Publicado 01/10/2015 09:20 | Editado 04/03/2020 16:25
O Direito existe, do ponto de vista formal, como instrumento pelo qual o Estado disciplina condutas individuais em busca de uma ordem social. Ordem esta, em geral, resultante dos diversos poderes existentes e em conflito na sociedade. A necessidade de intervenção do Estado, numa ótica de promoção da dignidade humana, deve ocorrer sempre em defesa da autonomia do ser humano, seja reprimindo condutas que violem esta autonomia, seja se abstraindo de controlá-la.
A família historicamente é, ao mesmo tempo, a célula de ordem social, dentro da qual se reproduzem os valores culturais hegemônicos de uma sociedade e o primeiro núcleo de afetividade humana. A família precede o direito determinando-o, e não o contrário.
O desenvolvimento histórico dos direitos humanos no último século, alavancado neste aspecto principalmente pela luta das mulheres e da população LGBT, colocou em xeque o modelo patriarcal e heteronormativo de família, ainda hegemônico. Desta forma se estabeleceram diversos arranjos familiares que devem ser reconhecidos e protegidos pela norma jurídica.
A recente decisão da Câmara dos Deputados de limitar o conceito de família à relação heteronormativa não somente é inconstitucional, mas coloca às margens do Direito milhões de pessoas que exercem sua afetividade das mais diversas formas. Trata-se de uma questão perigosa, pois abre um precedente que pode gerar desde o não reconhecimento de direitos até mesmo a uma criminalização futura sobre condutas que significam somente formas de exercer o amor e o sexo, não gerando qualquer agressão a direitos de terceiros.
Mais do que uma questão de fundo religioso fundamentalista, trata da proteção do patriarcado e não nos surpreendamos que, se esta medida lograr êxito, no futuro, os homens de bem, brancos e ricos vão querer retirar das mulheres o status de igualdade na relação familiar.
*Demitri Cruz é coordenador da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas dos Direitos Humanos do Estado do Ceará
Fonte: O Povo