seu amigo, com um pouco de despeito, pareceu constrangido com o desafio e respondeu:
– Fazer isso é muito fácil, te dou cinco conto se você roubar um celular.
– Mas eu não sei roubar…
– É só você meter a mão no bolso de alguém e puxar o celular de lá.
Aos meus ouvidos, pareceu que o mundo ao nosso redor ensinou a eles que furto era “coisa de gente grande”, era o próximo passo. E é com a naturalidade em que as brincadeiras da infância se misturam com a violência que muitas de nossas crianças e jovens são inseridas no crime.
O que há de imoral no roubo para meninos que brincam quase descalços, sujos e mal vestidos junto com as baratas nos grotões de Salvador? Enquanto muitos pensariam em reduzir a maioridade penal, só consegui indagar sobre o óbvio e mais complexo: como garantir o direito à infância e à juventude de nosso povo?
Ainda na Bahia, segundo a Secretaria de Educação do Estado, um milhão de jovens não estudam e não trabalham formalmente, é a primeira vez que quantificar isso é uma preocupação por aqui. É certo que se houvesse dados mais antigos, veríamos que quando o acesso a educação básica era mais precário no Brasil, esse número deveria ser muito maior. Mas ele nos apresenta a real necessidade de continuar mexendo nas estruturas do país.
São jovens que tem cor, condição social, que nos denunciam que há um verdadeiro apartheid construído durante séculos de colonização e exploração de nosso povo negro e que precisa ser superado.
Os filhos da classe média alta e da elite branca, que saiu às ruas no dia 15 para brincar de “intervenção militar já”, se divertem nos playgrounds de luxo, nos cursinhos de idiomas, clubes e shopping da cidade mais preta fora da África.
Através dos meios de comunicação de massa, acompanhamos uma investida fascista que tenta desestabilizar a nossa democracia conquistada a duras penas e o ressurgimento de bandeiras esquizofrênicas, que há alguns anos jamais imaginaria possíveis, bombardeiam nossas redes sociais diariamente: “Fora Dilma”; “intervenção militar já”; “fora comunistas” e todo ano, tentam reduzir a maioridade penal.
A alternativa que os representantes políticos das elites brasileiras apresentam para os problemas reais da nossa sociedade são simplistas e em nada contribuem para a superação de nossas contradições. A PEC 171/93, por exemplo, que busca a redução da maioridade penal, não devolve a juventude para aqueles que a perderam, muito menos apresenta uma perspectiva para os que já nascem violentados pelo Estado. Não é solução, é apenas mais uma forma de depositar nossos jovens negros em grotões equivalentes a senzalas e navios negreiros.
Esses mesmos defensores da “intervenção militar já”; do “fora Dilma” e que tem aversão aos comunistas, são os que odiaram ver jovens negros com diplomas universitários, empregadas domésticas com direitos trabalhistas, usufruindo de mais dignidade. Para eles, defender explicitamente uma agenda política hipócrita talvez traga a esperança de reconquistar privilégios perdidos durante essa década de governo que, junto com movimentos sociais, construiu mais direitos para todos.
Historicamente, o sentimento de humilhação leva camadas da sociedade a se apegarem ao fascismo, a Alemanha de Hitler é um exemplo disso. Lá, era toda a população do país humilhada frente ao tratado de Versalhes, aqui no Brasil, assistimos uma elite raivosa que tem saudades dos privilégios adquiridos durante a ditadura militar, período marcado pelo aprofundamento das desigualdades socioeconômicas no país.
Nada mais incoerente para a garantia dos direitos de nossos jovens e crianças do que a pauta conservadora que tem sido incrementada pelo fascismo. Além de deslegitimar a auto organização das camadas populares, por meio da criminalização dos partidos de esquerda e movimentos sociais, pretende mascarar a realidade de crianças como as que abriram esse artigo. Sabemos que um país ainda muito desigual, como o nosso, precisa de povo organizado que se debruça sobre as aspirações de sua classe e propõe soluções complexas para problemas complexos. Não há saída fácil para 500 anos de exploração. E assim assistimos ao acirramento da luta de classes no Brasil, em que time você joga?
*Comunista, militante da UJS em Salvador, na Bahia